Aos 104 anos, dona Elvira esbanja disposição e saúde

2 julho 2018 | Gente que inspira

Elvira nasceu em 8 de setembro de 1913. Esconde os 104 anos na disposição que faz subir as pernas a três palmos do chão:

– Oh, meus filhos falam que tem dor aqui, dor ali. Que dor! Olha como eu mexo as pernas!

E faz o movimento, repetidas vezes.

Foram 10 filhos (5 já faleceram), todos nascidos em casa, sem médico ou hospital.

A família aumentou para 39 netos, 62 bisnetos e 24 tataranetos. É tanta gente que foi preciso realizar um inventário em folha de papel para não correr o risco de ficar alguém de fora.

Elvira Prudenciana Domingos repete, mais de uma vez, que tem mais disposição do que muita gente jovem da árvore genealógica.

Não tem colesterol, diabetes, nada do tipo. Recentemente, precisou entrar com remédios de pressão para conter tonturas recorrentes. Mas foi só recentemente, já depois de centenária.

– Não dói nada! Dor nenhuma! A primeira injeção da minha vida tomei depois dos 80 anos!

Não gosta de acordar cedo.

– Vou acordar cedo para quê? Não tenho criança para cuidar!

Acorda por volta das 9h30, arruma a casa onde vive com um neto, faz comida, lava, passa, cuida de tudo sozinha.

Nas panelas, pouco verde e muita gordura.

– Eu não gosto assim de quiabo, abóbora. Nem vem com essas coisas! Gosto mesmo é de carne de porco bem gorda, bolo, doces, bastante coisa gostosa! Frutas também: de toda qualidade! Nunca me fez mal!

Vaidosa, diz que também gosta de estar sempre bem arrumada.

– Ah, tem que ter roupa bonita!  Gosto de andar bem vestida!

Antes de começar a entrevista, penteia os cabelos e troca de roupa. Na hora da foto, exibe um sorrisão charmoso.

– Vai sair a história?

E, lutando com a memória que – pudera! – começa a falhar, conta um pouquinho da sua trajetória.

Elvira idosa de 104 anos Ribeirão Preto História do Dia

Elvira nasceu e cresceu na fazenda, “para lá de Guaxupé”, como diz.

Conta que quando tinha menos de um aninho, a mãe morreu. Passou parte da vida com a madrinha.

– Ela me ensinou a sentar direito, pegar no garfo, deixar um pouquinho no prato como cortesia.

Já maiorzinha, o pai se casou de novo e a levou para morar com ele. Foram tempos de tristeza. Ele passava a maior parte do tempo viajando. E a madrasta não aceitava os enteados.

– Ela batia muito na gente. Sofri que nem condenada. Um dia, meu pai chegou de viagem e viu ela batendo na minha irmã de cabresto. Ele pegou o cabresto e bateu muito na minha madrasta… era muito difícil.

O pai morreu quando ela tinha 13 anos. E, com menos de 15, se casou.

– Mas eu sabia fazer todo o serviço.

Já nessa época, sabia costurar. Passou a vida com a máquina de costura.

– Eu sabia fazer vestido de noiva, roupa de homem, sabia de tudo!

Diz que teve a primeira filha dias depois de completar 15 anos.

– Eu cuidava dos filhos, da casa e trabalhava. Fazia coisas bonitas para os outros. Era tão bom!

Não pôde, então, terminar os estudos. Mas conta, orgulhosa, que aprendeu a ler e escrever.

– Agora, não leio mais porque a vista tá difícil. Mas eu lia, sim!

Antes de chegar a Ribeirão Preto, em data que já não se lembra bem, morou em fazendas e na Usina da Pedra.

Perdeu o contato com os irmãos bem cedo, entre uma mudança e outra. E a memória falha em saber quantos irmãos teve no total.

– Meu irmão chegou a me escrever uma carta, mas não colocou o endereço dele.

O marido – único amor da vida – faleceu quando ela tinha 52 anos, em 1965, com um mal súbito. Tomou uma decisão drástica:

– Eu nunca mais quis ninguém na minha vida. E apareceu tanto casamento para mim! Mas eu tinha meus filhos. Criei todos eles sem nunca dar um tapa. Nem eu e nem meu marido. E se arrumasse um homem que quisesse bater neles? Eu não ia querer.

Enfrentou as maiores dificuldades para terminar de criar os filhos sozinha.

Nem por isso, entretanto, deixou a alegria se esgotar.

– Eu gosto de baile, de festa, de dançar!

Elvira Prudenciana Domingos idosa de 104 anos Ribeirão Preto História do Dia

Elvira diz que nunca fumou, bebeu ou brigou com ninguém.

– Tenho medo de briga!

Tem suas superstições. Desde que teve o primeiro filho, nunca mais andou de pés no chão.

– Acho ruim. E falo para os meus netos que ficam andando descalço: hora que tiver doente, vai ver só!

Nos últimos 10 anos, enterrou cinco filhos.

– Eu não sei como resisti tanto… É por Deus.

Apesar da dor, gosta da vida.

– Eu gosto de viver! Ah, eu gosto!

Conta do dia em de quase morte na fazenda, décadas atrás. Deu um raio que matou cinco vacas.

– Eu caí no chão e estava dando choque. Não morri por Deus. Era para eu ter morrido.

E agradece, mais uma vez, a vida centenária.

– Às vezes, a gente pode morrer daqui a pouco. Se a gente soubesse, a gente ficava doido… Deus é quem sabe.

Segue, fazendo o que gosta. Sorrindo para a foto e para a vida.

 

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1 Comentário

  1. Meire Eleni

    Que gostoso reler essa história. Qta simplicidade e sabedoria.

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