– Não adianta lamentar as coisas perdidas. Se perdeu, tem que buscar conservar o resto. A gente tem que ser forte!
Outro dia na igreja, o tema foi prosperidade. Terezinha mal chegou em casa e já estava escrevendo no seu caderninho que a verdadeira prosperidade é bem mais que casa, dinheiro e carro.
– É refletir, pensar. Deus não vê o casco. Ele vê o conteúdo.
A vista, aos 83 anos, já não funciona muito bem. Mas ela não se abate. Arrumou uma lupa, que segura com a mão esquerda enquanto a direita faz surgir as frases com a caneta.
Dia dos Pais, mensagens de amor, bilhete para o vizinho que se separou da namorada e só pensava em coisas ruins, um poema para o sobrinho que encheu o dia de amor com um abraço.
Há mais de 30 anos, Terezinha Bardella Mendes, que só estudou até o primário, enche as folhas de cadernos e agendas antigas com palavras do bem: a regra que une tudo o que escreve.
– Só para cima. Para baixo a gente não pode ir. Tem que ser coisa para levantar o ego da gente.
Aprendeu a escrita com muita leitura e muito coração. Lê tudo o que pode: revistas, jornais, livros. E escreve sobre tudo o que vê de bom.
– Eu levo um caderninho comigo e presto atenção. Vou pondo tudo aqui. Mas, como a vista não está boa, não dá para escrever muito bem. Quando chego em casa, pego a lupa para entender a ideia que escrevi. E escrevo mais.
As palavras têm o fluxo de dentro para fora, por inteiro.
Terezinha escreve o que acredita.
O pai era pedreiro e mãe dona de casa. O irmão era tão ciumento que não deixava nem mesmo a menina pintar as unhas.
Ela começou a trabalhar na adolescência, vendendo de casa em casa os sapatos que o irmão fazia.
Diz que o pai queria que estudasse, mas ela não gostava muito. Preferia negociar, vender, andar.
Casou aos 23 anos e ajudou o marido, empresário no ramo de ferragens, a prosperar com a empresa que chegou a ter 80 funcionários.
Quando perderam tudo, na década de 70, ela também esteve ao lado do marido, com o otimismo que sempre carregou grudado ao coração.
– Vendemos tudo o que tínhamos. Até o carro. Eu falei que vão-se os anéis e ficam-se os dedos. Nunca me apeguei a nada. Nunca! O que vai fazer? A vida tem altos e baixos!
O marido morreu em 1986 e ela, aos 56 anos, com os três filhos criados, ficou viúva. Diz, reforçando a voz, que morou sozinha por 20 anos. E nunca mais teve um relacionamento.
– Só tive meu marido. E serviu de experiência!
Só topou morar com a filha quando o neto passou no vestibular.
– Ela iria ficar sozinha e eu vim. Mas a gente perde a liberdade!
Diz, levando bronca da filha antes mesmo de terminar.
É do tipo coruja. Que sempre gostou da casa cheia e da mesa rodeada de gente. Organizava festas juninas no bairro e expedições com a criançada pelas ruas. Fala com orgulho da família de três filhos, seis netos e três bisnetos.
– A vida? Nós viemos aqui para ter crescimento de espírito. Se tudo você levar fechado, você não vive.
Nunca publicou as milhares de poesias e outros escritos que tem nos cadernos. E diz que, apesar de ser um sonho antigo, já não dá tanta importância.
– Já tô numa idade que não me importo com mais nada!
E solta uma gargalhada gostosa.
Em maio deste ano, dona Terezinha caiu um tombo no banheiro. Teve fraturas múltiplas na perna que, desde então, está imobilizada.
A vida ativa, feita de passeios, teve que dar uma parada e ela confessa que passou dias de choro e tristeza.
– Se eu fico triste, eu escrevo para Deus, como se estivesse conversando com ele. E peço para ele levar toda a tristeza de mim.
Todos os dias, risca um número no caderno. É a contagem regressiva para tirar o gesso. Agora, faltam menos de 15 dias.
Ficou revoltada com a bengala que ganhou da equipe médica e garante que devolve na próxima consulta.
– Velho encostado, fica enferrujado. Tem que estar sempre lubrificando, limpando para ficar bom. Eu tô me virando bem!
A tristeza não é senhora com dona Terezinha.
É nuvem bem passageira, que dissipa antes de se formar.
No Hospital das Clínicas, onde ela é paciente, foi homenageada neste setembro, em que é o celebrado o Mês do Idoso.
Leu uma poesia que escreveu sobre a vida e emocionou pacientes e funcionários. Nem mesmo a fala prejudicada por uma paralisia a impediu de recitar.
– Sou muito feliz. A gente tem que agradecer o que Deus dá para nós.
Terezinha encara a velhice com a serenidade que encarou toda a vida.
– Eu acho que envelhecer é uma coisa justa. É sinal de existência.
E tem suas certezas para o que vem depois.
– Deus espera a gente do outro lado. Meus frutos são meus filhos, meus netos e bisnetos. Essa riqueza ladrão nenhum leva.
Com o coração leve de quem vive. E carrega da vida o que ela tem de – realmente – importante.
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Me sinto honrada em conhecer a “Tia Tereza( é assim que a chamamos) .Frequentávamos a mesma igreja e confesso que era uma alegria para mim , meus filhos e marido estarmos com ela.Meus filhos já tem 30 anos ( e a conheceram com 10) e apesar da distância ainda falam dela com muito carinho.Sempre com uma palavra amiga, brincalhona, amorosa, querida, nós a amamos muito ( a distância não muda o amor) .Que Deus continue abençoando- a grandemente.Parabéns por homenagea- la.