Campeão mundial de Jiu-Jitsu, Sheid foi reverenciado pelo sheik de Abu Dhabi

21 junho 2017 | Gente que inspira

“Atenção, tripulação! Temos o prazer de ter a bordo o campeão mundial de Jiu-Jitsu, Sheid Fernandes!”

Nessa hora caiu a ficha. Sheid estava – mesmo – deixando Abu Dhabi com os troféus e a medalha de campeão.

Caiu no choro e, quanto mais chorava, mais os aplausos de todo o avião aumentavam. As pessoas vinham abraçar, parabenizar e na cabeça do campeão um filme corria.

Sheid Fernandes de Oliveira, filho de mãe doméstica e pai operário, aos 28 anos, acabara de conquistar um dos maiores títulos mundiais do Jiu-Jitsu.

Se fosse isso, já estaria mais que bom. Mas o atleta foi além.

Foi reverenciado pelo sheik de Abu Dhabi depois de derrotar, em menos de oito segundos, um dos seus soldados.

Tudo isso, entretanto, ainda ficava pequeno perto do motivo que fez Sheid ir ao Emirados Árabes competir.

Mais que as honrarias, ele levava na bagagem dois mil dólares, que iriam garantir por mais alguns meses o tratamento do seu pai.

 – Pode demorar, mas todos os meus sonhos se realizam.

 


 

Os sonhos de Sheid ganharam contorno na infância.

Ele conta que acordava às 5h da manhã para ir com a mãe de Osasco até a área nobre de São Paulo, onde ficavam as casas das suas patroas.

– A gente morava em dois cômodos. Meu sonho era morar em um apartamento como aqueles em que minha mãe trabalhava.

Também sonhou em dar aula de natação, encantado com o filho de uma das patroas que tinha um professor da modalidade.

Esse sonho se encaixou em outro, bem maior. Sheid diz que sempre gostou de esportes e, então, não foi difícil sonhar com a faculdade de Educação Física.

Quando estava na adolescência, seu pai conseguiu uma promoção no trabalho de operador radial e a situação da família mudou.

Mudaram de São Paulo para Indaiatuba e os sonhos do menino começaram a tomar forma de realidade.

Moravam em uma casa maior, conseguiram comprar bens que a prosperidade financeira permite alcançar.

Sheid já estava se formando quando a reviravolta veio.

Em 2001, seu pai descobriu um câncer no esôfago. O convênio médico não cobria o tratamento e a família começou a pagar.

Foram seis anos de batalha. Depois desse, vierem outros cinco tumores. Sheid e sua mãe venderam todos os bens que tinham para custear o melhor tratamento possível.

– Nós vamos deixar a pessoa que lutou a vida toda na mão por dinheiro? Não. O tratamento fez meu pai continuar lutando.

Em 2006, quando já não tinham de onde arrancar recursos, Sheid recebeu a proposta de morar na Espanha e trabalhar por lá. Aceitou, para mandar dinheiro ao Brasil.

Jamais pensou, porém, que iria parar em Abu Dhabi, sentado ao lado do sheik, com medalha de campeão.

No avião, era todo esse filme que passava na sua cabeça e fazia as lágrimas correrem mais que rio. Esse era o motivo.

Sheid Fernandes campeão mundial de Jiu Jitsu

Sheid embarcou para a Espanha no final de 2006. Dividia apartamento com amigos e tudo que ganhava dando aulas ia para aluguel, comida e o tratamento do pai.

Quando um amigo brasileiro avisou sobre a competição em Abu Dhabi, em maio de 2007, não se animou.

– Eu não tinha dinheiro nem para a passagem.

Uma amiga suiça, a quem Sheid ainda chama de “anjo de guarda”, foi quem comprou os tickets e deu 500 euros para que o atleta pudesse ficar nos Emirados Árabes.

“Vai ter que esperar um pouco em Londres!”, ela avisou sobre o que nem parecia um problema.

Entendeu, já no aeroporto londrino, que as horas de espera poderiam, sim, atrapalhar. A conexão levaria 18 horas e custou para que a agente do aeroporto deixasse Sheid entrar.

O kimono que estava guardado na mochila de mão foi artifício. E uma “mentirinha amarela” foi um empurrão final.

– Os seguranças viram o kimono e perguntaram se eu conhecia os lutadores de MMA do Brasil, tipo Vitor Belfort. Eu tive que contar uma mentirinha: disse que ele já tinha treinado comigo. Eles pediram para tirar foto e quando a agente viu, acabou me dando o visto.

Foram 31 horas para chegar da Espanha até Abu Dhabi. Trinta e uma horas sem pregar o olho.

– Aquilo para mim era uma grande realização! Estava tão ansioso que nem conseguia dormir!

Se hospedou em um hotel simples, com outro brasileiro. Os dois eram únicos entre todos os competidores.

 

A primeira luta da competição já estava ganha. Antes da segunda, o embate foi interrompido, para o ritual de chegada do sheik e seus filhos.

Que continue a competição!

Quando o nome do competidor de Sheid foi anunciado, o susto. Era o soldado real, que acompanhava o sheik há anos.

Em menos de oito segundos, o competidor estava no chão, Sheid estava com os braços levantados pelo juiz e o sheik sinalizava para que o ganhador fosse até ele.

– Eu não sabia o que fazer!

Deu à mão ao brasileiro, pediu que ele se sentasse e começaram uma conversa que terminou com o convite para que Sheid se hospedasse em um dos melhores hotéis da cidade e que conhecesse o território.

A vontade de ganhar o campeonato já era imensa. A reverência do sheik só aumentou o combustível.

Nem mesmo o dedo machucado que fez a mão de Sheid ficar roxa tirou seu título.

No dia seguinte, além da medalha de campeão mundial de Jiu-Jitsu, o brasileiro conquistou dois troféus: melhor atleta do campeonato e finalização mais rápida, pela luta com o soldado.

Passou uma semana em Abu Dhabi, conhecendo as maravilhas do skeik. Voltou cheio de vitórias e, dessa vez, com tantas honrarias na bagagem, não teve problemas para conseguir o visto londrino e até mesmo o espanhol que, ele percebeu no aeroporto, já estava vencido.

Foi recebido com festa.

Sheid Fernandes campeão mundial de Jiu Jitsu

O dinheiro que Sheid ganhou com o campeonato – cerca de R$ 8 mil na época – foi usado dar continuidade ao tratamento do pai no Brasil.

Sete meses depois do campeonato, em dezembro de 2007, o campeão voltou para casa da família com mais uma medalha para o acervo do pai.

– Meu pai limpava minhas medalhas toda semana.

O pai faleceu em 2008, seis meses depois da volta do filho. Não há consolo para a perda. Mas há o alívio do dever cumprido.

– Não há arrependimento nenhum.

Hoje, Sheid mora em Ribeirão Preto, onde desenvolve projeto de Jiu-Jitsu com crianças, é casado e há pouco mais de um ano realizou o grande sonho da vida: ser pai babão de um menininho lindo!

Nas gavetas do apartamento onde mora, não cabem mais medalhas. O lutador viajou o mundo competindo: Potugal, Espanha, França, Alemanha, Holanda, Noruega, Itália, EUA, perde as contas.

– O Jiu-Jitsu é minha base. São os valores que passo para o meu filho. Me proporcionou conhecer o mundo e um sheik, dono de um país.

Não há dúvidas: a competição de Abu Dhabi está no topo dos títulos. Não só pela medalha de campeão mundial, não só pelo sheik, pelo passeio nos Emirados Árabes, pelos troféus.

No avião, com dois mil dólares na bagagem para o tratamento do pai e os aplausos de toda a tripulação, Sheid soube que era, de fato, um vencedor.

 

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4 Comentários

  1. Gabriela Virdes

    Dani, conheço muito bem essa história. Mas, sua sensibilidade é impressionante!
    Obrigada por contá-la da maneira mais linda possível!!! 🙂
    Grande beijo

  2. Joaquim

    Parabéns , que história linda e lendo deu saudade do tio toninho do seu jeito

  3. Angela Maria Perdigão Gomes

    Para nós , sua família de Maceió , sabemos do Caráter , da humildade, do homem de bem que é Sheid, rogo à Deus muitas bênçãos para ele, Gabi e seu filhinho Teo !

  4. Sol

    Me emocionei… Parabéns amigo!

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