Capelão no HC, padre Jô deixa a morte menos dolorosa

23 setembro 2019 | Histórias do Proac 2019/2020

Esta história foi narrada pela jornalista Daniela Penha. Para ouvi-la, é só clicar no play:

 

Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 25 de setembro de 2017

 

Dupla sertaneja, casamento completo, circo, Patati Patatá, a camisa do time assinada pelo jogador preferido, uma partida de Uno, um abraço.

Josirlei precisa estar atento para não deixar nada escapar. Entre um desabafo e outro, surgem os desejos.

Alguns exigem muitos telefonemas e uma maratona de dias para serem realizados. Outros, são simples. Mas pedem que o padre carregue no coração altas doses de sensibilidade.

Em muitos casos, são os últimos.

– Às vezes a gente entra na vida do outro como se entrasse em um campo minado. Para mim, não. É um campo neutro. É preciso saber ouvir, sem juízos ou achismos.

Há dez anos, Josirlei Aparecido da Silva, o padre Jô, é capelão no Hospital das Clínicas e outros hospitais de Ribeirão Preto.

Diz que o convite surgiu de surpresa.

– Comecei sem saber nada de capelania.

Hoje, dá novos sentidos ao vocabulário católico.

– O papel do capelão é inter-religioso. O hospital é um lugar neutro. Muitos rostos sofridos não querem ser doutrinados. Querem ser amados. Fui percebendo que tinha algo mais a ser oferecido.

Desde que entendeu o papel, ele passa os dias entre os corredores de um hospital e outro. Tem um número de whats app só para receber mensagens e pedidos de pacientes por orações, unções ou desabafos.

Com a equipe de cuidados paliativos do Hospital das Clínicas, auxilia pacientes com doenças incuráveis a viverem seus últimos dias. E, semana sim, outra também, ajuda na realização de últimos sonhos.

– Você não tira a esperança do paciente, mas não propõe uma falsa esperança. Se a pessoa está chegando ao limite da dor, você propõe um novo olhar, com a ideia de dar sentido ao que ela está vivenciando.

O padre, que acredita na vida eterna e que não nascemos para morrer, convive, todos os dias, com a morte. E tem a missão de deixá-la, senão bonita, menos dolorosa.

Padre Jô Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto - História do Dia

É terça-feira. Padre Jô visita os pacientes no Hospital das Clínicas e eu o acompanho.

Em duas horas e meia, ele passa por dezenas de leitos, cumprimenta os pacientes e, com três deles, permanece por mais tempo. São pessoas que já acompanha há semanas.

O homem teve a perna amputada por um câncer que já não tem cura. Diz ao padre que está angustiado, mostra-lhe as fotos dos filhos no celular da esposa, fecha os olhos para rezar de mãos dadas com Jô.

O dia a dia de hospital também é feito de esperança. No setor de transplante de medula, o padre abre um sorrisão quando a paciente conta que conseguiu um doador compatível. “Avise o dia certinho do transplante, que eu vou ficar em oração o tempo todo”, pede para a moça, que agradece.

No quarto ao lado, está “o menino bravo”, como as enfermeiras dizem. Tem entre 10 e 11 anos e enfrenta a leucemia. Só abre um sorriso quando o padre o desafia para uma partida de Uno. Jogam em três: Jô, o menino e o pai dele.

É o pai quem ganha em primeiro lugar, mas o menino faz o padre contar as cartas para ter certeza de que, pelo menos do sacerdote, havia ganhado a partida. Sorri mais uma vez e, então, para padre Jô pouco importa a derrota.

São incontáveis os abraços que ele distribui entre os funcionários. “Ah, padre! Graças a Deus o senhor chegou!”, a enfermeira desabafa sem se atentar para a literalidade.

– Os enfermeiros, os médicos, a equipe também são cuidados pelo capelão. Eles precisam estar bem para trabalhar.

Não só eles, como o próprio padre. A doença que atropela a vida é assunto penoso até para os sábios.

Jô sabe que é humano – e não finge outra coisa. Recentemente, superou a vergonha de sair por aí de bermuda e entrou na academia.

Faz terapia e pratica o riso como remédio. Diz que sofre e, como todos, precisa de ajuda.

– O padre também precisa ser amado, ser cuidado.

Também recentemente, decidiu desligar o celular de capelão às 21h.

Repõe as energias para religar logo o dia amanhece. E continuar o trabalho.

Padre Jô Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto - História do DiaPadre Jô reproduz a história que sempre ouviu sobre o próprio nascimento.

Dizia a mãe que faltou pouco para ele morrer no parto. Houve uma complicação e o médico já havia desistido.

– O médico disse que eu estava morto. Foi insistência da enfermeira que fez massagem e eu consegui respirar.

A morte já fazia morada em meio ao nascimento.

Foi criado um pouco por pai e mãe, outro tanto por avós e tios. Parte em Ituiutaba e outra em Ribeirão Preto, onde fez morada.

Com o pai, a relação era conturbada. Ele queria que o jovem entrasse para o exército. Mas, desde pequeno, Jô alimentava o encantamento pela igreja.

Jô estava prestes a se tornar padre quando o pai cometeu suicídio, em 1988.

Pensou em desistir do sacerdócio, com a justificativa de que precisava ajudar a mãe financeiramente.

– Um padre me perguntou: ‘Você está saindo por que sua felicidade está lá fora ou por questões financeiras”. Decidi continuar.

Fortaleceu sua fé na Catedral de Ribeirão, que começou a frequentar ainda moço, com o padre Gilberto Kasper como orientador.

Hoje, além de capelão, ele cuida da Paróquia Santa Tereza D´Ávila, no Jardim Recreio.

– Eu aprendi a dar sentido ao caos. “É na fraqueza que eu me faço forte”, é o que diz São Paulo.

Padre Jô Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto - História do DiaEm dez anos de hospital, padre Jô diz que chorou uma única vez, semanas atrás.

A paciente queria água, mas a recomendação médica era por jejum total.

– Eu me lembrei de Jesus na cruz, que pedia por água e lhe deram vinagre. Dessa vez, eu chorei. Das outras, eu engoli.

Para o padre, cada pessoa está envolta em amor.

– Três coisas norteiam meu trabalho: encontrar Jesus em todos, amar os outros como a mim mesmo, amar a todos independente de quem são.

Aos pacientes em estágio terminal, ele procura levar a fé. Mas uma fé sem amarras.

– A fé é a capacidade de acreditar que ainda tem coisas que são possíveis de fazer.

As palavras, assim, saem em diferentes formas.

– Se é um paciente católico, eu o ajudo a acreditar na vida eterna. Mas e se for um espírita? Tenho que dar a ele possibilidade de lidar com aquele momento com as coisas nas quais acredita. Agora, e se ele não acredita em Deus? Aí, falo do que está ao nosso alcance: a vida até o momento da morte.

Ele diz que os pacientes que não acreditam que existe algo depois da morte se preocupam em resolver pendências do agora:

– A última pessoa que eu quero ver, o último beijo que eu quero dar…

Os últimos desejos vêm de todo tipo de coração, porém.

Padre Jô guarda o vídeo do casamento celebrado no quarto do hospital, com noiva de vestidão, salgadinhos e bolo.

Guarda a lembrança do menininho que o fez mobilizar o mundo para trazer o Patati Patatá. Do outro que sonhava com a camiseta do time autografada.

– Os desejos não acabam enquanto a gente está vivo. Pode ser um fiozinho de vida, mas enquanto tem, há desejo.

Como padre, Jô tem a sua crença sobre a morte.

– A vida eterna é o paraíso, o lugar de Deus. Não há mais dor, não há tristeza, só amor.

Quando pergunto se é para lá que nós vamos, abre um sorriso, dá uma viradinha na cabeça como se quisesse me dizer: isso é pergunta que se faça?

– É para lá que eu quero ir!

E responde cheio da fé que guarda dentro de si.

A fé como capacidade de acreditar. E, acreditando, prosseguir.

*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/

 

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4 Comentários

  1. Yasmim Caroline

    Recentemente este maravilhoso ser humano que é padre jo celebrou uma missa na paróquia a qual frequênto e você consegue encherga a graça desta pessoa parabéns que Deus derrame muitas e muitas bençãos no senhor padre

  2. Silvana Aparecida Garcia Machado dos Santos

    Pe. Jo meu Deus que ser humano é esse , veio pra dar alegria e esperança pra que. Já perdeu td

  3. Marciam

    Que exemplo de humildade servir aquele irmão que precisa dar um pouco de esperança para um coração sofrido.Que Deus te abençoe e lhe dê forças para continuar.

  4. Rosaua Ciste Oliveira

    Há 14 anos Pe Joserlei deixou tudo o que estava fazendo para atender minha ligação implorando que fosse dar a unção dos enfermos para meu pai na UTI do hospital São Francisco pois o médico disse não haver mais esperanca…não demorou muito chegou e após a bênção ao meu pai ele foi solicitado por varios pacientes da UTI…saindo ele ne disse com esse sorriso lindo: “…Seu pai ajudou varias pessoas a chegar no céu …” suas palavras e seu sorriso me confortaram bastante na passagem do meu pai…obrigada Pe. Joserlei que Deus o abençoe e proteja sempre para poder iluminar o caminho de todos ?

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