Flávia acredita que um mundo melhor começa no nascimento

19 novembro 2019 | Gente que inspira

Vale a pena ler de novo: história publicada pela primeira vez em 2 de março de 2017. 

 

Flávia Maciel fez cinco anos de Medicina, residência em Ginecologia e Obstetrícia, cursos de especialização. Entendeu o parto – e a si mesma – quando se tornou mãe, porém.

A obstetra chegou a fazer 95% de cesáreas nas suas pacientes. Quando os papeis se inverteram, inverteu a rota. Soube ali, como gestante e não médica, que parir é, em primeiro lugar, coisa de corpo e alma.

Flávia agendou a cesárea no melhor dia para sua família. Seu bebê foi levado pelas enfermeiras mal deixou a barriga e só voltou quatro horas depois, já alimentado por complemento. Não quis mamar. E foi assim por longos dias. Tão longos que a fizeram concluir:

– Tudo está errado!

E iniciar uma busca pelo que, até então, parecia contraponto.

– A gente deixa a faculdade convencido de que está fazendo uma Medicina maravilhosa!

Depois de tantas cesáreas que perdeu as contas, Flávia diz, cheia de orgulho: foi a primeira obstetra a realizar um parto humanizado hospitalar em Ribeirão Preto, em 2013. Nesse mesmo ano, pariu seu segundo bebê em casa, ignorando a enxurrada de críticas dos amigos médicos.

Criou no Facebook o grupo “Geração Mãe”, que hoje tem mais de 25 mil mulheres, é empresa e instituto.

Acima de tudo, Flávia se reencontrou.

– Viver o parto foi transformador. É uma dor intensa, que te parte ao meio. E tem que partir. Não há como viver uma transformação sem sentir.

Em 2012, aos 35 anos e um diagnóstico de menopausa precoce, Flávia passou por tratamentos para tentar engravidar. Quando já estava cansada de esperar, o positivo veio e foi comemorado com festa, barriga crescendo, enxoval nos mínimos detalhes.

– Eu não me preparei para o parto, para a amamentação, para ser mãe. Na minha cabeça, com a informação médica eu já tinha tudo.

A gestação chegava ao final, o medo fez morada e agendar a cesárea parecia a solução fácil. Percebeu que estava enganada.

– Só trouxeram meu filho quatro horas depois do parto. Eu olhava para ele e pensava: Quem é essa pessoa? Um estranhamento… faltou um pedaço.

Depois da alta, mais dificuldade. Flávia achava que sabia amamentar. E, mais uma vez, o engano. Decidiu buscar ajuda, mas no hospital só havia despreparo.

– Eles me disseram: ‘Você não tem leite”. E deram uma mamadeira para o meu filho na minha frente. Ele mamou tudo, desesperado. Eu me senti culpada: ele estava com fome. Foi determinante para acabar com a minha amamentação.


 

O grupo “Geração Mãe” – que começou como “Gravidinhas e Mãezinhas” – já dava os primeiros passos quando Flávia ganhou seu primeiro filho. Começou com 17 amigas e foi crescendo.

Flávia buscava apoio nos relatos de outras mães. Viu uma delas comentando sobre o sling (carregador de bebê feito de pano) e achou interessante. Entrou no blog da moça que fabricava em Ribeirão e foi como se mergulhasse em um novo universo.

Enfermeira, ativista da humanização, ela acabara de ter um parto domiciliar e contava sua experiência na internet.

– De início eu pensei: ‘Quem é essa louca que tem um bebê em casa?’

Mas a cada nova leitura, mudava de ideia.

– Tudo o que ela escrevia mexeu demais comigo. Foi como se caísse uma cortina. É isso! Eu tinha perdido a conexão com meu filho!

Encomendou um sling, combinou de buscar na casa da moça e quando a porta se abriu não se contentou em pegar o pacote. Sentou no sofá e foi logo pedindo:

– Me conta seu parto?

Ali nascia um elo.

Flávia passou toda a licença maternidade estudando a humanização do parto. Participava de rodas de conversa, palestras, grupos, tudo o que falava sobre o tema.

Quando o bebê tinha um ano, se descobriu grávida de novo, sem qualquer tratamento ou expectativa. Para quem tem fé, como ela, um milagre.

– Eu decidi que, dessa vez, faria tudo diferente. Iria me preparar como mulher.

E assim foi.

Na gestação, atendeu seus três primeiros partos humanizados. Decidiu que a filha nasceria em casa, quando fosse a hora.

O trabalho de parto começou na madrugada e às 9h20 de 28 de dezembro de 2013 a pequena chegou. Na banheira, com toda a família reunida à sua espera e o amparo de duas enfermeiras obstétricas e uma doula (a moça que fabricava slings, é bom falar!).

– O parto é intenso, é arrebatador e o prêmio maior é quando o bebê nasce.

Enquanto Flávia vivia o parto, o Geração Mãe crescia e, com ele, a mobilização das mulheres pela humanização. O grupo se juntou a outros e, de repente, Ribeirão Preto reivindicava por um parto melhor.

– Foi uma crescente! Parece que o movimento floresceu de uma vez!

Para Flávia, a mobilização trouxe mudanças no cenário da obstetrícia local. Criação de salas de parto humanizado nos hospitais, avanço no plano de parto, crescimento no número de profissionais engajados em atender de maneira humana são algumas das conquistas, na opinião da médica.

Flávia frisa: não é, de forma alguma, contra cesáreas. Utiliza a cirurgia, quando ela é necessária.

– A modernidade trouxe avanços. O excesso não é benéfico.

Sabe que ainda há um longo caminho pela frente.

O Brasil segue como país recordista em cesáreas e as medidas de incentivo a humanização do Ministério da Saúde vêm devagar. O parto humanizado, em grande parte dos casos, ainda é para quem pode pagar.

– Só com o interesse das mulheres vamos conseguir mudar. E para ter interesse, é preciso ter informação. Despertar!

O grupo Geração Mãe tem hoje mais de 25 mil mulheres e se estende a portal informativo, clube de vantagens e empresa.

No final do ano passado, Flávia inaugurou o Instituo Geração Mãe, onde oferece atendimento multidisciplinar à gestante e ao bebê. Como o serviço é particular, organiza palestras, eventos, rodas de conversas, cursos gratuitos para que a informação possa chegar a todo lado.

Para o futuro? Quer continuar no caminho que escolheu – com tanto esforço – seguir.

– Hoje eu acho que tenho uma missão, que é resgatar o parto natural que a gente esqueceu.  Um mundo melhor começa no nascimento.

 

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