Na modalidade vida, Carlos já nasceu campeão

20 novembro 2017 | Gente que inspira

 

Carlos, que aprendeu de pequeno a não desistir, me conta que, nas últimas semanas, entregou alguns pontos.

– A vida é difícil, tudo bem. Mas não sei por que é tão difícil…

Ele foi campeão nacional de halterofilismo paralímpico duas vezes e ganhou um campeonato regional – entre 2005 e 2007.  Depois de uma lesão, veio para Ribeirão em busca de uma cirurgia que lhe deixasse voltar a competir.

Diz agora, aos 28 anos, que não vai mais buscar o esporte.

As necessidades financeiras falam mais alto. E, então, substituiu um sonho sonhado a um, desde a infância, por outro, sonhado a dois.

Hoje, com seu namorado, sonha em ter a casa própria, sair do aluguel e conseguir, então, custear os estudos do companheiro e uma vida melhor para a família que querem formar.

– Foi tanta dificuldade, tanta coisa que eu passei pelo esporte que eu perdi aquele brilho nos olhos que eu tinha quando treinava e competia.

Carlos campeão de halterofilismo paralimpico Ribeirão Preto - História do Dia

Quem passa pelo Calçadão de Ribeirão Preto, pela área central ou pela avenida da Saudade com frequência já viu Carlos vendendo doces em sua cadeira de rodas.

Por quase três anos, ele ficou na rua São Sebastião. Há alguns meses atrás decidiu ampliar a área porque a crise diminuiu até mesmo a venda de balas.

Carlos, então, sai com sua cadeira do Campos Elíseos e segue até o Centro, passando pela avenida da Saudade e pelos obstáculos sem fim que as ruas de Ribeirão Preto oferecem para pessoas com deficiência.

Seu namorado trabalha nos semáforos, vendendo água. A forma que encontram para saldar as dívidas do mês, que não se bastam pelo salário mínimo que Carlos recebe do governo.

Todos os dias, animado ou não, ele recepciona quem passa com um sorrisão no rosto. Fala “bom dia”, mesmo que, muitas vezes, não receba nada em troca.

– A vida? Eu defino como amor. Mas é o que as pessoas estão se esquecendo.

Mesmo substituindo um sonho pelo outro, continua. Entregou alguns pontos de um total grande o suficiente para lhe fazer prosseguir.

 

Carlos começou a vender balas aos três anos, para ajudar em casa. Na época, não precisava das rodas da cadeira. Eram as perninhas que iam e vinham sem cansar.

Cinco irmãos, mãe e pai morando em Uberlândia e trabalhando em equipe, sem hora para começar.

Quando ele tinha nove anos, o pai colocou um filho na garupa da moto e Carlos de improviso no tanque. O carro furou o pare e o menino só acordou três meses depois.

O pai abandonou Carlos, a mãe e os quatro irmãos logo após o acidente.

O menino ficou um ano e meio internado, aprendendo a conviver com o novo corpo. As pernas não mais respondiam.

– Não me imagino melhor. As oportunidades que Deus me deu foram as melhores. Sou grato. Aprendi a viver.

O discurso é de vitória mesmo se o pódio é triste.

Quando deixou o hospital, de cadeira de rodas, ele voltou a vender balas.

Mas a vida preparava mais.

Carlos campeão de halterofilismo paralimpico Ribeirão Preto - História do Dia

Um instituto ofereceu bolsas para pessoas com deficiência que quisessem jogar basquete e lá foi Carlos. Gostou tanto que passou para o halterofilismo e decidiu ser atleta.

Escolheu o esporte como sonho.

Em pouco tempo, era campeão no halterofilismo paralímpico. O treinador Wéverton Santos, que criou o CDDU (Clube Desportivo para Deficientes de Uberlândia), conta que não tinha dúvidas do potencial do menino:

– Ele só parou porque teve um problema.

Caiu da cama e lesionou de novo a coluna. Era preciso cirurgia para resolver e, então, ele decidiu buscar tratamento no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, três anos atrás.

A cirurgia foi feita em agosto do ano passado, com sucesso.

Carlos até voltou a treinar, mas as contas foram ficando apertadas e pagar a academia deixou de ser prioridade. Foi convidado para voltar a competir, mas não teve patrocínio para a viagem.

– Agora, o foco é juntar dinheiro para comprar uma casa. Não vejo possibilidade de mudar de vida pagando aluguel.

Decidiu, depois de tanto tentar, mudar o sonho.

 

Carlos campeão nacional de harlerofilismo paralímpico

Todos os dias, Carlos acorda por volta das 6h e às 7h30 está na rua vendendo doces. O namorado acompanha o ritmo, vendendo água.

Carlos diz que antes, quando as finanças iam bem, tiravam R$ 100, R$ 120 por dia.

– Agora, tem dias que não conseguimos nem R$ 50.

Em casa, as tarefas são divididas. Carlos, que saiu de casa aos 16 anos para morar sozinho, faz comida, lava, passa: é independente.

Está feliz porque a mãe e os irmãos deixaram Uberlândia para também morar em Ribeirão, eliminando a saudade.

Na casa onde vive com o namorado, fotos do casal e da família estão coladas pela parede. Eles querem, um dia, casar com festa e formalidade.

Por ora, o sonho da casa própria está tão distante quanto o esporte.

– Tem que ter fé em Deus. Acreditar, acima de tudo. Sempre vai ter um dia melhor que outro.

Ainda quando diz que entregou alguns pontos, Carlos é discurso de persistência.

– Odeio olhares de dó. Quero que as pessoas me vejam como alguém que luta, trabalha e sempre quis viver do jeito que é.

E continua, substituindo um sonho pelo outro e vencendo os campeonatos do dia-a-dia. Nessa modalidade, ele já nasceu campeão.

 

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3 Comentários

  1. Carlos Roberto Silva Miranda

    Não sei nem o que falar, é muito gratificante ver que alguém se importa que alguém nota o pouco que a gente faz…
    E ver a minha história contada por uma pessoa tão especial acima de tudo humana me faz querer ainda mais alcançar os meus objetivos ! Obrigado Daniela Penha por tanto carinho afeto e atenção.

  2. Joel Ludovico

    Parabéns Carlos !

  3. ADEMAR

    Parabéns pela História de Vida!

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