Promotor do Júri, Nicolino argumenta por justiça

23 outubro 2018 | Gente que inspira

Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 2 de outubro de 2017! 

 

Marcus Túlio Nicolino perde o sono, leva ansiedade para casa, passa dias sem conseguir desligar a cabeça do caso de grande repercussão.

A caminhada e a corrida, ele diz, são as poucas atividades que encontram brecha na rotina de Ministério Público, que soma nove horas de trabalho ao dia, entre um Tribunal do Júri semanal e sete mil processos de execução sob sua atribuição.

– A sociedade cobra a imagem de um promotor de Justiça. Nós cobramos das pessoas atitudes corretas e não podemos dar exemplos negativos.

A justiça é feita todos os dias. Uma vez por semana, ela exige protocolos e retórica bem ensaiada. Como promotor do Tribunal do Júri, a missão é convencer os jurados de que o réu é culpado e deve pagar pelo crime que cometeu.

– A área do júri é a vitrine do Ministério Público. Muito embora traga muitos dividendos para o MP, traz muito desgaste para o promotor, que tem que se preparar antes e depois.

Tribunal do Júri, instituído no Brasil desde 1822 e previsto na Constituição Federal, é responsável por julgar crimes dolosos contra a vida. Os jurados são pessoas da sociedade civil sorteadas para decidir se houve ou não crime e se o réu é culpado ou inocente.

Cabe ao promotor defender sua tese. E é preciso convicção em cada detalhe.

– No júri, o debate é oral. É preciso estar preparado para os problemas que surgem, situações que a própria defesa apresenta. Você não tem tempo de elaborar a resposta. Tem que dar a resposta naquele momento. É preciso ter certeza.

Um dos últimos juris de repercussão que Nicolino atuou durou dois dias e acabou com a condenação do ex-investigador de polícia Ricardo José Guimarães a 72 anos de prisão pela morte de dois adolescentes, 21 anos atrás.

– O caso Guimarães foi emblemático. Não tínhamos ainda nenhuma condenação de policiais que participaram do grupo de extermínio que atuou entre 95 e 2003. Tivemos uma onda de assassinatos em Ribeirão.

Foi um dos – muitos – casos que levou o sono do promotor por dias a fio.

Há duas semanas, a Justiça decidiu que Guilherme Longo e Natália Ponte, acusados pela morte do menino Joaquim, vão a júri popular.

O caso é o que mais marcou a carreira de 27 anos do promotor.

Aconteceu em 2013, quando Nicolino acabara de chegar ao MP de Ribeirão Preto para atuar na Vara de Execuções Penais, em forma de “boas-vindas” ao revés.

 –  O promotor do júri é um vocacionado. Não adianta colocar uma pessoa que não gosta dessa área, que o trabalho não vai ser a contento e quem perde é a sociedade.

Marcus Túlio Nicolino promotor de Justiça de Ribeirão Preto - História do Dia

Aos 24 anos, Nicolino passou no concurso para o Ministério Público. Saiu da faculdade direto para a promotoria, sem sequer prestar o exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

A vontade de atuar no judiciário já era de tempos. O pai, que foi delegado por mais de 40 anos, é quem deu o exemplo.

A família morava em Bebedouro, cidade onde Nicolino viveu até a adolescência, antes de vir para Ribeirão.

No final da década de 80, ele entrou na faculdade de Direito pensando em seguir os passos do pai. Mudou de ideia no terceiro ano, fazendo estágio na Procuradoria de Assistência Judiciária.

– Nós tínhamos autonomia: elaborávamos as peças, fazíamos audiências.

Deixou a faculdade encantado pelo Ministério Público. Se formou em 88, prestou concurso em 89 e assumiu em 90, aos 24 anos, ignorando um ou outro olhar torto que surgiu pela tão pouca idade. A acolhida foi mais representativa.

– Lembro que nós (promotores recém aprovados no concurso) tivemos muito pouco tempo para nos adaptarmos à função. Contamos com a orientação dos colegas mais velhos.

A primeira comarca onde trabalhou foi a de Franca. Depois passou por outras cidades da região como Rio Pardo, Pitangueiras, Monte Azul Paulista, onde ficou por nove anos, e Bebedouro, onde atuou por mais 13.

Assumiu a Execução Penal de Ribeirão Preto em 2013. Encontrou aqui, na área que é vitrine, mas que demanda total entrega, a realização.

 – Me sinto plenamente realizado. Eu acredito que o júri é minha melhor forma de contribuir com o MP e com a sociedade.

Os sofás e mesas da sua sala estavam abarrotados de processos empilhados no dia da entrevista. Como é possível dar conta de sete mil processos? Foi a pergunta que saiu da surpresa com tão alto número.

– Tem que dar conta do recado. Minha rotina de trabalho é entrar as nove e sair às 19h todos os dias. É difícil ter tempo para outra atividade.

Marcus Túlio Nicolino promotor de Justiça de Ribeirão Preto - História do Dia

Nicolino acredita em Deus. Pela fé, simplesmente. Mas também por necessidade.

– A gente precisa dessa fé porque parece que, às vezes, as coisas estão perdidas. E vem o desânimo. Acreditando em Deus, há uma força para prosseguir. Lido com morte, morte, morte. Sofrimento tanto dos familiares da vítima, quanto do réu. Não é fácil ver um filho ir para a cadeia…

Vez que outra, entra em conflito com Ele. Tribunal do Júri é espaço de crimes graves e penas, quase sempre, muito altas.

– Quem pega 40, 60, 70 anos de cadeia dificilmente vai sair. Você praticamente está sentenciando a pessoa à morte. Isso é uma contradição que eu vivo: acreditar em Deus e querer usurpar essa função Dele.

Não sente culpa, porém. A mesma convicção que usa para defender sua tese diante do júri é a que leva para casa, quando coloca a cabeça no travesseiro.

 – É o compromisso de servir a sociedade. Estar cumprindo minha função com idoneidade, transparência, honestidade.

O medo é outro sentimento que não encontra portas abertas na sua mente.

– O primeiro atributo que o promotor tem que ter é coragem. E, por ter coragem, eu me blindo de não sentir medo.

Diz que nunca recebeu ameaças diretas, mas as indiretas ocorrem com certa frequência. Por não sentir medo, não limita sua atuação. Mas, no dia-a-dia, o cuidado tem que ser redobrado.

Ele defende que a vida do promotor pode ter normalidade. Seu relato mostra que há sempre algo a zelar.

O principal desafio da promotoria hoje, Nicolino afirma, não é nem o número imenso de processos. O inquérito policial ocupa o primeiro lugar na lista.

– A Polícia Civil está desmotivada, sucateada, envelhecida, defasada e isso repercute no inquérito criminal, que é o instrumento que a polícia tem para apurar os crimes. E esse instrumento, não sendo utilizado de maneira eficiente, vai repercutir no trabalho do promotor de Justiça. Muitas vezes, é necessário refazer o trabalho do inquérito.

Para o promotor, o Brasil está caminhando. Rotula a Lava Jato, em âmbito nacional, e a Sevandija, em local, como grandes operações de combate à corrupção e, com discurso otimista, acredita.

– Eu estou vendo a justiça funcionando, tanto MP quando judiciário. Eu acho que são as únicas instituições que estão dando respostas pontuais para a sociedade. Nunca tivemos no país pessoas com esse poder presas. Estamos passando o país a limpo e, passando o país a limpo, tem-se a impressão de que tudo está perdido. Mas não. Não estamos perdidos.

Para o futuro, quer continuar trabalhando. Ver Guilherme e Natália condenados, apesar de já esperar a condenação para daqui dois ou três anos, “sendo otimista”, em suas palavras.

Dos três filhos, nenhum demonstrou, ainda, vontade de seguir o Direito. Para o promotor, não há problemas. Quer que seus meninos façam aquilo que traz felicidade. Como ele escolheu fazer, lá atrás.

Entre toda a tragédia, Nicolino sente que está fazendo a sua parte.

Quando pergunto se o seu pai, que tem 91 anos e acompanha tudo de perto, tem orgulho, o promotor abre um sorrisão.

– Acho que tem, sim. Toda essa história foi motivada por ele.

 

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