Nos quatro anos em que morou na rua, Adilson teve dois companheiros inseparáveis: o corote de pinga e o carinho de Branca.
Da cachorra vira-lata veio o latido amigo que ajudou a mudar.
A bebida ficou no passado. Branca permanece.
Adilson dos Reis Bernardes, 51 anos, não sabe dizer ao certo quando começou a beber e a usar outras drogas.
Aos 19 anos já consumia drogas injetáveis e, pouco depois, foi diagnosticado com o vírus HIV.
Decidiu fazer o exame quando Cazuza morreu e Adilson se deu conta de que seus amigos também estavam morrendo.
O vício era tão forte, porém, que ele preferiu esperar o fim.
– Eu pensava: ‘Vou morrer mesmo’. Mas todo mundo foi morrendo e eu fui ficando.
Conta que a vida foi se dando entre altos e baixos. Passava um tempo bem e logo recaía.
Nos tempos bons teve filhos, trabalhou muito e de tudo quanto foi coisa: pintor, açougueiro, garçom, indústria farmacêutica.
Nos tempos ruins, se afogava mais e mais nas drogas e, depois, começava a luta para sair.
A última internação foi antes de morar na rua.
Passou alguns meses em uma clínica de Sertãozinho. No mesmo dia em que saiu, teve uma recaída, porém.
– Eu encontrei uma mulher com quem eu saía. Ela estava usando e eu acabei recaindo.
Passou quatro anos morando na rua, entre marquises, praças e canteiros do calçadão de Ribeiro Preto.
Conheceu Branca perto da praça da igreja Santo Antônio, nos Campos Elíseos. Adilson dormia por ali e a cachorra foi se aconchegando.
Conta que Branca era de um homem, também morador de rua, que já morreu. Estima que a cachorra tem entre 12 e 13 anos.
– Eu cativei ela e ela me cativou.
Os dois se tornaram inseparáveis.
Onde Adilson ia, Branca estava. A união, inclusive, estampou as páginas do Jornal A Cidade em abril de 2015, com reportagem do jornalista Sidney Quartier.
Branca era mimada pelos comerciantes do Calçadão e Adilson não deixava faltar nada para a cachorra. Toda a comida que tinha, dividia com a companheira.
Chegava a tomar cinco corotes de pinga por dia e, nas vezes em que passou mal, percebeu o quanto Branca sofria.
– Seu eu bebesse e caísse no chão, ninguém conseguia chegar perto de mim. Se chegasse um resgate, ela não deixava me levar. Chegou a ir na ambulância uma vez.
Conta que teve uma convulsão no bairro Heitor Rigon, acompanhado de Branca. Desmaiou e acordou já no hospital.
– Todo mundo dizia que ela não ia mais aparecer. Quando eu saí do hospital, ela estava me esperando na praça do Santo Antônio.
Branca foi o empurrão para Adilson deixar de beber.
– Parece que ela pedia para eu parar quando olhava para mim. Ela me deu força.
A saúde foi o determinante. Ele conta que passou mal e chegou a ficar 18 dias internado. Se voltasse a beber, as chances de morrer eram grandes.
– É coisa de Deus. Eu sinto que não era a minha hora. Eu deixei o hospital e não senti mais vontade de beber.
Mais uma vez, Branca estava a sua espera.
Há dois anos sem bebida, Adilson é nova vida. Mora em uma pensão, faz exercícios três vezes por semana, cuida da alimentação e ajuda moradores em situação de rua.
– Sair disso, para a maioria, é praticamente impossível. Não era mesmo minha hora.
Branca continua sua companheira.
– Ela olha para mim e sabe como eu tô, o que eu tô sentindo.
Depois de tantos anos nas ruas, a cachorra tem dificuldades em se acostumar com o quarto da pensão.
Vez e outra, volta para a praça da igreja Santo Antônio (que é bem próxima à pensão) e dorme abraçada com algum morador do local.
Adilson entende que é preciso respeitar.
– Ela tem o espaço dela.
Sabe que, no máximo ao amanhecer, a companheira está de volta.
Os dois ainda fazem a pé o percurso da praça Santo Antônio até o Calçadão.
Adilson leva água e divide com Branca. Quando chegam, sentam no banco e ficam observando o vai e vem de gente por ali.
Quando Adilson faz carinho na cabeça da cachorra, ela fecha os olhinhos de satisfação.
Se o companheiro levanta do banco, Branca, mais que depressa, o acompanha.
– É um amor de verdade… Não tem explicação!
Os dois seguem junto. Para casa, dessa vez.
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