Vale a pena ler de novo: Gisele e a Cia Minaz, uma história de arte e amor

15 novembro 2017 | Parte da gente

Do começo da Deolinda já se vê a faixada do teatro. São só duas quadras de rua que parecem existir para desembocar no prédio altivo, casa de tanta cultura.

A beleza de hoje apaga o abandono de outrora. O espaço onde funcionou o antigo Cine Cairo foi igreja, sala de aula, depósito de materiais de construção e acabou fechado, sem qualquer utilidade.

Há cerca de 20 anos, é a casa do Teatro Minaz e de 600 pessoas que participam anualmente dos projetos culturais no espaço. São crianças, adolescentes e adultos que aprendem – ou aperfeiçoam – o canto coral, a música erudita e popular.

Muitos saem dali para a faculdade de música, recitais, grupos musicais mundo afora. Alguns, continuam na casa como professores, funcionários, integrantes da equipe que é quase 100% formada por ex-alunos.

O Minaz, os fundadores contam orgulhosos, é a única companhia de ópera em cidade do interior.

Difícil acreditar que tudo isso começou pequenino, como revista cultural lá em 1983.

Gisele Ganade, maestrina e fundadora do Minaz junto com o marido Ivo Rinhel D’Acol, é quem conta essa trajetória. A história da fundadora se mistura à da companhia em um nó que não se desfaz.

– Eu não sei existir sem arte e música. É físico: está em mim. Não faz parte da minha vida. É a minha vida.

Gisele cresceu em uma família cultural. O pai e o tio eram músicos. A mãe e a tia foram convidadas para cantar no rádio. Nenhum dos quatro seguiu pela arte por barreiras da época. A música não era considerada emprego.

Nas festas, porém, não faltava violão. E na infância de Gisele não faltaram as leituras que a mãe fazia.

– Eu tenho a impressão de que a arte sempre fez parte de mim.

A Gisele menina imitava as cantoras do rádio e dizia, desde aí, que seguiria pelo caminho artístico.

A família continuava insistindo que música não era profissão. Mas a insistência da menina foi maior.

Chegou a fazer curso de Publicidade. No segundo ano, fez estágio em uma gravadora e, de tanto acompanhar as gravações, foi chamada para substituir a cantora que tinha faltado.

Não havia como fugir da música. E nem era essa a vontade de Gisele.

Quando Gisele e Ivo lançaram em Ribeirão a produtora de arte e a revista Minaz, em 1983, já eram namorados. Ela tinha 21 anos e ele 26.

Em 1985, mudaram para Campinas. Ela para cursar a tão sonhada música na Unicamp e ele para estudar Publicidade na PUC. Casaram em 86 e em 88 tiveram o primeiro de três filhos.

A história artística seguiu de mãos dadas à trajetória da família.

Em Campinas, o casal abriu uma gráfica. Gisele cantava em coral e sentia que era preciso levar a música lírica para o interior.

– Mesmo em Campinas não tinha. Era preciso buscar em São Paulo.

Lançaram a Cia Minaz em agosto 1990 e apresentaram o primeiro espetáculo – Ópera Bufa “La Serva Padrona”, de Pergolesi – no Teatro Municipal de Ribeirão Preto.

Em dezembro do mesmo ano, viajaram o interior com o espetáculo “A Flauta Mágica”, que conquistou incentivo governamental e abriu portas para a companhia.

Gisele e Ivo perceberam que grande parte dos artistas que atuavam nos espetáculos era de Ribeirão Preto. Na época, a reforma do Teatro Pedro II chegava ao fim. Era o palco perfeito.

Fincaram raízes em terras ribeirão-pretanas em 1992, e não mais saíram.

 

O Coral Minaz começou dentro da Oficina Cândido Portinari. Foram oferecidas 12 vagas e o espaço para os ensaios. Receberam 60 inscrições, porém.

Gisele não gosta de deixar gente com vontade longe da música. Ainda hoje é assim. Procura abraçar os interessados que procuram o Minaz.

Em junho de 92, aceitou as 60 inscrições e incluiu um coro final na apresentação.

Depois, conseguiram um espaço maior para ensaiar, junto a artistas plásticos em um barracão da avenida Portugal.

Construíram ali, com cadeiras de ferro desmontáveis e ripas de madeira, o primeiro auditório da companhia.

Para manter família e arte, Gisele e Ivo se desdobravam. Ela regia todos os espetáculos, dava aulas, fazia apresentações. Ele sempre trabalhou na produção. Juntos, foram encontrando pessoas e organizações dispostas a abraçar a causa.

Quando instalaram a companhia no prédio da rua Deolinda, comemoram a sede própria, mas continuaram no improviso. Limparam o barracão e começaram os trabalhos.

O teatro – pomposo, com 260 lugares e toda estrutura – só foi lançado em 2009, depois de muito planejamento.

– A música era um sonho quando eu era adolescente. Depois que cresci, se tornou um projeto. Tem que pôr no papel para virar realidade.

Para Gisele e Ivo, o que faz o Minaz sobreviver a toda crise é gerenciamento.

Os incentivos e editais públicos é que possibilitaram – e possibilitam – a transformação do teatro, grande parte dos espetáculos e atividades oferecidas.

Além disso, o Minaz conta com patrocínios. Alguns deles, fieis há mais de 10 anos.

– Nós administramos como uma empresa. É preciso organização.

É Ivo quem diz.

 

A lista de atividades oferecidas hoje pelo Minaz vai do coral lírico ao coral popular, passando por workshops e oficinas.

Para participar do coral, o pagamento mensal é de R$ 40, mas ninguém fica sem estudar por falta de dinheiro. Gisele explica que a companhia oferece bolsas aos interessados.

A maioria dos alunos é criança, dando força ao que ela acredita.

 – As crianças são a esperança. Se elas têm o hábito da cultura, a gente consegue transformar o futuro.

No início do ano, a companhia abre inscrições para seus novos cantores. Nesse ano, a contragosto de Gisele, alguns inscritos ficaram de fora. O espaço não é suficiente para atender as 600 inscrições.

Bem por isso, a companhia tem planos. Em oito anos, Gisele quer ver inaugurado um teatro com 800 lugares e mais espaço para aulas.

– A proposta da companhia sempre foi criar profissionais e público.

 

Hoje, Gisele – com tanta arte a gerenciar – já não rege todos os espetáculos. Mas faz questão de continuar em alguns. Cantando, regendo ou tocando: é impossível parar.

Os três filhos – criados entre as coxias e apresentações – são o alicerce. Dois são músicos e um administrador. Os três atuam na companhia e, a mãe prevê, vão dar continuidade ao trabalho começado há três décadas.

– A família é um organismo. A gente pensa juntos e cada um tem sua função, para conseguir o resultado.

O Minaz é o sonho de Gisele, realizado em projeto.

Quer continuar projetando, sonhando, fazendo o que acredita.

– A expressão artística simboliza o ser humano. Aqui, eu posso ver a transformação na vida das pessoas. A realização de oferecer esse espaço para as pessoas é muito grande.

Do começo da rua Deolinda se vê a fachada do altivo teatro. São só duas quadras, que desembocam num longo – e infindo – caminho de cultura.

A beleza de hoje faz parecer que o Minaz sempre esteve ali. E estará.

 

Crédito das imagens:

A foto de Gisele como destaque e abertura do texto é de Claudio Frateschi. 

As demais fotos são de Claudio FrateschiRafaella Ruzzene e arquivo pessoal do teatro.

 

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