Em memória: No Calçadão, Márcia aposta na persistência

18 agosto 2017 | Gente que inspira

Esta história foi publicada pela primeira vez no dia 15 de fevereiro de 2017. Dona Márcia faleceu em 22 de junho de 2019. Este texto é nossa singela homenagem a sua história de garra e luta. 

 

Desde que começou a vender jogos de loteria, há nove anos, Márcia aposta toda semana. Nunca foi premiada, mas não desiste.

Assim como não desistiu quando perdeu uma perna sem sobreavisos. No jogo da vida, ela coleciona vitórias.

– Eu vou ganhar. Espero o dia em que vai ser a minha vez. Desistir nunca!

Quem passa pelo Calçadão de Ribeirão Preto já viu Márcia Araújo por ali.

Todos os dias, há quase uma década, a rotina é a mesma. Colar de pérolas no pescoço, pulseiras nos braços, anéis nos dedos e sorriso no rosto.

Pega o ônibus que leva uma hora para chegar ao Centro, para em frente à praça XV de Novembro e passa o dia vendendo.

A priori vende o Hipersaúde (título de capitalização). Mas leva sempre uma sacolinha cheia de lencinhos, sapatinhos e outros mimos que confecciona em crochê com duplo objetivo: fazer o dia passar mais rápido e complementar a renda.

Admite, entretanto, que difícil é sobrar tempo. Em uma hora e meia de entrevista, sete pessoas pararam ao lado de Márcia. Duas compraram títulos e as outras só papearam.

– Muitos vêm comprar, mas muitos vêm só conversar. E eu escuto a vida de cada um. É gratificante.

Quando começou as vendas, Márcia, com 49 anos, podia andar para lá e para cá e complementava a renda da família passando roupa.

– Mas aí, veio essa fatalidade que a vida me pregou.

Diabética, tinha bolhas que nunca cicatrizavam no pé.

Em uma tarde de 2012, depois de um dia de trabalho, caiu um temporal sobre o Centro de Ribeirão e ela teve que enfrentar a enxurrada. Conta que, depois disso, as bolhas infeccionaram e a ferida nunca sarou.

No dia em que amputou o dedinho do pé, Márcia diz que foi ao Calçadão trabalhar.

– Eu me sinto mais feliz aqui do que em casa. Em casa, eu caio em depressão.

Semanas após, com dores insuportáveis, precisou amputar a perna. Ainda aprendendo a usar a cadeira de rodas, cinco dias depois, ela já estava vendendo.

– A dor persistia no invisível. Era como se a minha perna ainda estivesse ali.

Márcia estaciona a cadeira de rodas no Calçadão e os clientes já sabem onde encontrá-la. Vende, em média, 100 carnês por semana, a R$ 10 cada. Fica com 10%, o que faz as contas serem sempre apertadas.

Em nove anos, 19 pessoas foram premiadas com títulos comprados pelas suas mãos.

Ela relembra a história do prêmio que foi quase seu.

Paquerava os números da primeira folha. Decidiu que ficaria com o jogo, quando um homem se aproximou. “Eu quero esse”. Márcia entregou o bilhete premiado. O sortudo ganhou uma moto.

– Ele tirou a minha vez! Mas, então, não era para ser minha.

Quer ganhar. Mas, mais que tudo, aos 58 anos, Márcia quer um emprego com salário certo. Não por gostar pouco do Calçadão, do vai e vem de gente, dos tantos amigos que faz por ali. Mas pela necessidade, que há nove anos continua a mesma.

– Atendente, telefonista, tem muita coisa que a gente pode fazer.

Enquanto posa para a foto, vai cantarolando uma música que é das suas preferidas.

– É preciso saber viver… É preciso saber viver!

Passa a sua mensagem.

 

Assine História do Dia por R$ 13 ao mês. Nos ajude a continuar contando histórias!

Compartilhe esta história

1 Comentário

  1. Roseni Fontes

    Cada um tem sua historia nesse mundo…umas mais dolorida,s outras menos, enfim: sabemos ,então, que estamos de passagem nesse mundo.

Outras histórias