Wellington é o Michael Jackson de Ribeirão

6 agosto 2019 | Histórias do Proac 2019/2020

Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 31 de março de 2017!

 

Esta história foi narrada pelo jornalista e músico Regis Martins. Clique no play para ouvi-la: 

 

Wellington coloca a mochila no chão, posiciona o cofrinho de madeira à frente e veste o casaco de paetês pretos.

– Boa tarde, pessoal! Eu vou me apresentar para vocês! Vamos lá!

Aperta o play do som azul portátil, comprado em suaves prestações, e começa o espetáculo. A céu aberto, sem efeitos, sob os olhares curiosos de quem passa pelo Calçadão: eis o Michael Jackson de Ribeirão Preto.

O artista vai de um lado a outro no Moonwalk, rodopia e para nas pontas dos pés, mexe os braços, as mãos, o pescoço, faz caras e bocas: tudo de si está em movimento.

Quando a primeira música termina, está rodeado de gente e celulares.

Se o aplauso vem, agradece e começa a segunda dança com dose reforçada de ânimo.

Wellington da Silvia Virgílio, 28 anos, começou a dançar na infância, trancado no quarto, imitando o Michael da TV. Há dois anos, largou o emprego e foi em busca do sonho.

– Hoje eu posso dizer que sou o Michael Jackson oficial de Ribeirão.

Longe dos palcos norte-americanos, conquista seu espaço no vai-e-vem das ruas.

Wellington nasceu em São e Paulo e cresceu na periferia de Ribeirão Preto. Começou a trabalhar aos 10 anos, como servente de pedreiro, e não reclama.

– Foi melhor. Me afastou de coisas ruins e me fortaleceu.

Conheceu o Michael Jackson porque a mãe gostava. E se encantou.

– A gente ouvia tanto, assistia tantos DVDs , que ele parecia de casa, sabe?

Começou a dançar escondido no quarto, mas logo estava se apresentando. Participou de grupos de hip hop e sempre encontrava um jeito de dançar.

– Eu desmontei minha bicicleta inteira. Vendia as peças e comprava o ingresso para o baile. Era o Salão Black, foi muito famoso em Ribeirão.

A dança, porém, era plano B entre o rock pesado das contas a pagar.

Wellington dançava quando não estava trabalhando. E trabalhou muito: pedreiro, vendedor em um tantão de lojas, criador e amansador de cavalos.

– Até que um dia eu parei e falei: chega! Vou fazer o que eu gosto.

Não sabia por onde começar.

Dançava em alguns bares, sem figurino, mas já com os passos do Michael. E decidiu que a rua seria seu palco. Calçadão, rodoviária, porta de faculdades: se tem gente, é lugar.

– No começo, eu só tinha um pen drive com “Billie Jean”. As lojas tocavam nas caixas para mim e eu dançava isso o dia todo. Não sabia nem me maquiar. Só passava um branco no rosto.

Dia a dia, foi aprendendo.

Hoje, tem quatro figurinos, seu rádio próprio, carinho de quem passa, bolsa em escola de ballet. Quer aprender inglês para falar com os turistas.

– Eles adoram! Mas eu não consigo falar nada! Só fico rindo!

Quando a caixinha e os eventos que faz não pagam as contas, produz imãs de biscuit e vende por aí.

– Tem gente que chora, me abraça, traz presentes. Eu só agradeço ao povo de Ribeirão.

Só não gosta de falar da morte do astro. Fica irritado, cabisbaixo, muda o assunto.

– É como perder um parente, sabe? É assim…

O maior sonho de Wellington é passar na televisão, em rede nacional. O programa do Ratinho é foco principal.

– Eu já fiz loucura por isso. Quer escrever aí?

Conta que foi para São Paulo repetidas vezes e fez vigília na porta das emissoras. Não conseguiu o que queria, mas fez contatos e amigos.

E continua sonhando.

– Não quero ser o primeiro. Isso, só o Michael mesmo. Ele era único.

Aprende os passos em DVDs e no Youtube. Manda fazer suas roupas – sempre em suaves prestações. Sonha um dia ter os 30 figurinos principais do astro.

– Cada pessoa tem sua visão do Michael. Elas sabem se eu uso uma roupa que não é a da música. Eu tento ser o mais parecido possível.

No final do ano, época de movimento no Calçadão, chega a dançar oito horas por dia. Prepara o físico com corrida e o emocional com amor pelo que faz.

– Eu gosto da rua. Aqui, acontece de tudo.

Já tomou soco enquanto dançava, já teve dinheiro roubado e já parou a apresentação porque alguém colocou um cigarro aceso dentro da caixinha.

Coleciona, aliás, outras tantas coisas que vão parar ali: santinhos, moedas antigas, dinheiro falso, chiclete.

– Aqui é o meu teste. Eu dou a cara para bater. Não é fácil conquistar quem está passando. Eu recebo as verdadeiras críticas.

Diz que é impossível escolher uma música preferida, mas acaba citando “Man in the mirror”.

– É uma música de reflexão. Fala que a gente muda o mundo, se cada um mudar o homem em frente ao espelho.

Continua sua dança, embalado pela confiança de que chega lá.

Se o aplauso não vem, agradece e começa a terceira dança com dose reforçada de ânimo: é o Michael Jackson de Ribeirão.

 

*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/

 

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