Com exercício físico, Wilson mudou de vida e doou rim para salvar filho

20 fevereiro 2018 | Gente que inspira

Wilson não podia terminar a conversa de outra forma. Me pergunta o que faço, além de jornalismo. E vai logo dando dicas e puxões de orelha.

– Você precisa ter foco, programar. Não adianta caminhar todo dia sem um programa, que o corpo não aguenta e você desiste.

Há 27 anos, é aquele cara que está sempre motivando alguém a se movimentar. Sua história é o motivo.

– Dos 10 aos 30 anos, eu não fiz nada por mim. Quantas vezes deixei de comprar pão para comprar cigarro? Aos 30, algo diferente aconteceu. Costumo atribuir a Deus meu resgate. Acordei e decidi mudar.

Diz que, até tomar essa decisão, seus elos estavam despedaçados por uma vida sem foco.

– Tinha perdido meu papel de pai, de vizinho, de chefe de família, de amigo. Consegui resgatar tudo isso. O exercício físico é uma ferramenta maravilhosa que trabalha o físico, o espiritual e o emocional.

Parou de fumar – chegou a dois maços por dia – de beber e passou a dedicar horas diárias ao exercício físico.

Por oito anos, com uma bicicleta velha, pedalou por Ribeirão Preto e região. Depois, decidiu que era hora de correr.

Entre as muitas medalhas que guarda em casa, fala orgulhoso que correu 13 São Silvestres e só não fez mais porque falta dinheiro para a inscrição.

O principal motivo da sua mudança, entretanto, não está nos títulos acumulados.

Fazia 20 anos que não via seu primeiro filho. Depois que estruturou a vida, decidiu que era hora de procurá-lo. Encontrou o jovem em um hospital, à espera de um transplante de rim.

– Há um milagre aí. Eu estava destruído, com baixa-autoestima, em um caminho ruim e Deus colocou a mão e mudou minha vida. Ele fez isso porque iria precisar de mim lá na frente.

Wilson diz que não pensou meia vez. Quando viu o desespero do filho, iniciou os exames e, com tudo aprovado, doou seu rim – que a essa altura já estava saudável.

– Essa doação foi um resgate. Se eu não tivesse sido tratado, restabelecido meu corpo, não poderia doar. Talvez até hoje não tivesse esse contato que tenho com meu filho.

Há motivo para querer compartilhar o bem de estar em movimento.

Wilson transformou a vida com exercício físico Hospital das Clínicas Ribeirão Preto

Wilson Machado Silva fala rápido, sem economizar nas palavras.

Aos 57 anos, tem planos de monte para o futuro. Até mesmo uma faculdade de Educação Física, sonho antigo que ficou no campo das ideias, está em questão.

O corredor tem pressa de viver.

– A vida é um grande aprendizado! É ter saúde, não dinheiro. A gente não leva nada daqui.

Ultimamente, além do trabalho de auxiliar de serviços que desempenha há 20 anos no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, ele faz curso de mecânica – que também era uma vontade antiga – treina e corre de quatro a cinco vezes por semana.

O trabalho, ele conta, sempre foi constante na vida. Começou aos 16 anos, como office boy. E passou por tudo quanto foi serviço.

Nessa época, já fumava. Começou aos 10 anos.

– Tudo o que prende é cadeia. A verdadeira prisão não é física. É tudo aquilo que prende o ser de alguma forma.

Entrou para o Exército aos 18 anos e sonhava em construir carreira. A vida preparou outro caminho, porém.

Conheceu a mulher com quem se casou pela primeira vez e ela engravidou.

– Soldado não tem salário e eu não tinha como sustentar esse filho. Foi minha primeira grande frustração na vida.

Largou o Exército e passou a trabalhar como vigilante. Pouco mais de um ano após o nascimento do bebê, os dois se separaram por problemas diversos.

Pouco depois, em 1984, com 24 anos, ele se mudou para Ribeirão Preto.

Tinha família aqui e em uma das visitas resolveu ficar.

Até se estabilizar, passou por trabalhos diversos. De 1987 a 1993 atuou no Hospital das Clínicas, mas deixou o emprego.

– Eu precisava de tratamento. Trabalhar o caráter, me polir.

Trabalhou, então, como verdureiro, vigilante, recolheu latinhas nas ruas.

Um dia, entendeu que precisava dar um rumo na vida.

– O ser humano só muda quando chega no fundo do poço. Eu olhei para a minha vida e disse: não aguento mais isso aqui!

Diz que foi assim, de um dia para o outro, que amassou os maços de cigarro, jogou no lixo e decidiu que teria um foco na vida.

Havia conhecido a mulher com quem se casou pela segunda vez – e com quem está até hoje. E fala que veio também dela a força.

Começou a rotina de exercícios físicos, se reconciliou com Deus e prestou um novo concurso no Hospital das Clínicas, em 1997.

– Tudo na minha vida foi restaurado. Hoje, eu sou pai, esposo, vizinho.

Wilson transformou a vida com exercício físico Hospital das Clínicas Ribeirão Preto

Em 2002, já com a vida estruturada, surgiu a vontade de ver o filho, que deixou em São Paulo com menos de dois anos de vida.

Não foi difícil descobrir o paradeiro. O jovem estava internado no Hospital das Clínicas de São Paulo.

No reencontro, a vontade de ajudar falou mais alto que a emoção.

Quando soube que poderia ser um doador, não teve dúvidas. O jovem perdeu um rim após uma queda.

– Era o que eu podia fazer por ele.

Iniciou a batelada de exames, contando com o apoio da equipe do HC de Ribeirão, colegas de trabalho.

– Eu não senti medo. Confiei em Deus. E fui totalmente feliz.

Por um ano e quatro meses, o rim deu vida nova ao seu filho. Depois, porém, o jovem teve uma rejeição e precisou de outro transplante.

Wilson continua com a sensação de dever cumprido.

– Eu penso que nosso organismo tem uma falha. Deveríamos ter quatro ou cinco rins, dois corações, tudo em quantidade. Para doar a quem precisa.

Diz que, como leva uma vida saudável, não tem problemas para viver com um rim só.

– Sabe que eu até esqueço!

Reafirma, então, a importância do exercício na sua vida.

– Nós não conhecemos os limites do nosso corpo. Muitos jovens não trabalham a favor do corpo, não buscam o potencial que têm. O corpo não foi feito para ficar parado. Mas ele se adapta ao que você propõe para ele.

Hoje, diz que a relação que tem com o filho é feita de amor.

Para o futuro, o sonho é se formar em Educação Física para desenvolver um projeto esportivo com crianças carentes.

– Se a gente pudesse implantar a sementinha do atletismo…

Quer continuar em movimento. E espalhar o que tanto lhe faz bem.

– Eu passei pelo fogo para ter essa consciência hoje. Minha vontade é de fazer o jovem entender que ele não precisa passar por tudo isso.

Terminei a entrevista com vontade de abandonar o carro e voltar para casa correndo. Mas é preciso programação e foco, Wilson bem me avisou.

Para ele, é sempre tempo de corrida.

 

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Wilson transformou a vida com exercício físico Hospital das Clínicas Ribeirão Preto

Crédito da foto 1: Marcos P Tavares

Crédito da foto 2: arquivo pessoal do Wilson

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1 Comentário

  1. Ana Luiza Chellegatti

    Conheço o Wilson e sei de muitas pessoas influenciadas por ele que hoje amam a corrida de rua .
    Não conhecia esses emocionante testemunho de vida e confesso que chorei …

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