– Não adianta ficar subindo e descendo que você não vai encontrar preço melhor! Vem para a qualidade!
O Calçadão de Ribeirão Preto estava lotado naquele sábado que antecedia o Dia das Mães. Na porta de cada grande loja, um sertanejo em alto som ou um locutor com a função de ganhar o cliente narrando promoções.
– Tá passando por aqui? Não espera pra depois!
David Willian era um deles.
– A loja aqui do lado tá fazendo saldão e eu não posso deixar toda clientela entrar lá. Eu tenho que atrair o cliente pela voz. Tem que ter jogo de cintura!
Menos de cinco minutos entre uma chamada e outra. Uma locução diferente a cada vez.
– Se eu ficar falando a mesma coisa não chama a atenção do cliente.
Viver da voz é a conquista do rapaz de 29 anos, que começou a trabalhar aos 10 limpando peça em oficina para ajudar em casa.
Ser “porta de loja”, como diz a gíria, é uma das facetas do trabalho. O que faz a garganta de Willian vibrar mesmo é a locução de festas e rodeios, paixão alcançada há seis anos.
– É um sonho. Um sonho mesmo. Muito melhor que pegar no cabo da enxada.
Willian conta que em uma das apresentações que faz nos rodeios narra a história de um menino, filho de lavrador e doméstica, que sofreu acidente com fogo e caminhão e quase teve que desistir do seu sonho.
Descreve a história sentado na arquibancada, misturado ao público que tenta encontrar a origem da voz.
– No final, eu me levanto e anuncio: ‘Eu sou esse jovem’. E digo para as pessoas continuarem em busca do sonho delas, seja o sonho que for.
É o que ele faz, dia-a-dia.
Diz que começou a trabalhar aos 10 anos, na oficina de um tio. Aos 15 foi para a lavoura, apanhou café até os 18, depois aprendeu a cuidar de gado, foi caminhoneiro, operador de empilhadeira.
– Sempre correndo atrás!
A paixão pelo rodeio veio do avô e do tio, que eram peões. Willian diz que tentou ser peão também, mas não levava jeito.
A locução começou por brincadeira, nas festas com os amigos. Narrava um rodeio imaginário no microfone e quem ouvia ficava vidrado no embate que não existia.
– Todo mundo dizia para eu ir atrás que eu levava jeito.
Foi. E encontrou a profissão que quer como carreira.
Hoje, vive só da voz, dividindo a locução entre a porta de loja, as festas e os rodeios.
– São três estilos diferentes. Na loja, o que chama o cliente é o timbre de voz. Nas festas, você tem que fazer o que povo gosta. No rodeio, quando o boi sai pulando, eu tenho que conseguir transmitir para o público o que tá acontecendo. E trabalhar para o povo. Falar a língua do peão.
Willian diz que uma locução nunca é igual a outra. Vê essa espontaneidade como o seu diferencial seja na loja, nas festas, no rodeio.
– Se pulam 10 bois, são 10 narrações diferentes.
Há dois anos, conseguiu comprar o próprio microfone que, diz, é como “escova de dente”.
– Cada um tem que ter o seu equipamento. Faz a diferença.
Para conseguir os R$ 4 mil do instrumento, guardava um pouquinho de cada locução. E é assim até hoje, para continuar investindo na profissão.
O objetivo é continuar vivendo só da voz.
– O meu sonho como profissional de locução é chegar nas grandes festas.
Ali, narrando as promoções do Calçadão em um sábado movimentado, vai subindo um degrau no percurso.
– Um microfone começa uma guerra e termina uma guerra. O que sai da sua boca não volta.
Uma nota de cada vez.
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