Em 48 anos, o dia que mais marcou teve salgadinhos, bolo, amigos reunidos e placa de prata. Foi homenagem pelos 30 anos de trabalho que lá em 1999 Lelé já completava.
Conta que ele – jeito sério, fala formal – deixou a emoção tomar espaço.
– Quase me desceu uma lágrima dos olhos.
Lelé, 65 anos, escreveu a vida entre os corredores do Fórum de Ribeirão Preto.
Entrou aos 17, por convite do juiz de menores, quando a sede da Justiça na cidade ainda ficava na rua Cerqueira César, Centro.
Diz que dos 700 funcionários que hoje trabalham no prédio enorme na Ribeirânia conhece – por nome, função e, se duvidar, tempo de serviço – pelo menos metade.
E guarda a muitas chaves as tantas coisas que presenciou.
– Tem coisas que a gente não fala, não.
Assim como o jogador de mesmo apelido, Lelé gostava de futebol.
O juiz de menores começou a chamar e Antônio Carlos Domiciano se tornou Lelé num batismo informal, que ficou para a vida toda.
Até mesmo o apelido, que tomou lugar de nome, saiu dos corredores do Fórum.
Lelé entrou no Fórum em 1969, para fazer serviços externos e resolver tudo quanto era coisa. Depois, passou em concurso e ficou dez anos como ascensorista de elevador.
Em 1986, foi convidado – quase convocado – pelo juiz Ovande Garmes para ser auxiliar judiciário.
– Ele tinha acabado de chegar em Ribeirão e falou: ‘Você vai trabalhar comigo!’.
Lelé não é de muitas trocas. Trabalhou com Ovande até o magistrado se aposentar, depois com outro no mesmo padrão e há 25 anos atua com o Dr. Luís Augusto Freire Teotônio, na Vara do Júri e Execuções Criminais, que soma os crimes mais graves da comarca.
– O Dr. Teotônio é meu patrão, mas é como um pai para mim. Assim como o Dr. Ovande também foi.
Trabalhando no Fórum desde menino, Lelé sonhava em fazer Direito.
Diz que as contas sempre apertadas não deixaram o sonho virar realidade.
– A condição não era boa… Pais pobres, não tinham condição de ajudar.
Se tornou, porém, parte da casa da Justiça. Conhecedor, como ninguém, da rotina que nenhuma lei sabe descrever.
– O segredo? Ah, o juiz precisa ter confiança. Existe uma frase do Chico Xavier que diz assim: ‘Leva-se anos para criar confiança e um minuto para destruir tudo’.
O trabalho de auxiliar pede que Lelé esteja sempre atento as demandas do magistrado: seja para ir ao banco ou organizar pendências internas.
Fala, todo orgulhoso, que, em todo esse tempo, só faltou por doença grave, como quando precisou operar o joelho.
Chega antes do horário, almoça por ali e só vai embora quando o relógio diz que é mesmo hora de ir. Até nas férias, faz questão de dar uma passadinha no Fórum para ver como estão as coisas.
– Eu trato todo mundo muito bem! Me dou bem com todo mundo!
Lelé não casou e nem teve filhos. Diz que a cabeça sempre esteve nos cuidados com a mãe e no trabalho.
Hoje, mora com a irmã, em um bairro próximo ao Fórum.
Em quase meio século, conta que nunca passou por problemas na casa da Justiça.
No começo, confessa que tinha medo.
– O juiz de menores era muito rígido.
Depois, aprendeu a lidar.
Quando soma os anos de trabalho, se surpreende.
– Nunca pensei ficar tanto tempo! Mas fui ficando. A vontade era ficar.
Tempo de aposentadoria, ele já tem. Falta é vontade de deixar os corredores de vai e vem.
– Vou sentir muito. Passei minha vida inteira aqui.
O Fórum de Lelé está além do que podem definir as leis.
– O Fórum é tudo. É onde a pessoa vem buscar bondade, a mão amiga, o conforto.
Há quase meio século, ele é parte do Fórum de Ribeirão. E o Fórum é parte – quase inteiro – dele.
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Conheço o Antonio Carlos Domiciano (Lelé), pessoalmente.
Realmente é uma pessoa boníssima e de caráter, muito honesto!
Esta homenagem, é o mínimo que ele merece…
Parabéns LELÈ !!