O banco é sempre o mesmo. Em frente a um bar do Calçadão, onde o vai e vem de gente nunca para.
Para caber todo mundo, vão rodeando o fiel assento com cadeiras de plástico, uma mesa, alguns copinhos de cerveja.
Não há limite de instrumentos. Os violeiros vão chegando e se juntando ao coro.
O que é feito daqueles beijos que eu te dei?
A regra – que nem precisa ser dita – é tocar sertanejo raiz. E não é mesmo esse o motivo da reunião?
Dia sim, outro também tem violeiro por ali. É o ponto da viola do Calçadão. O ponto do Paulo da viola. Seu palco, seu lugar.
– A viola é cabocla. A gente faz ela falar. Ela explica quase as palavras, que nem nós conversa.
Paulo Soares tem 76 anos, 64 deles acompanhado da sua viola.
Aos 12 anos, começou a tocar. Aprendeu sozinho, reparando os dedos dos outros violeiros entre uma colheita de café e outra.
Nasceu em Bonfim Paulista e, como era de praxe naqueles tempos, começou a trabalhar criança, para ajudar na fazenda.
Com 13, 14 anos a família veio morar em Ribeirão Preto. Por aqui, Paulo foi vendedor de leite, caseiro, trabalhou de tudo quanto foi coisa.
Não sabe dizer quando foi sua primeira apresentação como violeiro, mas carrega sempre consigo as fotos em preto, branco e amarelo – de tanto tempo – em que aparece com a viola, em dupla e nenhuma ruga no rosto.
– Eu comecei na mesma época que o Roberto Carlos. A gente tem a mesma idade.
Guarda também o recibo de um show que fez no Sesc na década de 60.
– Você conhece o Sesc? A gente se apresentava lá!
E conta que sempre gostou de cantar nas rádios e na televisão.
– Eu sou enjoado. Gosto de coisa boa!
Só não gravou CD profissional. Na década de 80, fez uma gravação improvisada e diz que nunca mostrou para ninguém. Só mostra o que tem qualidade.
– Tem bastante música que eu faço e seria bom gravar. Mas só gravo se for coisa boa. Gravar coisa ruim não é bom.
No seu ponto da viola, ali no Calçadão, Paulo junta admiradores e amigos. Passam horas cantando, tocando e esvaziando alguns copinhos de cerveja.
O violeiro diz que, não fosse essa alegria que a música dá, já teria partido dessa para outra jornada.
– Se eu não soubesse tocar eu já tinha morrido. A música me leva adiante. Não por sucesso, mas por me alegrar e ser tudo na minha vida.
Paulo casou, teve cinco filhos e há 25 anos – depois que cada um seguiu seu caminho – mora sozinho.
Quase sozinho.
– Minha viola é minha companheira.
Mais de uma, no caso. De tanto amor, aprendeu a fazer viola e diz que em casa tem umas oito, nove como companhia.
Também tira do violão notas boas de se ouvir. Mas não esconde a preferência, que virou sobrenome.
– Quando eu nasci, a viola já existia há muitos anos. É relíquia.
Paulo é da viola. É a saudade do luar que branqueia as folhas no chão, do menino que corre abrir a porteira: um pedaço único do que quase não existe mais, no palco aberto, seu lugar.
Paulo é viola. É raiz.
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