Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 5 de março de 2017!
Esta história foi narrada pela jornalista Sandra Lambert. Para ouvi-la, é só clicar do play:
A primeira vez de Duda no parquinho não teve lá muita alegria. O irmão mais novo brincou e ela ficou só de olho.
Não havia brinquedos que acolhessem Maria Eduarda do jeitinho que ela é.
A mãe se incomodou. Coração de mãe – não é segredo – tem amor igual por cada pequeno.
– A vida das crianças com deficiência é terapia, internação. E o lazer? É brincando que a criança se desenvolve, mas as crianças com deficiência são privadas do lazer! Eu não podia deixar a infância da Duda passar.
Selma Nalini resolveu que era preciso mudar. E arregaçou as mangas.
Foi preciso, aliás, muito arregaçar e um caminho feito de desafios e burocracia.
O projeto Duda Nalini – que não tinha outro nome para existir – foi protocolado em 2016.
Em junho de 2017, Selma, e seus parceiros da iniciativa privada, inauguraram o primeiro parque público acessível de Ribeirão Preto: Uber Sul, localizado na zona Sul.
Em outubro, Dia das Crianças, foi inaugurado o segundo parque, na Lagoinha, zona Leste da cidade.
Nos dois espaços os brinquedos são feitos para crianças com e sem deficiência brincarem juntas, a qualquer dia e hora. Há balanços com colete de segurança, gira-gira com espaço para cadeira de rodas, gangorra com trava e assento diferenciados, painel acessível.
– A ideia é transformar os espaços públicos em acessíveis, e fazer uma cidade inclusiva. Quando uma criança com deficiência brinca junto com uma criança que não tem deficiência, a gente iguala o ser humano.
Além dos dois parques em funcionamento, há projeto para a inauguração de mais três ainda neste ano. E a ideia se espalha e contagia outras iniciativas a nascer.
Agora, Duda pode dividir o brinquedo com o irmão mais velho. Esvoaçar os cabelos pretos no gira-gira e no balanço.
Solidária que é, não quis essa alegria só para si. Os parques que levam seu nome estão sempre cheios de crianças e pais vivendo a alegria – tão única – do brincar.
– Quando você tem um filho, você sonha em ensiná-lo a andar de bicicleta, passear no parque. Aqui, acontece a inclusão. Todo mundo tem seu direito respeitado.
Duda é a primeira filha de Selma Nalini e do marido. Foi esperada e cuidada desde o primeiro ultrassom.
– Eu já soube logo no primeiro ultrassom que ela teria má formação.
A gravidade, os pais só souberam depois do nascimento.
Não havia, no discurso médico, expectativa de vida para Maria Eduarda. Ela nasceu com uma má formação congênita chamada agenesia cerebelar.
O cerebelo é a parte do cérebro responsável por movimentos motores, pela aprendizagem motora, a fala. Duda, caso raríssimo, não tem o cerebelo.
– Para os médicos, ela não tinha sobrevida.
Em outubro do ano passado, mês em que o segundo parque do projeto Duda Nalini foi inaugurado, a pequena completou 10 anos de vida, desafiando a ciência.
Duda não anda, não fala, usa sonda. Acompanha, porém, a mãe com os olhinhos e fica brava quando a foto demora a terminar. Respira sem aparelhos e sorri quando a mãe pede.
– Ela está muito além das expectativas. É um exemplo de vida para nós.
Quando a filha nasceu, Selma, que tinha 23 anos, deixou a faculdade e o estágio de Direito e passou a viver seus dias pela Duda.
Foi assim que, durante as internações constantes da filha, ela conheceu outros pais de crianças com deficiência e suas histórias. E passou a estudar, pesquisar e lutar pelos direitos dessas pessoas.
– Eu via as dificuldades das famílias… Umas não tinham alimentação, outras não tinham transporte ou fralda. Algumas, tinham tudo isso sobrando.
Começou, então, a ajudar essas famílias buscando o que sobrava em uma casa e levando para a outra. Buscando auxiliar, orientar, encaminhar para serviços de assistência.
A falta de lazer, entretanto, continuava a incomodar.
– Fora essa ajuda, eu me preocupava com o lazer. Muitas mães não saíam de casa para evitar os olhares preconceituosos ou porque não tinham aonde ir.
Começou, então, a organizar festas. Alugava salões, montava estrutura de enfermaria, contratava serviços e comemorava, com essas famílias, a festa junina, o Dia das Crianças e outras tantas datas. Chegou a juntar mais de 100 pessoas!
Mesmo assim, porém, não se sentia feliz. Percebia que muitas mães não podiam ir à festa por problemas com transporte ou porque naquele dia a criança não estava bem.
Quando o filho mais novo veio, a certeza de que era preciso mudar ficou mais forte. Coração de mãe despedaça quando a alegria não é a mesma para todos seus pequenos.
– A vontade de garantir a participação das crianças em lazer e cultura ficou muito forte. O João brincava, mas a Duda não.
A implantação do projeto Duda Nalini levou três anos. Selma tinha a ideia, mas precisava de formas para fazê-la virar realidade. Além disso, era preciso ultrapassar as burocracias.
Buscou parcerias com a iniciativa privada e conseguiu as autorizações necessárias da prefeitura, para a reforma do espaço público que, pela lei, já deveria ser acessível.
– O projeto auxilia a prefeitura a cumprir a lei vigente, que diz que 5% de todo equipamento público deve ser acessível.
Selma buscou inspiração na internet, mas não havia projetos similares para se espelhar. Ela acredita que Ribeirão Preto seja, com o projeto Duda Nalini, cidade pioneira em parques públicos totalmente acessíveis.
– Há brinquedos acessíveis dentro de instituições, mas não há um parque inteiro.
A praça Ali Youssef Abou Hamim, na Lagoinha, foi totalmente reformada para abrigar o parque acessível. O parque Uber Sul foi construído já pensando na acessibilidade.
– Valoriza o local, o bairro, a cidade toda. A cidade é para todos. E são espaços abertos, que as famílias podem ir conforme a disponibilidade delas. Se naquele dia a criança não está bem, tudo bem. O parque está sempre lá.
Com a parceria privada, além da construção e manutenção dos parques, o projeto organiza domingos com atividades interativas gratuitas para a criançada.
No ano passado, Selma criou também o Dia de Circo. Em parceria com o Circo dos Sonhos, que passou pela cidade, o projeto Duda Nalini distribuiu ingressos do circo para 263 famílias de crianças e adultos com todo tipo de deficiência.
Uma jovem cega, inclusive, quis ir à sessão. E teve sua vontade, mais que respeitada, comemorada.
– O circo também foi todo acessível. Essas pessoas lutam todos os dias. Precisam de lazer.
O projeto Duda Nalini, Selma explica, não é ONG. É vontade de transformar, e só. E muito!
Tudo é feito através de parcerias. E da vontade – imensa – de Selma.
Ela passa, todos os dias, pelos parques. Checa se a área está limpa, se os brinquedos estão em ordem e pede:
– A população precisa cuidar! É de todos!
Ali, está um pedaço seu. Um pedaço, principalmente, da sua Duda.
– É a realização de um sonho. A Duda, que poderia nem viver, completou 10 anos e está melhorando a acessibilidade da cidade. Ela virou patrimônio da cidade, porque tudo isso que foi construído é público.
O coração da mãe, agora, bate tranquilo.
– Eu tento fazer com que a Duda viva, tenha experiências novas. Se ela for embora hoje, posso dormir tranquila. Fizemos o bem em nome dela e beneficiando toda a cidade.
A primeira vez de Duda no parquinho não teve lá muita alegria.
Mas, agora, isso é coisa do passado bem, bem distante.
*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/
Assine História do Dia por R$ 13 ao mês ou faça uma doação de qualquer valor AQUI.
Nos ajude a continuar contando histórias!
Podcast: Play in new window | Download
0 comentários