Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 4 de abril de 2017!
Para ser aceita como aluna de capoeira 43 anos atrás, Ana Lúcia precisou fingir que era menino. Hoje, é mestra. Conta história de uma vida toda dedicada ao esporte e frisa, cheia de orgulho:
– Sou a primeira capoeirista mulher de Ribeirão Preto!
A mestra Saruê, apelido que a capoeira lhe deu, começou na arte aos sete anos.
Conta que na saída do colégio escutava uma batida que chamava a atenção. Um dia, resolveu investigar. Descobriu o berimbau, a roda de capoeira e, antes que pudesse aprender a gingar, veio a reprimenda.
– Eles me disseram: ‘É só para meninos!’.
Mentiu. “Mas e esse cabelo?”, questionaram os capoeiristas sobre os cabelos crespos e volumosos da menina. “Ueh, só menino pode ter cabelo comprido?”
Saruê foi aceita no grupo e passou a aprender a arte.
A mentira só foi descoberta em dois ou três anos, quando ela começou a ficar mocinha e, depois de um treino, saiu correndo do banheiro masculino na hora do banho.
– Eles vieram atrás e começaram a perguntar: ‘Você não é homem, sô?’. Eu acabei respondendo que era menina.
Como a pequena era boa no gingado, os mestres a deixaram continuar nas aulas.
– Naquela época, não tinha mulher. Depois que eu entrei, abriu esse espaço e outras meninas começaram a entrar.
Abriu portas e rompeu preconceitos.
– As pessoas me chamavam de ‘macho’, porque eu era a única mulher. Também tinham a ideia de que só marginal praticava capoeira.
Fingia não ver os olhares tortos. Seguiu em seu caminho.
A capoeira foi caminho na vida de Ana Lúcia. Nascida na periferia, ela conta que vivia mais na rua do que em casa, pelas condições que a família enfrentava.
Quando começou a jogar, se encantou e encontrou um rumo a seguir.
Pela capoeira, foi sozinha para São Paulo com não mais que 15 anos. Morou em uma perua por uma semana, até conseguir emprego de office girl e alugar um quarto. Passou a integrar o Cordão de Ouro.
Voltou aos 16 anos, grávida do primeiro filho. Trouxe a capoeira consigo, porém.
Em Ribeirão Preto, a mestra compartilhou a arte. Trabalhou como professora, inclusive na prefeitura, e criou projeto social no bairro Paulo Gomes Romeu, periferia de Ribeirão, onde mora. Integra o grupo Terra Preta.
– Sem capoeira eu não seria quem eu sou. Não sou nada.
Há dois anos, Saruê conquistou a titulação de mestra.
– Tem uma preparação, sabe? E no dia de receber o título a família toda está presente. É como uma formatura de faculdade. Mas a faculdade demora quatro, cinco anos. Eu demorei mais de 40 anos para ser mestra.
Não consegue jogar mais, por problemas no joelho, mas continua dando aulas e não quer parar.
– Não sei fazer outra coisa. Pela capoeira eu me sustentei, construí minha família.
Planeja ampliar o projeto social do bairro, com espaço próprio, biblioteca e outras aulas além da capoeira. Quer continuar a abrir caminhos, como o seu.
– A capoeira faz o resgate da molecada, retoma a autoestima.
Aos 54 anos, depois de tanta luta gingada, a mestra se diz realizada.
– A capoeira é resistência.
Pela arte, aprendeu a resistir.
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Uma grande pessoa e, incontestavelmente, uma grande mestra. Tive o prazer e a honra de conhecê-la e conviver com ela durante muitos anos e agradeço por isso. Um forte abraço direto aqui de Minas Gerais e muito axé direto da terra de Chico Rei!