Vera Regina Gaetani faleceu no dia 1º de junho de 2020. Esta história é nossa singela homenagem.
Clique no play para ouvir a história:
Esta história foi narrada pelos integrantes do projeto Doadores de Voz, dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unaerp.
Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 10 de janeiro de 2018!
Já é final de entrevista quando digo para Vera Gaetani que aprendi muito com a nossa conversa.
E ela me responde, concluindo com a mesma sabedoria de todo percurso:
– Nós todos aprendemos uns com os outros. Eu aprendo toda hora.
Vera é uma mulher com mais de 80 anos – não quis entregar a idade certa, com o argumento de que “ninguém precisa ficar sabendo”.
Diz, porém, que depois de oito décadas bem vividas, não se sente realizada.
– A pessoa realizada não tem mais nada para fazer. Apesar da idade, eu continuo com meus idealismos. Se eu parar, posso esperar a morte.
Menos de três anos atrás, quando a vida parecia perder o rumo, ela encontrou forças para se reinventar.
Em menos de dois anos, perdeu um filho e o marido, o médico Luiz Gaetani.
Em mais de 60 anos de união, Vera e Luiz fundaram uma das instituições filantrópicas mais importantes de Ribeirão Preto. A Casa do Vovô acolhe hoje 82 idosos e soma 39 anos de fundação. Tiveram seis filhos, sete netos, uma bisneta. Escreveram bela história.
Por alguns dias, com tão duras perdas, ela deixou a tristeza tomar conta da saúde, que ficou debilitada. Passou dias internada, sem vontade de sair.
Mas, olhando em volta, retomou a força que é parte de si.
– Meus filhos tinham perdido o irmão, o pai e estavam com medo de perder a mãe. Foi quando resolvi dar a volta por cima e pensei: E agora? Vou fazer o quê da minha vida?
A resposta veio na cultura atrelada ao bem social: a razão de ser que compartilhou com o marido. Entregou, então, mais um legado à cidade.
Fundou, há dois anos, o Centro Cultural Luiz Gaetani, que fez de sede da Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto (ALARP) e da Academia Ribeirãopretana de Letras (ARL).
Vera transformou sua dor em obra de bem. E Luiz continuou presente.
– É uma vida toda dedicada a alguma coisa. Isso já estava em mim.
Vera nasceu em Curitiba e diz que teve uma infância um tanto conturbada. Seus pais se separaram na época em que o divórcio era visto como vergonha. Quando criança, ela morou três anos em um colégio interno católico.
Começou aí, de pequena, sua paixão pela literatura.
– Eu digo que comecei a escrever desde que aprendi as palavras.
Aos 16 anos, passando férias na casa de uma tia, devorou a coleção de Dostoievski, leitura proibida para sua idade na época. Alojaram Vera no escritório do tio, que era abarrotado de livros. Ao invés de dormir, a menina varava a noite nas leituras. Voltou para casa sob broncas e brigas com a tia, que descobriu a façanha.
– Até hoje, quando eu pego um livro, não sossego enquanto não leio inteiro.
A leitura foi inspiração para a escrita. Vera escreveu seis livros e já se prepara para o lançamento de mais um.
Se formou professora no Rio de Janeiro, por imposição do pai.
– Ele achava que seria mais fácil para começar a trabalhar. Mas eu nunca trabalhei como professora.
Quando terminou o curso, em 1954, voltou para Curitiba, na casa da mãe. Nada por acaso: tem motivos para acreditar.
Não andava lá muito animada e a mãe sugeriu que fosse conhecer a Mocidade Espírita. Encontrou Luiz Gaetani, que estudava Medicina por ali e era presidente da Mocidade.
Dois anos depois, os dois estavam casados e partiam para Ribeirão Preto, terra natal do marido. Para Vera, acostumada a grandes cidades, não foi simples a adaptação em uma Ribeirão que ainda era formada de ruas de terra.
Ela logo encontrou suas formas, entretanto, fazendo amizades e iniciando suas ações sociais.
– Eu não era pessoa para ficar enclausurada.
A ideia da Casa do Vovô não começou com Vera e Luiz. Veio uma geração antes.
O pai de Luiz, Emanuele Gaetani, morava em frente à praça Sete de Setembro, no Centro, e apertava o coração com os idosos que perambulavam por ali, sem ter para onde ir.
Ele sugeriu a sua esposa que construíssem dois cômodos no quintal para abrigar essas pessoas, mas a esposa se preocupou com o trabalho que teriam e recusou.
Em 1957, quando o pai de Luiz faleceu aos 54 anos, a mãe contou para o filho do arrependimento que sentia por ter lhe negado o pedido. E Luiz decidiu que havia como reparar.
Uniram amigos, fundaram a Sociedade Espírita Cinco de Setembro – dia do nascimento de Emanuele – e começaram as campanhas para construir o local onde hoje funciona a casa de idosos.
– Aqui é uma casa alegre! Sempre festiva!
Vera diz o que os corredores da casa mostram por si. É mês de Natal e não há um pedacinho sem enfeite: luzes, árvores, bolas, laços.
A ideia, me explica uma assistente social, é deixar mais feliz o final de ano de idosos que, em sua grande maioria, não têm o carinho da família.
Na parede da instituição, uma placa registra que a Casa do Vovô é a 336ª maior instituição do Brasil, de acordo com uma pesquisa das organizações filantrópicas.
– O Luiz vencia pelo cansaço. Conseguia tudo o que era preciso para a casa.
Vera continua o legado. Apesar de não fazer mais parte da diretoria da casa, está sempre por ali, participa das decisões e das ações.
– Eu sempre quis passar a obra para as pessoas. Tem uma frase que diz: ‘Todos nós passamos, mas a obra tem que continuar’.
A Casa do Vovô é mantida por doações, colaboradores, campanhas, recursos da Nota Fiscal Paulista, verbas.
Vera acredita que cada pessoa está exatamente no lugar que lhe pertence neste mundo.
– A reencarnação, para mim, é a única forma de justificar a inteligência e a bondade de Deus. Há uma disparidade muito grande entre a vida de cada pessoa. E eu não acho que é castigo. É aprendizado. A pessoa vem no lugar onde ela tem que aprender.
Nesse pensamento, acredita que a vontade de fazer o bem e a paixão pelas artes já estão consigo à vidas e vidas.
A vida é boa? Eu pergunto, já imaginando um “sim” como resposta.
– Ela é boa porque dá oportunidade para você crescer. Viver é aprender e aprender é crescer: essa é a finalidade do espírito.
Vera me diz que tem ainda planos a concretizar. Um sétimo livro a lançar, muita cultura a difundir.
– Acho que minha vida foi uma vida rica, uma vida boa. Não foi uma vida inútil. Graças a Deus.
E tem a certeza de que, quando chegar a hora, parte “um pouquinho melhor do que chegou”, em suas palavras ditas entre risos.
Antes de encerrar, recita a frase de Alan Kardec que tem como lema: “Nascer, viver, morrer, renascer ainda, progredir sempre”.
Aprendemos todos.
*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/
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Realmente, vocês não conheceram a Dona Vera
Vera e Luiz Gaetani nos deixaram um legado de amor… Quem os conheceu foram contagiados pelo seu amor ao próximo! Obrigada História do dia por compartilhar a história desse casal fantástico! A Casa do Vovô ´faz parte da história de Ribeirão Preto. Um elo de amor…