Esta história faz parte do projeto “Força Italiana”, iniciativa da Casa da Memória Italiana, produzido em parceria com o História do Dia. Para conhecer mais acesse www.casadamemoriaitaliana.com.br!
Geraldo inicia a entrevista com um sonoro “Buongiorno!”. Ao longo de toda conversa, escolhe palavras e jargões italianos para enfeitar as frases. Aprendizado da intensa convivência com o avô e das vezes em que esteve na Itália buscando refazer a trajetória da família.
Foi ele quem resgatou o brasão dos Del Lama, em uma das vezes em que esteve na província de Arezzo, região da Toscana, em busca de informações sobre a família.
Voltou orgulhoso, com o símbolo e a história que hoje estampam quadros e até copos nas casas de seus primos, todos entusiastas da história da família.
– Eu fui para saber nossa descendência, de onde realmente começamos. É obrigação de toda família saber de onde saiu e contar sua história.
Estimam que, no Brasil, a família passa de 500 integrantes.
José Luiz Del Lama, primo de Geraldo, mostra, todo orgulhoso, o livro que comprou na Itália. Em suas buscas na internet, descobriu que havia um integrante da família que fora amigo do pintor Sandro Botticelli. Quando esteve em Firenze, comprou o livro e conseguiu comprovar a relação. Lá está o registro de um Del Lama, em 1476, amigo do grande pintor, confirmando que a origem da família perpassa os séculos.
– Del Lama é uma família só. Se é Del Lama, é parente.
São as palavras de Geraldo. Ele e José Luiz são dois retratos entre os tantos possíveis de uma grande família italiana que escolheu o Brasil como pátria. Porta vozes de uma história de muitos capítulos, condensados em suas vivências e memórias.
Os registros guardados por eles são muitos. Documentos, reportagens, dados. Têm anotados os nomes dos navios que trouxeram seus antepassados nas duas vezes em que aportaram no Brasil e se esforçam para conseguir traçar a árvore genealógica mais detalhada da família.
Chegadas e partidas
A família Del Lama chegou ao Brasil pela primeira vez de Vapor Arno, em novembro de 1897, porto de Santos. Seguiram para a região de Bonfim Paulista, região chamada Colônia Preta. O avô, Eugenio, sua esposa, Filomena Colcelli, seus três filhos nascidos na Itália e mais três irmãos solteiros.
Em terras brasileiras nasceram outros cinco filhos. Filomena morreu após o nascimento da caçula, Teresa, em 1908, aos 38 anos. Eugênio se casou de novo com Anna Manchope. No final de 1908, decidiram voltar para a Itália. As condições por aqui não eram as esperadas.
Embarcaram o casal, oito filhos, dois irmãos já casados, com suas esposas, e um solteiro.
Quando estavam em solo italiano, porém, começaram os rumores de que a Primeira Guerra Mundial iria estourar. Com medo de seus três filhos nascidos na Itália serem recrutados, Eugênio decidiu voltar de novo para o Brasil.
– Por amor aos filhos, meu avô fugiu. O governo iria pegar os três filhos dele para a guerra.
São as palavras de Geraldo. Em 1911, a família retornou, de Vapor Bologna. Dessa vez, para ficar.
– Eles não trouxeram nada. Só a roupa do corpo. Tudo o que a família Del Lama tem foi tirado no braço. O italiano trabalhou muito aqui no Brasil.
Geraldo vai compartilhando suas memórias: sabe que a família viveu em fazendas na região de Ribeirão Preto, trabalhando nas lavouras de café, até por volta de 1920.
Seu avô conseguiu juntar uma renda e comprou um grande imóvel na rua Minas com a Pompeu de Camargo, nos Campos Elíseos.
Foi ali que os filhos abriram seus negócios. A marcenaria do Egyno onde Antônio, pai de José Luiz, aprendeu o ofício que levaria pela vida toda. A mercearia do Zeffiro. A casa de muitos deles, que viviam juntos.
– Sempre fomos muitos unidos.
Geraldo faz questão de dizer.
Quando o avô faleceu, em 1948, aos 83 anos, fizeram a partilha do imóvel e cada filho comprou uma nova casa. A maioria permaneceu nos Campos Elíseos, mantendo a calorosa união italiana.
Jardinagem: herança para Geraldo
Cada um dos oito filhos de Eugenio criou em Ribeirão Preto um novo núcleo familiar, que foi se multiplicando em outros e outros.
Pasquale Del Lama teve oito filhos, mas “vingou só quatro”, nas palavras de Geraldo, seu caçula. Ao longo da história, são muitas as crianças que se foram por um mal-estar ou um dedo espetado no prego: coisas simples para os dias de hoje. Os primos relatam que não havia saúde e assistência.
– A Marina morreu com quatro anos, por uma febre. O João morreu pequeno também. Minha mãe dizia que quando um filho era muito inteligente, Deus levava. Mas não era nada disso…
Pasquale criou a família com muito trabalho. Primeiro na lavoura, depois descascando milho e, em 1932, conquistou uma vaga na Prefeitura de Ribeirão Preto. Tomava conta das praças públicas no Centro da cidade. Primeiro trabalhou na praça da Catedral e, a partir de 1945, foi para a Sete de Setembro, onde ficou por quase vinte anos.
– A árvore consagrada mais bonita de Ribeirão Preto foi ele quem plantou. É uma Sapucaia, na praça Sete de Setembro, rua Florêncio de Abreu.
Geraldo tem orgulho no discurso. Seu pai não pôde estudar e assinava com a digital, mas partiu com legado.
– Uma coisa nossa família nos deixou: honestidade. A gente aprendeu isso. Souberam nos dar educação moral e cívica. E nós temos muito orgulho.
Os filhos começaram a trabalhar cedo para ajudar em casa. Nas memórias de Geraldo, a história de seu nascimento, em 1944, é vívida. O pai fez uma cirurgia no estômago e, por tanto trabalhar, os pontos se romperam. Seu irmão, que tinha 10 anos na época, precisou manter as contas da casa sozinho.
– Naquele tempo, se não trabalhasse, não recebia nada. Meu irmão sustentou a família com uma tesourinha, cortando grama.
Muito pequeno, Geraldo já acompanhava o pai na praça.
– Eu cresci ali. Comecei com oito anos a ajudar. Meu pai levava a gente junto. Aprendi a profissão.
Com 10 anos, ele já fazia bicos na jardinagem, engraxava sapatos, ganhava “o dinheirinho”, como diz. Diferente dos amigos, que precisavam entregar tudo para a família, podia ficar com parte do que recebia.
– No final de semana, eu ia no Theatro Pedro II com o meu dinheiro.
O pai deixou o cargo de cuidador das praças em 1962. Não chegou a se aposentar. Teve um enfarto e faleceu, aos 57 anos. Geraldo, então, assumiu seu posto. Já somava experiência, com muito trabalho.
– Só praças, eu fiz 28 em Ribeirão!
Se casou em 1969, com uma esposa portuguesa. Assim como seu pai, ele criou os três filhos com a jardinagem: um é arquiteto, o outro trabalha na área industrial e uma é enfermeira. O mais velho dos cinco netos tem 22 anos e o mais novinho arranca suspiros do avô, que anda com suas fotos na carteira.
Geraldo se aposentou em 1995, aos 51 anos, mas continuou trabalhando. Hoje, aos 75 anos, tem a memória repleta de detalhes. Reconstrói a história da família, com datas e dados nítidos como se fora ontem.
As memórias de José Luiz
Antônio Del Lama, pai de José Luiz, era filho de Zeffiro, que era o primogênito de Eugênio. Apesar de terem uma geração de diferença, a proximidade de idades entre José Luiz e Geraldo está no fato de que José Luiz, 73 anos, é o primeiro filho de Antônio e Geraldo, 75, é o caçula de Pasquale.
A marcenaria que aprendeu com o tio Egyno, na rua Minas, foi o ofício de Antônio pela vida toda. Abriu seu próprio negócio na rua Capitão Salomão e criou seus 14 filhos com o trabalho. Teve também uma forte atuação religiosa, ordenado diácono em 1978.
Exerceu as funções diaconais por 39 anos na igreja Santo Antônio de Pádua, na Capela Nossa Senhora das Graças, que ajudou a construir, e no atendimento às famílias que perderam seus entes nos velórios do Cemitério da Saudade.
– Ele era muito querido e preocupado com as pessoas. Rezava missa, batizava. Dedicou a vida para a família, a igreja e o trabalho dele.
Criou os filhos com rigidez e rigor.
– Eu, como mais velho, tinha que dar o exemplo.
Nas palavras de José Luiz.
Um dos irmãos, Maurício, nasceu com uma lesão cerebral e precisou dos cuidados dos pais a vida toda.
– Eles tiveram todo amor e cuidado. Tanto que depois que meu irmão faleceu, aos 63 anos, minha mãe foi embora, partiu também. Ela sentiu que sua missão estava cumprida.
Sua mãe faleceu aos 87 anos, em 2013, e seu pai aos 94, em 2016. Entre os 14 filhos, deixaram profissionais de diversas áreas: geólogos, químicos, funcionários públicos, empresários.
José Luiz fez o científico na escola e queria estudar Engenharia Mecânica, em São Carlos. A rigidez do pai atrapalhou.
– Ele me falou que eu não tinha condições de morar sozinho. E, então, eu fui para São Paulo, sem fazer a faculdade, para mostrar que eu podia.
Ficou quase três anos provando sua independência antes de decidir voltar para Ribeirão.
– A gente era tão ingênuo que era motivo de chacota. Em 1964 eu estava em São Paulo. Vi os tanques na rua e achei que teria desfile. Não sabia de nada! Era sempre em casa.
Se casou em 19 de julho de 1969, dia em que o homem pisou na lua, e brinca:
– Não se sabia o que destacar!
Teve três filhas e oito netos.
Trabalhou por anos como funcionário da loja Sanitária Paulista, de materiais para construção. Quando os donos decidiram vender, pediu uma oportunidade e comprou os fundos do espaço. Em sociedade com o irmão, Marcelo Del Lama, abriu em 1978 a loja que se tornaria a Del Lama Acabamentos, uma das principais do ramo em Ribeirão.
– Abrimos com meu FGTS e o do meu irmão.
Começaram na avenida da Saudade, número 600. Ganharam visibilidade montando showroom dos espaços, uma novidade na época.
– A pessoa gostava tanto que queria do jeito que estava!
Em junho de 1990, enfrentando o Plano Collor, mudaram a loja para o espaço atual, com mais de 900 m² de showroom. O negócio soma, então, 41 anos de história, com uma das filhas de José Luiz participando da administração.
Lembranças compartilhadas
Os grandes almoços de domingo, a criação rígida, a braveza dos pais são algumas das lembranças compartilhadas pelos primos Geraldo e José Luiz.
Antônio criava frangos no fundo da marcenaria para não faltar a mesa farta para os filhos. Aos domingos, matava a ave para comer com polenta e macarrão, regado ao vinho e musicado com discos de cantores napolitanos na vitrola.
– Esses almoços são lembrados até hoje!
Os horários das refeições, durante a semana, tinham que ser cumpridos com exatidão.
– Minha mãe fazia o prato de cada um, individual. Era para comer tudo. Nem mais, nem menos.
São as lembranças de José Luiz, que se complementam com as de Geraldo.
– Na minha casa, até podia repetir. Mas não a mistura. A mistura era uma vez só.
Na casa de José Luiz, todos se reuniam para ajudar a fazer linguiças com carne de porco. Um porco inteiro!
– Pendurava a linguiça para defumar e ai de quem fosse pegar um pedaço!
Geraldo relembra as broncas.
– Na escola, o professor batia. E se reclamasse em casa que tinha apanhado, apanhava de novo do pai.
Com toda rigidez, e com trajetórias tão diferentes, os pais deixaram para os filhos o amor à família, que vem com a valorização da história.
– Eu tenho muito orgulho da retidão dos mais velhos.
Nas palavras de Geraldo.
Eles contam que o primeiro contato com a Itália, e a família que vive por lá, foi feito por intermédio de um primo Del Lama.
Ele mora perto do cemitério feito em homenagem aos pracinhas brasileiros, em Pistoia. O funcionário que toma conta do lugar é brasileiro. O primo lhe contou que queria reencontrar a família que partira para cá tantos anos antes.
O brasileiro se comoveu com a história e encontrou os Del Lama de Ribeirão. Traduzia para o italiano as cartas da família brasileira, até que a comunicação pudesse ser presencial, com as viagens daqui para lá e de lá para cá que, agora, são constantes.
– Eu fui atrás da nossa história como que pagando um tributo ao que eles viveram aqui. Foi um início muito difícil. É nossa família!
São as palavras de José Luiz, compartilhadas por Geraldo e por toda a grande família de origem italiana e coração brasileiro.
Legendas:
1 – Encontros da família Del Lama
2 – Foto de Eugênio Del Lama, que trouxe a família da Itália para o Brasil
3 – Armazém Del Lama, propriedade de Sabatino Del Lama, um dos filhos que vieram da Itália
4 – Loja de Antônio Del Lama na rua Capitão Salomão
5- Inauguração da loja de Antônio Del Lama na rua Capitão Salomão, com a presença de importantes figuras da cidade
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Bravo!!!!!
Sou casada com o Pascoal Del Lama Neto, e realmente a história da família é muito interessante e cheia de detalhes contados pelo Tio Geraldo.
Bom dia a todos!
Eu tive um tio em Ribeirão Preto chamado Arlindo Del Lama.
Foi aviador e fazia manutenção de aviões.
Foi casado com a irmã de minha mãe, a Leonor Penha Del Lama.
Tiveram um único filho , Egberto, que se casou e teve 4 filhos.
Todos os 3 já faleceram.
Será que seriam desse ramo dos Del Lama?
Como saber?
Muito obrigada e uma boa vida aos Del Lama de hoje.