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Quem chega ao estádio do Comercial é recebido pelo vozeirão sonoro e animado de Antônio Carlos Milano. Falando assim, pouca gente sabe quem é.
Ele é conhecido mesmo pelo apelido que ganhou em campo, como o goleiro que ficou famoso, além das defesas, por não usar luvas. “Goleiro mãos limpas”, como ele diz. Tomires, em Ribeirão Preto. Tuniro, em Jaú, onde nasceu e começou em campo ainda menino.
No Comercial – faz questão de enfatizar – são 39 anos de história. Quase quatro décadas “vestindo a camisa” do time ribeirão-pretano, em diversas funções.
– Eu sou o faz tudo, o ícone.
Começou no campo. Entre os jogos memoráveis, aquele contra o Santos, em 1968. O cinco a zero do resultado ficou pequeno perto dos craques com quem contracenou: Pelé, Edu, Gilmar e por aí vai. Tem até uma foto em que aparece subindo na bola, próximo ao Pelé.
– Quem quiser ver, tá aí, ó!
Essa é uma das tantas histórias que Tomires tem para contar – e não se cansa. Quem chega ao estádio do time disposto a ouvir, sai com bagagem de relatos. Ele fala que, bem por isso, foi recrutado para a função da portaria, que exige paciência e ânimo.
– Eu tinha uma sala, mas vim para cá atender as pessoas, porque eu sei a história. Quando foi fundado? Quem fez o primeiro gol? E o segundo? Pode perguntar! Eu sei tudo!
Recepciona visitantes curiosos, turmas de escolas e também o entra e sai do dia a dia: associados, prestadores de serviço, jogadores. A quem se interessa, mostra as muitas fotos, registros, matérias de jornal emolduradas que trouxe da sua sala e espalhou na recepção.
“Vamô pro jogo!”, com um “o” bem enfático e acentuado no final. Os jogadores que passam por ali, em treino, cumprimentam Tomires com o jargão que ele usa nos campos. Está presente em todos os jogos. E, mais que isso, usa suas redes sociais para incentivar os ribeirão-pretanos a participarem também, a se associarem.
Tem 74 anos, “firme e forte”, como diz. Só parou de jogar cinco anos atrás, por um problema no joelho. Mesmo assim, continua à frente do time “Master”, que criou no Comercial para trazer os jogadores “da antiga” para os holofotes. São 250 inscritos, convocados para jogos amistosos mensais, no estado de São Paulo. Tomires acompanha todos – todos! – eles.
– Quantos momentos o futebol já teve? Eu tô na história!
O menino Antônio Carlos começou a jogar na rua, com traves improvisadas demarcadas com pedras e bambu.
O pai, que veio da Itália, gostava de futebol. Jogava com os amigos na quadra Dr. Neves, em Jaú. O filho tinha uns 13 anos na época e começou a acompanhá-lo. Jogavam às 5h30 da manhã, porque depois todos tinham que trabalhar, inclusive Antônio Carlos. Fazia serviços de almoxarifado em uma empresa.
Os amigos e o pai perceberam que o menino levava jeito e começaram a incentivar. O pai, aliás, nunca deixou de apoiar e acompanhar. Ficava no alambrado, provocando os jogadores adversários e a mãe na arquibancada, rezando para ninguém se machucar.
Aos 15 anos, começou a jogar para um time da cidade, em futebol de salão, e foi campeão seguidas vezes. Chamou a atenção dos “olheiros” e, aos 17, passou a treinar no XV de Jaú.
O jogo era contra a Ponte Preta, por volta de 1963. Tuniro estava no banco. Quando o primeiro tempo acabou, o goleiro titular, Inocêncio, tirou a camisa e a entregou ao jovem, dizendo que ele já estava preparado para assumir a vaga.
– Ninguém faz isso! Era uma camisa cinza! Por isso, eu sempre joguei de cinza.
Fez sua estreia e passou a jogar pelo time, onde ficou por cerca de quatro anos.
– Um grande de time de futebol começa com um grande goleiro. A responsabilidade maior é do goleiro e do centroavante, que tem que fazer o gol.
Uma frustração veio nessa época. Conta que o São Paulo queira comprar seu “passe”, mas o XV cobrou um preço alto, “parte do jogo”.
– Eu perdi a oportunidade. Podia ter jogado em time grande. Mas não era para ser…
Depois do XV, jogou no Ituveravense, de Ituverava, e em 1968 passou a jogar pelo Comercial e também emprestado para alguns times, como o Araçatuba.
Jogou até 1975, quando decidiu ir para a Grande São Paulo e trocou os campos pelo futebol de salão. Se casou, teve duas filhas e um filho, passou a atuar como corretor de imóveis e o futebol foi ficando como hobby.
Quando voltou para Ribeirão Preto, em 1987, foi administrar o Clube Poliesportivo do Comercial, além de outros da cidade. Quando o Clube do Comercial fechou, 10 anos atrás, passou, então, à função de “faz tudo”, como diz, trabalhando na secretaria do conselho do time.
Tomires já foi chamado de “muralha” em reportagens de jornais. Diz que tinha um tanto de superstições, além de alguns segredos, revelados publicamente aqui pela primeira vez.
Quando chegava em campo e se aproximava da trave, dava-lhe chutes. Primeiro de bico, depois na sola. Também cuspia na bola e a insultava.
– Não pode gostar da trave e nem da bola!
Quando conseguia brecha, passava sebo na redonda. Nas mãos sem luva, usava parafina. Combinação perfeita. Segurava todo chute e o time adversário ficava sem entender porque a bola escorregava tanto.
– Eu já treinava para isso. O pessoal queria saber quem tinha feito e eu nunca entreguei.
Diz que a opção por não usar luva foi feita também pela qualidade do equipamento disponível naquele tempo.
– A luva era de camurça, pesada, como essa de açougueiro. Hoje é leve!
As chuteiras também eram bem diferente dessas que são objeto de desejo da meninada.
– A minha chuteira era Gaêta. Dura. Furava a sola do pé. Quando chovia, ficava encharcada e era um peso! Hoje é tudo macio!
Muita coisa mudou, mas a paixão pelo futebol segue intacta.
– O futebol é tudo! Eu não ganhei dinheiro, mas o futebol me deu amigos e isso não tem o que paga. Eu vivo futebol, como futebol, é tudo!
A lista de amigos, então, é longa. A de jogadores de destaque com quem já pôde jogar é maior ainda. Tem um jogo marcante para cada time onde jogou.
No XV de Jaú foi contra o Palmeiras, por volta de 64. Um amistoso realizado em Barra Bonita. Perderam de cinco a um, mas pôde ver jogando Ademar Pantera, Rinaldo, entre outros craques. Já valeu a pena.
– O Rinaldo chutava que era um pandemônio! Ele mirou e falou: vou chutar em você. Eu nem vi onde a bola passou!
O Comercial é hoje sua casa, não há dúvida. Mas guarda um carinho especial por cada time por onde passou. Quando pode, inclusive, assiste aos jogos do XV de Jaú, seu primeiro time do coração. No último dia 15 viu o “Galo da Comarca” ser campeão do Paulista Sub 20 na segunda divisão. Foi até Bebedouro para assistir ao jogo.
– Meu coração tá no Comercial, mas meu primeiro time foi o XV. Onde eu vou, eu visto a camisa. E, por onde eu passo, sou homenageado: em Ituverava o pessoal atravessa a rua para me cumprimentar.
Modéstia à parte, encontra nesse carinho o sentido de sua paixão.
– São coisas que a gente fica feliz… sou feliz por ter essa amizade!
Até quando pretende continuar?
– Ô, menina, ameacei parar um monte de vez. Até agora eu tô continuando aí. Até a saúde não dar mais. É bom, uma distração. Tô vendo todo mundo, matando a saudade.
A história acabou? Bem longe disso! Ele tem muito ainda a contar! Quer saber quem era o jogador conhecido como “o melhor marcador do Pelé?”. É só dar um pulinho do estádio do Comercial. Tomires, com seu vozeirão animado, é sempre companhia para um bom papo futebolístico!
*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/
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