Toda história tem um começo. E o do Márcio foi nada simples.
Dono do Empório Brasília, um dos bares mais tradicionais de Ribeirão Preto, ele está sempre a contar histórias do maior freguês do local. Quase na esquina da rua Garibaldi com a Florêncio de Abreu, está a mesa do Magrão.
Uma placa talhada em madeira, homenagem celebrada com festa pelo homenageado, conta que ali era o cantinho do atleta.
Márcio Pallandri e Sócrates foram grandes amigos. E é sobre ele que Márcio mais fala a jornalistas ou nas mesas do bar.
Para essa entrevista, porém, mudou o foco. Essa é a história – ou parte dela – do Márcio. A história que levou Márcio a ser dono do “Bar do Sócrates”, como o Brasília ficou conhecido.
E ele decide, entre tanto que tem a contar, focar no começo, quando nem pensava em ser dono de bar.
Márcio fala do ontem com tantos detalhes que a gente chega a questionar: passaram-se mesmo mais de 20 anos? Faz pausas misteriosas, como se narrasse uma bela trama. E o que mais é a vida?
Trabalhando como corretor de imóveis e com três filhos para criar, foi perdendo o pouco que tinha. As vendas iam de mal a pior e até mesmo o carro velho foi vendido.
Belo dia entra na imobiliária uma mulher, em busca de um apartamento novo e pronto para morar. Márcio não tinha nada do tipo. Por pouco tempo. Na mesma tarde, um amigo avisou que estava se mudando de país e precisava vender com urgência o apartamento recém-comprado.
Márcio lembra até mesmo do jogo de futebol que cancelou porque a venda estava para ser fechada. E não foi a única vez que trocou a diversão pelo trabalho, há de se dizer. Anos mais tarde, chegou a recusar futebol com Sócrates e Chico Buarque (!).
(Mas essa história ele deixa para outro dia)
Entre o preço que o dono queria e o valor que a interessada iria pagar, Márcio poderia ter ficado com um carro para si. Apesar de todos os amigos de trabalho dizerem que não era errado, ele seguiu sua consciência. Ganhou três mil dólares da mulher como agradecimento pela honestidade.
Dias depois, mais um teste.
Estava saindo do banco quando viu uma senhora deixar cair um envelope. Se apressou em pegar e tentar avisar a mulher, mas, assustada, ela correu e chamou policiais que estavam pelo local. Márcio teve que se explicar já com as armas apontadas em sua direção. Queria mesmo devolver o envelope com R$ 30 mil dentro.
E, então, veio a recompensa.
O sogro estava vendendo o “Bar Brasília”, como chamava o que hoje é Empório. Márcio decidiu que, pagando em cinco anos, poderia tentar. Seria despejado do apartamento onde morava e não tinha mais nada a perder.
Enquanto a transição era feita, um amigo engenheiro telefonou. Márcio hesitou em atender. Pensou que o assunto era imóvel, e não queria mais saber do ramo. Por sorte, se encontraram ao acaso e o homem fez a proposta.
Pediu que Márcio coordenasse a venda de um condomínio residencial de alto padrão. Márcio explicou que seria por pouco tempo, porque não iria dar para trás na compra do sogro.
E o negócio estava feito.
Em menos de um mês, lucrou o suficiente para pagar o Brasília em um ano e recomeçar a vida.
– Se não fosse isso, eu teria demorado anos para conseguir.
Até recebeu a proposta de continuar coordenando vendas em outras cidades, o que anularia a ideia de tocar o bar. Mas manteve sua convicção. E o “Empório Brasília” abria as portas, cheio de energia para queimar.
Por um bom tempo, até conseguir reorganizar toda a finança, Márcio, a mulher e os três filhos moraram em alguns cômodos nos fundos do Brasília.
Em um ano de nova direção, o bar já tinha grande movimento. E ganhara Sócrates como frequentador.
Márcio não esconde seu encantamento.
– O bar é uma lição de vida. Eu converso com todo tipo de pessoa, com diferentes maneiras de ser e se comportar. É uma escola!
No último ano, o coração deu sustos. Passou por internação e o estresse foi apontado pelos médicos como principal causa.
Desacelerou, mas não cogitou deixar seu lugar.
– Criei meus filhos aqui e agora tenho a obrigação de criar meus netos.
Cada cantinho do Brasília tem uma história de Márcio – e de Sócrates. São quadros, fotos, um telefone antigo de ferro, desses com um gancho que parece funil. Vende todo tipo de produto, além da cerveja e das porções.
Enquanto a entrevista acontece, um homem entra e pede um abridor de latas. “Olha cara! Você deu sorte! Ainda tenho dois!”, como se um não bastasse.
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