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Templo dos macacos, Nepal, 25 de abril de 2015. Guto estava com um buda nas mãos, avaliando a compra, quando o caos irrompeu. O pânico do vendedor sinalizou que algo estava errado, o chão tremeu e os tijolos começaram a despencar. Tudo assim: ao mesmo tempo, em poucos segundos.
“Todos os sentidos do meu corpo se focaram em um único propósito: sair dali e sobreviver”, transformou o susto em palavra escrita. Saiu ileso da tragédia que matou mais de 8,5 mil pessoas e deixou milhares de feridos. Mais uma grande história para a caixa.
O lançamento do livro já tinha data, local e convidados confirmados. Presencial, como ditava a normalidade de outrora. Na semana em que “O ruído do inquieto”, de Guto Junqueira, foi para a gráfica, o Brasil entrou em quarentena pela Covid-19.
E agora?
O livro nasceu de sua inquietude integrante. A fala parece não alcançar a pressa dos pensamentos. Guto elenca um parágrafo ao outro e lá vem outra frase. O ritmo é de escalar montanhas, literalmente. A atividade que ele escolheu para acalmar a alma e, quem sabe, encontrar uma ou outra resposta para as questões que assolam a existência.
Hoje, aos 53 anos, revê o objetivo.
– Antes eu buscava respostas. Hoje, busco as melhores perguntas porque respostas nunca teremos.
E agora?
O livro traz aventuras das últimas duas décadas. O terremoto do Nepal está lá. É um apanhado de Guto: suas viagens para dentro e para fora, suas poesias, seus devaneios. A viagem mais antiga, que virou crônica, data de 20 anos atrás. As viagens de dentro começaram bem antes, na infância intensa do Guto mineiro, o quarto de seis irmãos, jornalista, comunicador.
Um livro costurado pela vida. A inquietude de Guto o levou para 25 países do mundo.
– É conviver com esses Gutos: o família, casado, pais de dois filhos; o esportivo, que sobe montanhas; o inquieto, em busca das melhores perguntas. Aos 53 anos, o resultado disso tudo sou eu lançando esse livro.
Foi preciso mudar a rota. Sua escrita leva tempo. Lê, relê, revê. Gosta dos “is” com os devidos pingos. O perfeccionismo levou um chacoalhão. A pandemia do coronavírus bagunçou os pingos. E ele foi rápido em reformular, tal qual exigem os movimentos da escalada, chegar ao Kilimanjaro, velejar pela Antártida em um veleiro à mercê do tempo, sobreviver a um terremoto no Nepal: histórias do seu livro.
– Eu e mais bilhões de pessoas tivemos nossos projetos impactados. Depois de uma, duas semanas percebi que essa normalidade não vai voltar. O mundo está passando por um movimento de readaptação, aprendizado. Vamos lançar!
No dia 16 de abril, lançou seu livro, da editora Outras Palavras, em uma live, e avisou que iria destinar o valor de venda dos 100 primeiros exemplares para o Cantinho do Céu, entidade filantrópica que atende pacientes com paralisia cerebral como hospital de retaguarda.
Um doador comprou mais 100, para que o valor da doação dobrasse e, agora, a entidade Casinha Azul, que atende crianças em vulnerabilidade, também será beneficiada. Serão R$ 6 mil doados. A meta era vender os 100 livros em um mês. Guto conseguiu cumpri-la em uma semana.
A inquietude que virou palavra, agora, se transforma em solidariedade. Havia momento mais oportuno?
Guto nasceu em Minas Gerais, cresceu em Belo Horizonte, passou as férias da infância e da adolescência na casa da família em Poços de Caldas e na fazenda, em Ribeirão Preto, onde a brincadeira e a criatividade com os irmãos e primos subia em árvores.
No documentário “O filme do meu irmão”, que produziu em 2018, conta a história do caçula dos seis, que faleceu em um acidente de carro aos 17 anos. Relata também, entre as memórias feitas de saudade, que sua avó presenteava os netos com medalhas, em campeonatos inventados pela infância. A competição e o esporte o acompanhariam pela trajetória.
– A competição pode ser salutar, mas tóxica. Tive que buscar de onde ela vinha, o significado dela e como pode ser benéfica para mim.
A família se mudou para Ribeirão Preto em 1984. Guto tinha 17 anos. As dúvidas sobre a trajetória profissional passavam por Direito, Educação Física e Jornalismo. Optou pelo último, na ECA (Escola de Comunicação e Artes) da USP, em São Paulo.
Depois que se formou, passou um ano morando na Inglaterra e viajando pela Europa. Trabalhou de barman, lavou pratos e também fez um freelancer para o Jornal da Tarde contando sobre a trilha do whisky que fez na Escócia. Registro guardado com zelo.
Em novembro de 1988, se casou com Sônia. Tiveram o primeiro filho. Se separaram em 1990 e Guto viajou para a Inglaterra em 1991. Reataram na sua volta, em 1992, e seguem juntos.
Decidiram, na década de 90, deixar a capital, trocando carreiras promissoras por uma cidade mais tranquila para criar o pequeno.
Por aqui, abriram juntos a Conceito Comunicação, empresa que celebra 30 anos neste 2020, tiveram o segundo filho, escreveram trajetória. O movimento nunca foi de linha reta. As viagens – para dentro e para fora – continuaram. As montanhas se tornaram paixão.
– Eu sempre me perguntava o que estava fazendo lá. Quando me pedem para explicar o fato de querer ir para a montanha, eu falo desse meu lado agnóstico, querer explorar a crença, o divino, seja o que for. Aquela beleza única, aquele silêncio ruidoso da montanha que te arrebata…
Não ficou em um desafio só, como se pode imaginar. Navegou em um veleiro, em busca da Antártida, fez triátlon na prova Ironman, o teste dos limites: é muita história para contar!
Foi lá, dentro de uma loja, avaliando a compra de um buda de bronze sorridente, que tudo aconteceu. De repente, o vendedor saiu correndo do estabelecimento, seguido de meus amigos brasileiros. Eu tinha ouvido um estrondo, mas me mantive quase estático, tentando entender a dimensão do que ocorria. O chão então balançou e, quando dei conta, as prateleiras e suvenires começaram a cair em cima de mim. Antes de ser engolido, tive a presença de espírito de saltar para fora da loja, mas foi difícil me manter em pé. O chão chacoalhava como num brinquedo de parque de diversão antigo. Olhei para cima e vi pedaços de tijolos despencando aqui e ali, como gotas d’água. Nesse momento, todos os sentidos do meu corpo se focaram em um único propósito: sair dali e sobreviver. (trecho do livro “O ruído do inquieto”)
Cada história que integra o “O ruído do Inquieto” tem material para horas e horas de boa prosa. Guto é uma caixa de contos fantásticos. Com o livro, abriu a tampa.
– Eu já subi montanhas, cai em gruta, sobrevivi a terremoto e não vou aguentar a pressão de me chamar de escritor? No livro, estou exposto.
Diz que para cada uma de suas expedições tem diários longos, 40 páginas cada um. Material para outros livros que virão.
– Escrever, para mim, ainda é 90% treino. Tenho que encontrar uma maneira daquilo fazer sentido. A energia que eu dedico é similar à de escalar montanhas. Se você se propõe a entrar na vida das pessoas, tem que dizer algo que tenha alguma relevância.
O segundo livro já está encaminhado.
A inquietude, aos 53 anos, vai encontrando caminhos menos íngremes. Mas nem tanto.
– Não sonho mais em subir uma montanha de oito mil metros. Pode ser uma de seis mil. Estou na terceira parte da vida. Essa energia pode ser canalizada para outras coisas, como o livro.
Com suas aventuras em palavras, sente que está deixando um legado.
– Me sinto, de alguma maneira, livre.
E agora? É seguir escalando palavras, desfazendo as montanhas da inquietude, depois de tanto tempo fazendo o contrário. Para depois (re)inverter, (re)inventar.
História, para Guto, se faz em movimento.
Viajar de veleiro para a Antártida representa um primoroso treinamento para o controle da ansiedade. Explico: por mais que tenhamos um roteiro escrito e planejado, ele é antes de tudo tentativo. Depende da poderosa natureza – ventos, correntes, ondas e gelo – se realmente chegaremos aonde desejamos. Por isso, o capitão da Fernande, o biólogo brasileiro Charlie Flesch, não cansava de repetir, quando alguém lhe perguntava para onde seguíamos: “A sailor never knows where he goes”, ou um marinheiro nunca sabe para onde vai. (trecho do livro “O ruído do inquieto”)
O livro de Guto está sendo vendido na página “O ruído do inquieto” no Facebook ou pelo zap (16) 98123-2496. Clique AQUI para saber mais sobre o projeto.
Fotos: Divulgação
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