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Cadu começou a fazer imitações quando se recuperava da segunda cirurgia na coluna. Foi um procedimento arriscado. As lesões na medula poderiam lhe custar os movimentos do corpo, que já estavam mais limitados. Em repouso, assistia aos vídeos de humoristas, programas engraçados e, passando por cima da dor, decidiu:
– Vou fazer as pessoas darem risada!
Acredita que a predileção pelos holofotes vem desde a infância. Nas festas de família, os primos corriam da filmadora JBC do tio, mas Cadu Páscoli, 33 anos, ia logo em direção às filmagens. Entre os programas preferidos, estavam “Os trapalhões”. Entre os ídolos, ainda estão os “Mamonas Assassinas”.
Lembra do dia em que, por volta dos 7 anos, o pai deixou um radinho para distrair o menino e, quando voltou, encontrou uma variedade de vozes gravadas pelo mesmo Cadu. Depois, a brincadeira era produzir programas de rádio com os amigos, utilizando o avançado botão de “rec”.
– Eu me apaixonei por gravar!
O menino que cultivava alegria viu o otimismo florescer quando o diagnóstico veio.
A rotina seguia normal. Muita risada, muito jogo de futebol. Cadu teve uma cólica de rim e, na consulta, o médico estranhou os carocinhos pelo seu corpo. Foi em 2000, quando tinha 13 anos. Encaminhado para o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, soube que tem neurofibromatose, doença genética que, entre outros sintomas, provoca o aparecimento de tumores e nódulos pelo corpo. Por um bom tempo, o quadro ficou o controlado. Ele passava por exames e consultas uma vez por ano, para avaliação.
Em 2007, estava jogando bola quando sentiu as pernas travarem. Os médicos começaram a investigar e descobriram que havia nódulos comprimindo a medula. Passou pela primeira cirurgia em maio daquele ano e se recuperou bem. Em dezembro, já estava jogando futebol, seu outro grande gosto.
Em 2009, porém, mais um susto. Os mesmos sintomas, mais nódulos e outra cirurgia. Quando estava em recuperação, teve uma anemia profunda, causada por uma úlcera no estômago, resultado dos muitos remédios que tinha que tomar.
Dessa vez, ficou com a mobilidade reduzida e levou mais tempo para se recuperar.
A namorada, Marina, já era companheira nessa época. Hoje, segue sendo, como noiva, sempre dando força. Cadu precisou deixar o futebol e o emprego como técnico em uma assistência de celulares: a rotina mudou por completo.
Durante a recuperação, dolorosa e demorada, teve a ideia de começar as imitações. Alegria cultivada. A primeira voz foi a do Sílvio Santos. Não parou mais!
A entrevista se mistura com show de stand-up. Em meio ao relato de sua trajetória, Cadu imita o Alexandre Frota cantando músicas infantis e é impossível conter a risada. O objetivo, afinal, é deixá-la sair. Depois, vem Sílvio Santos, Bolsonaro, personalidades da realidade transferidas para narrativas cômicas.
– A gente já vive em um mundo que nos dá motivos para ficar triste. Eu tento ser a contramão.
A terceira cirurgia foi em 2016. Ele caiu um tombo chegando no trabalho e a dificuldade de mobilidade se acentuou. Foi preciso colocar pinos na coluna.
Os riscos do procedimento eram grandes.
– Correu tudo bem, mas sai sem sentir o lado direito do corpo.
Entre uma cirurgia e outro, Cadu precisou se reinventar. Chegou a usar cadeira de rodas, andador, mas continuava tentando. Buscava sempre retomar os movimentos, colocava todas as energias na recuperação.
Depois da última cirurgia, foi de cadeira de rodas ao curso de locução. Se esforçou para manter a voz firme, mesmo com a paralisia de parte do corpo. Conseguiu se formar em locução e técnico de rádio. E continuou espalhando o riso.
Um dos vídeos que fez em seu canal no Youtube, Cadu de Páscoli, teve mais de 660 mil visualizações. Passou também a fazer stand-up e, antes da quarentena pela pandemia da Covid-19, estava com a agenda lotada de apresentações.
Há cerca de dois anos, se uniu a um grupo de amigos e criaram “Os preferenciais – Recuse limitações”. São cinco humoristas com diferentes tipos de deficiência, que levam para o palco as questões que enfrentam no dia a dia.
Cadu estava em uma loja, quando se aproximou uma mulher e seu filho, criança. Sem nenhum respeito, a mulher disse ao menino: “Tá vendo? Ele ficou assim porque desobedeceu a mãe dele!”, se referindo à limitação que Cadu tem para andar.
Ele, então, esperou a mulher se afastar e disse para o menino: “Vai, se você não obedecer, sua mãe vai te jogar da escada igual a minha fez”.
Aqui, escrevendo, a história é uma. Contada pelo Cadu, com entonação de vozes e personagens trabalhados, não há riso que fique fechado! Transformou essa e outras situações do cotidiano em riso. Faz humor com os desafios que a deficiência traz e, assim, deixa a vida mais leve.
– Isso mostra para as pessoas que, mesmo se você estiver um abismo profundo, tem como sair, se recuperar.
Hoje, Cadu não precisa de andador ou cadeira de rodas. Ainda não pôde retomar o futebol, mas garante que chega lá. A paralisia do lado direito do corpo melhorou e a voz sai sem dificuldades.
Conta, orgulhoso, que no ano passado passou em um concurso público, como oficial administrativo. Conquistou a vaga em primeiro lugar. Espera ser chamado para começar o trabalho. O grande desejo, entretanto, está em construção.
– Se um dia eu puder viver só de comédia, vai ser bom demais!
A noiva, Marina, é citada na entrevista, pelo menos, umas 10 vezes. A companheira de jornada não pode ficar de fora do roteiro.
– A vida colocou empecilhos, mas Deus trouxe pessoas maravilhosas, que me fazem acreditar que a vida pode ter dias bons, mesmo com perrengues.
A doença, por enquanto, está estabilizada. Ele acredita que continuará assim, de agora em diante. Continua cultivando a alegria, porém. Assim, não faltam boas sementes para florescer.
– Nada é para sempre. Nem a dor, nem a felicidade. A gente tem que saber ver momentos bons em tudo, porque tudo passa.
Fotos: divulgação
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