Agenor vendia frutas às margens do São Francisco e hoje soma conquistas

10 abril 2019 | Gente que inspira

Pedras de Maria da Cruz foi, por muito tempo, distrito de Januária, Minas Gerais, às margens do Rio São Francisco. Só se tornou município em 1992, 27 anos atrás. Nessa época, Agenor já tinha 10 anos e muita história de trabalho no pequeno vilarejo que, hoje, soma pouco mais de 11 mil habitantes.

Cresceu ali, estancando a carência com os frutos nativos e muito maxixe. A infância foi marcada por travessias. As balsas que ligavam Pedras a Januária, pelo rio Chico, foram a única via de transporte para municípios do norte mineiro, sentido Bahia, entre as décadas de 50 e 90. O tráfego era intenso. E a população ribeirinha encontrou ali uma forma de subsistência.

Os meninos e meninas vendiam frutos nativos, especiarias da região, guloseimas caseiras aos motoristas e passageiros que passavam pela travessia. Cresciam ali, entre as pesadas bacias na cabeça e a inocência que faz toda infância ser alegre. Agenor fala das brincadeiras no rio, das rabeiras nos caminhões, das miúdas felicidades.

Confessa também que não gostava dessa labuta. A mãe chegava a bater para que o menino saísse para vender. Ele queria mesmo era estudar. E, então, negociava: “Eu vou, mas volto na hora de ir para a escola”. Foi assim, brigando pelos estudos, que conseguiu deixar o sofrido município em busca dos sonhos: cursar uma faculdade, escrever livros, conquistar o – seu – mundo.

Escolheu Ribeirão Preto para seu voo, 16 anos atrás. Neste 2019, ele se forma em Jornalismo, na Unaerp, segunda graduação.

Primeiro, fez uma porção de cursos técnicos – o que o bolso podia pagar. Conforme foi conquistando vagas de emprego melhores, entrou em Pedagogia. O sonho sempre foi o Jornalismo, mas, na época, o salário não dava para as mensalidades mais caras.

Tudo que conquistou foi com uma garra que não cabe em nenhuma balsa.

Conta que trabalhou fazendo entregas para um supermercado e “tinha dia que chorava” porque o corpo ficava doído.

– Eu sempre fui muito sonhador… e pensava: será que vai ser isso?

Mostrou que poderia assumir outro cargo e foi contratado para o caixa, depois atendimento ao cliente e fiscal de caixa, função de coordenação. Conseguiu uma vaga como escriturário de um sindicato e, recém-formado em Pedagogia, assumiu a diretoria de uma escola infantil particular, onde ficou por quatro anos.

Quer mostrar que sua travessia não foi em vão.

Agenor se perde em meio aos tantos pensamentos que tem: vontade de ir além, questionamentos, dúvidas, anseios. E fala sobre tudo isso, junto e misturado. Escreveu um livro, “Travessias do São Francisco”, para contar a história da sua cidade, e um pouco da sua. Agora, se prepara para lançar outra obra. O tema surgiu dos nove dias em que esteve em coma, no ano passado.

O sonho de hoje é viver do Jornalismo, que é paixão. E dar à filha de nove anos as possibilidades que não pôde ter, lá na cidadezinha que faz margem com o velho Chico.

Tempos atrás, com as contas apertadas e faltando emprego, pensou até em voltar a viver em Pedras. Depois, repensou. Matutou. E matutou de novo. Decidiu continuar lutando. Travessia é para frente, aprendeu cedo.

Agenor Unaerp Ribeirão Preto

Agenor não passa apuro. Sabe lavar, passar, cozinhar, “tudo que é de casa”, como diz. Precisou aprender de pequeno. O pai morreu quando ele, o caçula, tinha sete anos.

Os cinco irmãos mais velhos foram saindo de casa, um a um, em busca de melhorar a vida. Ele, ainda menino, ajudava a mãe, que lavava roupas no São Francisco. A carência atingia todos os pontos: do estudo à barriga.

– Eu comia o que sobrava nas casas em que ela lavava roupas. E às vezes não comia. A gente vivia do maxixe e dos frutos nativos.

Além da venda às margens do rio, ele conta que chegou a ir em uma fazenda de algodão, trabalhar no plantio. O caminhão passava na madrugada e os meninos subiam com a marmita em colo. Só voltavam quando escurecia.

– Eu fui uma vez só. O meu sonho era estudar. Como eu ia fazer?

Negociava, então, a carga horária das vendas com a mãe, mulher muito simples, que não pôde ter qualquer estudo.

– Minha referência de vida é minha mãe. Eu honro minhas origens, o lugar de onde eu vim.

Agenor encontrava brechas no tempo para se dedicar também às artes. Montava peças de teatro, participava de apresentações, foi ficando conhecido na cidadezinha por tanta vontade de romper as pedreiras do rio.

Foi se engajando cada vez mais nos movimentos culturais e sociais que tanto gostava. Com seus 14, 15 anos já tinha um grupo próprio de teatro. Aos 17, assumiu um projeto social na prefeitura. Quando tinha entre 18 e 19 anos, tomou a decisão que ainda hoje aperta o peito.

– É uma mistura. Bate a saudade dessa origem simples, desprendida. Mas a nossa região é muito sofrida… para conquistar os meus sonhos, eu tive que sair…

Primeiro, tentou a sorte em São Paulo. Não deu certo. Voltou para sua terra. A namorada, que hoje é esposa, tinha família vivendo em Ribeirão Preto e sugeriu que os dois tentassem a vida por aqui. Chegaram em 2003.

Ela é professora e ele foi se encontrando entre o trabalho e o estudo. Quando as contas apertavam e ele pensava que não seria possível continuar a faculdade, vinham as mãos amigas daqui, de lá.

No ano passado, o susto que irá render livro. Conta que passou nove dias em coma e um mês internado por uma pneumonia. Reviu a vida, correndo risco de perdê-la.

–  Ser desenganado pelos médicos, sair do coma… é uma história motivadora! Hoje eu sei que a vida é impulso.

Agora, está em busca de recursos, patrocínios para mais um projeto sair do papel. Ou seria virar papel?

Agenor Unaerp Ribeirão Preto

– Eu escrevo porque tenho muitas ideias na cabeça e preciso externar tudo isso. Se não faço nada com elas, eu piro. Na escrita, me encontro.

Lançou o livro “Travessias” na cidade que dá vida à narrativa, em 2017. Conta que foi recebido com festa e pompa em Pedras de Maria da Cruz. Dos 500 exemplares que conseguiu imprimir, com patrocínio, sobraram pouquíssimos, para acervo da família.

– Eu me considero um lutador. Continuo sonhando muito, tendo muitas ideias. Ainda vivo uma luta, mas mesmo com toda essa luta, busco ser protagonista da minha história

Entende que viver só vale a pena quando se deixa um legado.

– Eu não quero partir dessa vida sem deixar um marco. Desde pequeno, nunca gostei de bastidores.

Guimarães Rosa citou Pedras de Maria da Cruz em seu clássico Sertão Veredas. A cidadezinha é hoje parte dos circuitos culturais do rio São Francisco. A margem de onde saíam as balsas se tornou um ponto turístico, com “o melhor peixe frito da região”, nas palavras que Agenor escreveu. Há um quiosque, barraquinhas que continuam vendendo as especiarias da região.

História que Agenor quer sempre eternizar. A travessia continua, em outras embarcações.

 

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4 Comentários

  1. Agenor Filho

    Gente, emocionei, agora! Muito obrigado pela história!

  2. Aline

    Continuo me- apaixonanão cada vez mais com suas histórias e nossas história de pedras de maria da cruz. Emocionante. Parabéns.

  3. Dilson

    Muito bom, tive a honra de trabalhar com Agenor frente ao Portal do Alvorada, percebia a sua capacidade e vontade de crescer, parabéns meu amigo!!
    Sucessos!!

  4. Eder Gonçalves pereira

    Parabéns Agenor muita paz e saúde na sua vida que Deus continue dando muita sabedoria, susseço

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