– Em relação aos segredos, eu sou uma caixa preta de Ribeirão Preto!
Amir Calil me procurou inconformado quando soube que conto as histórias das pessoas de Ribeirão Preto: “Como assim minha história ainda não está aqui?”, me questionava.
Depois, entendi que havia razão. Difícil citar um nome da cidade que o colunista social que já ganhou até título de “arroz-doce de festa” não conheça.
– Como eu me defino? Uma pessoa normal, comum!
Sua casa, por si, é uma história completa.
Avisa que sempre gostou de colecionar e pensa em doar suas peças a um museu. Uma santa que era da sobrinha de Tarsila do Amaral. Um puxador que ficava na porta da casa de Washington Luís, na avenida Paulista. A mesa onde a rainha do café de Ribeirão jogava baralho. Um banco que pertencia às freiras carmelitas de Olinda e deve somar mais de 300 anos. Um dos primeiros relógios de ponto de Ribeirão. Uma quantidade de louça suficiente para uma grande festa em estilo colonial. E eis aqui uma lista – BEM – reduzida.
Em cada canto, há um detalhe, um motivo para conversa, um questionamento.
– Tá vendo esse quadro de Jesus abrindo os olhos? Eu trouxe da Líbia!
Garante que não tem apego a nada, porém. Empresta para os amigos, recebe muita gente em casa e coloca tudo para o uso. Almoça em prato inglês com talheres de prata diariamente. E também toma café em xícara de barro com gosto.
Entre polos, já esteve na posse da ex-presidente Dilma Rousseff, jantando com “reis, rainhas e majestades”, como diz. E nos botecos mais simples dos bairros de Ribeirão.
– Eu sento no chão, como torresmo, tomo pinga. É isso aí!
Faz uma soma e chega a 25 colunas que ainda hoje assina, entre jornais, rádios e TVs em toda região de Ribeirão Preto. Como bom colecionador, coleciona também as colunas que escreve. Tem um cômodo em casa repleto de arquivos com jornais de cidades de toda a região: são milhares de exemplares!
Houve uma época em que ia em festas todos os dias. Mais de uma por dia, não raro. Casamentos, aniversários, baladas: alguns para escrever, outros só para prestigiar. Por pedido do convidado, preocupado com o que poderia sair de sua opinião ácida e sincera.
– A coluna social não me abriu portas. Pelo contrário. Perdi amigos. Alguns tem medo de me convidar para a festa e eu falar alguma coisa. De março a outubro de 2017 eu fui em 22 casamentos. Não pude escrever sobre um!
Até o ano passado ainda anotava: eram 72 afilhados de casamento.
– Eu faço um desafio: saímos eu, o prefeito, o presidente da Câmara e mais quatro jornalistas. Vamos do Ribeirão Shopping até uma comunidade. Quero ver quem é mais abraçado! Eu gosto muito do povo! Gosto de ser humano!
Hoje, diz que está mais seleto para os convites, apesar de ainda ter eventos todos os dias. Não tem agenda, não. Guarda tudo na cabeça. Mas vez em quando ela falha e ele chega no dia seguinte ao aniversário da terça. Motivo de risada e mais história!
Dos enterros, porém, não consegue abrir mão. Difícil a semana em que não tenha dois funerais e uma missa de sétimo dia na agenda mental.
Às quartas-feiras, canta bingo em igrejas.
– Eu não cobro nada por isso. Vou porque gosto. A mulherada adora!
Diz que é chamado de doido por uns e outros. E não se incomoda, porque faz questão do motivo.
– É porque eu falo tudo o que eu penso. Sou estabanado, agitado, não guardo nada.
Nessa sinceridade, é do tipo que ou se gosta muito, ou se desgosta de vez. E segue a tendência com as pessoas com quem escolhe conviver.
– Sou do signo de Leão. E bravo como um leão. Tenho o coração deeeeeesse tamanho. Mas não me enche o saco!
Não faz cerimônia. Conta, em bom tom, que adora receber uma homenagem. Seu escritório é repleto de títulos e agrados em forma de placas e troféus.
– Faz bem para o meu ego!
E a gente fica se perguntando onde está a “pessoa comum” que ele diz ser. O comum de Amir Calil é excentricidade da cabeça aos pés! Como é que sua história ainda não estava aqui?
Amir conta que quando tinha 10 anos foi requisitado para fazer uma campanha em prol de uma creche pelas integrantes da liga das senhoras católicas de Ribeirão.
Nessa época, ele planejava ser engenheiro e nem sonhava em escrever colunas.
Cresceu em Ribeirão, brincando nas ruas dos Campos Elíseos.
Seu pai veio do Líbano. E sua mãe é de família síria. Se conheceram por aqueles acasos que nada tem casuais.
– Ele veio para Ribeirão pegar um trem para visitar a namorada em Altinópolis. Viu minha mãe e não quis ir mais. Estão casados há 63 anos.
Amir nasceu em 1964, único homem entre as três irmãs. O pai era cerealista e ele conta que, apesar de terem uma situação financeira estável, sempre que queriam algo tinham que trabalhar para ganhar.
– Se a viagem era R$ 500, a gente ganhava R$ 100 trabalhando e ele dava o que faltava. Mas tinha que batalhar. Ele ensinou isso.
Aos 18 anos, entrou na faculdade de engenharia civil, como planejado, e estagiou na área. Mas quando soube que a Folha de São Paulo iria lançar o caderno nordeste, em 1990, o gosto pela leitura falou mais alto.
– Ribeirão Preto teria um bom jornal!
Mandou currículo para a vaga de gerente de circulação, mesmo sem experiência na área. Brinca e se emociona:
– Como não tinha equipe, tiveram que me contratar! Devo muito do que eu tenho à Folha. Nunca esqueço de quem me ajudou. Sempre ligo no Natal, no aniversário.
Entrou como gerente de circulação e foi crescendo de cargo. Chegou à gerente nacional de venda avulsa e passou um tempo morando em São Paulo, mas diz que se sentia muito sozinho. Nessa época, conheceu a família de PC Farias e aceitou o convite para trabalhar na Tribuna de Alagoas em 1996.
– Eu que ajudei a organizar a missa de sétimo dia do PC Farias.
Paulo foi assassinado, após vir à tona o esquema de corrupção que levou ao impeachment de Fernando Collor de Mello. E Amir decidiu se mudar novamente. Passou dois anos como gerente de circulação de um jornal de Campinas antes de decidir voltar para Ribeirão Preto, em 2000.
– Eu quis voltar porque aqui eu me sinto o dono da cidade. Eu conheço o prefeito, o lixeiro, o padre. Todo mundo!
Por aqui, passou a trabalhar no Jornal Verdade, do Wilson Toni, mas a ideia inicial era continuar na área de vendas. Quando surgiram as primeiras colunas sociais no jornal, percebeu que gostava daquilo.
– Minha primeira coluna foi com uma colega. Depois, fiz algumas edições no Tribuna e comecei mesmo minha carreira no Jornal do Condomínio. Todo mundo queria receber!
Amir conta que nesse início não se ganhava para fazer coluna social.
– Era um hobby caro. Por isso comecei a fazer eventos!
Passou a organizar festas como o pré-Carnaval, que ficou conhecido entre os nomes de influência na cidade.
Em 2004, conta que foi contratado como o primeiro colunista social do Jornal A Cidade, sendo remunerado pelo que tanto gostava de fazer. E aí passou a atuar em rádios, TVs e mais recentemente também nas redes sociais.
– As pessoas acham que tem glamour no colunista social. Mas não tem. É igual a todas as profissões. Igual a todo mundo.
O convite para a posse da ex-presidente foi conquistado sem pudores. Conta que mandou um e-mail bem direto para o Palocci, se apresentando como amigo do irmão dele.
– Ele respondeu no mesmo dia! Lembrou de mim na hora. E disse que seria o maior prazer!
Relata que abraçou Lula, jantou no Itamaraty e, o principal, curtiu a festa.
Em termos de política, garante que, independentemente de partido, se dá bem com – quase – todo mundo.
O quase enfático vem do seu rompimento com a ex-prefeita (que agora está presa) Darcy Vera. Ainda fala com mágoa do entrevero.
– Eu já chorei muito por ela. Mas Deus faz tudo certinho!
Além de Darcy, tem mais umas 10 pessoas na lista dos desgostos, como diz.
– São uns 10 que me fizeram mal, me prejudicaram.
E avisa:
– Uma coisa muito feia da minha parte é que eu não sei perdoar. E nem quero ser perdoado. Então, eu rezo o Pai Nosso numa boa. É que nem pessoa invejosa! Pega na gente!
Dá para conter o riso? A conversa, assim como Amir, é autêntica.
– Eu tenho meus momentos de tristeza, mas sou muito alegre!
Entre os ‘furos” como colunista, cita a descoberta de que uma das obras da família de Portinari seria doada para o Rio de Janeiro.
– Saiu até em jornais internacionais!
Viajou para países do mundo todo. Mas também já percorreu cidades da Bahia de ônibus, prestando atenção nas pequenezas do interior.
Para o futuro, quer continuar viajando, trabalhar para entidades e, depois dos 60, se aposentar das colunas e “viver de aluguel”, como diz.
Está pleiteando na Justiça uma casa para transformar em museu.
– Eu quero fazer isso pela cidade.
Diz que gosta de ser solteiro pela liberdade de chegar na porta de uma festa e, se quiser, voltar para casa sem entrar. E confessa que já polemizou nas questões afetivas, mas se arrepende.
Não acredita em livre arbítrio.
– Eu acredito que a vida está mandada. A gente tem que saber o que Deus manda para gente! Eu sou muito católico, mas acredito em reencarnação.
No fim, ele me dá a notícia de que um entrevistado muito querido havia falecido, sempre atento aos obituários. Tomamos um suco de melancia em seus copos bonitos. E, antes de eu ir embora, ele ainda me mostra mais umas três ou quatro peças repletas de histórias.
Amir é uma figuraça! E agora sou eu que pergunto: como é que eu ainda não havia contado essa história?
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Vc, amigo, é tudo isso mesmo, adoro sua compania, sucesso sempre! ????