Ana Cândida: paixão por tudo que tem história

1 abril 2022 | Destaque, Gente que inspira

por Daniela Penha

Aviso: este texto contém altas doses de parcialidade.

E não poderia ser de outra forma. A começar pela entrevista, tudo rompeu com o convencional. Pela pandemia, a conversa foi por vídeo. Como entrevistada e entrevistadora já se conheciam de boa data, as interrupções do home office – cachorro latindo e marido chegando – renderam risadas gostosas e assuntos que, não fosse o apressar do relógio, se estenderiam por muitas tardes.

Cá estou para escrever sobre alguém por quem carrego altas doses de carinho, além de uma trajetória de parceria que já rendeu três livros, duas exposições e um tanto de ideias (algumas realizáveis e outras que existem só para divertir, como a de vender nossa arte na praia).

Comecemos, então, pela parte que mais me toca. A Ana Cândida, jornalista que soma 23 anos em assessoria de imprensa, mergulhou também nos trabalhos de edição. É a editora dos meus três livros “História do Dia” e de outros de tantos autores, que estão ganhando forma com o trabalho da Outras Palavras.  

Trabalho esse que nasceu quando a “Aninha”, como é chamada em família, era, de fato, “inha”, crescendo rodeada de livros e pensamentos que libertam.

Filha de pais professores, apaixonados por leitura, histórias e memórias, Ana cresceu pensando que a biblioteca – e o hábito de ler sempre – era fatia constituinte das casas.

– Isso fazia parte naturalmente da minha vida. Nós dividíamos um banheiro, para quatro filhos, mas havia uma sala para os livros e eu achava lindo ler. Já maiorzinhos, sempre que a gente pedia algo de marca, minha mãe lia o poema “Eu, etiqueta”, do Drummond, mostrando para a gente o que é importante.

“Estou, estou na moda.

É duro andar na moda, ainda que a moda

seja negar minha identidade,

trocá-la por mil, açambarcando

todas as marcas registradas,

todos os logotipos do mercado.”

Ana Cândida Tofeti

Ana Cândida Tofeti é a caçula de quatro filhos. Nasceu de parto natural, no dia do aniversário de sua mãe, Beatriz Tofeti: 21 de julho de 1973. Por isso, cresceu ouvindo que é o seu presente. Também por ser a caçula, de uma gestação um tanto complicada, colocou na cabeça que “presente não pode desagradar” e, desde então, cultivou uma de suas características. Ana é aquela que não cria problemas, busca ao máximo resolvê-los.

Foi assim quando se encantou pelas aulas de ballet. Acompanhava a mãe, que dava aulas de catequese, e ficava espiando os passos da professora de dança Célia Godoy.  

Quando a professora lhe convidou para fazer aulas, foi logo dizendo que não podia onerar seus pais com essa preocupação. Ganhou uma bolsa e a admiração da dançarina.

Dançou até a adolescência, se apresentando nos teatros mais bonitos de Ribeirão Preto e até de São Paulo.

O encanto pelas letras se fez mais forte, porém. Pelo caminho, encontrou outras inspirações, além dos pais. A professora de Língua Portuguesa Marisa Gianechini Gonçalves de Souza, que anos depois esteve inclusive em seu casamento. O professor de teatro, José Maurício Cagno, e outras tantas mestras e mestres que foi somando ao longo da trajetória escolar.

Somados a eles, estiveram os vizinhos do bairro onde cresceu, Alto da Boa Vista, em Ribeirão Preto. As casas de portas abertas, a criançada brincando na rua, as apresentações de teatro improvisadas formavam o cenário de um mundo todo Ana.

– Desde essa época eles falavam que eu era muito comunicativa. ‘Você vai ser repórter’, a gente vai acreditando.

Acreditou também em outras verdades que moravam por ali.

– Eu cresci em um ambiente de muita cooperação e achava que todo mundo era assim, que todo mundo era bom.

Entrou em Jornalismo na Casper Líbero e aos 17 anos, em 1990, se mudou sozinha para São Paulo. A fala de um professor, após ler seu texto, ficou marcada. “Você é muito Cândida, faz jus ao seu nome. Acredita muito na humanidade. Não vai ser uma boa jornalista”.

Na época, o comentário rendeu uma boa discussão. Hoje, aos 47 anos, criou outros sentidos para a mensagem.

– Ele quis dizer que eu iria sofrer. Que é preciso ter um pouco mais de senso crítico. Eu tinha que desconfiar mais da humanidade.

Aprendeu, com um tanto de choro e muita trajetória vivida, que é preciso desconfiar. Mas – e isso é uma das coisas que eu mais admiro nela – é preciso, ainda assim, confiar sempre. É uma esperança que nós, apaixonados pelas pessoas e suas histórias, insistimos em guardar. A chama sempre acesa que faz brilhar nossos olhos.

A Ana é assim. Há alguns anos, quando chegava para uma reunião em um cliente, um garoto em situação de rua lhe pediu uns trocados. Olhou na bolsa e tinha R$ 50, mas precisava de algumas notas para pagar o pedágio de volta para casa. Já há algum tempo mora em Batatais e, diariamente, faz a ponte rodoviária entre a pequena cidade e Ribeirão. Confiou, então, a nota ao garoto. Pediu que ele trocasse e lhe devolvesse o valor do pedágio. O menino não voltou.

– Eu continuo, a princípio, acreditando. Não consigo acreditar que as pessoas não têm algo de bom.

Em outro momento, porém, foi o moço que vende biju no sinaleiro que lhe emprestou o dinheiro do pedágio. Percebeu que estava sem uma nota, já apressada a caminho de casa. O moço, então, confiou que no outro dia ela retornava. A vida é ir e vir, mesmo quando uma das rotas falha.

Começou a trabalhar no jornalismo ainda no primeiro ano da faculdade. Ficou quatro anos no Diário Popular de Rádio Escuta, em São Paulo.

– Foi a minha maior escola!

Nesse tempo, não havia computadores e Google com pesquisas em um clique. Máquina de escrever, fax e arquivo eram os aliados dos jornalistas – o que para mim, jornalista formada já na era digital, causa um grande espanto!

– Não consigo me ver em outra profissão. Eu sou uma pessoa que conta e ouve histórias. O jornalismo é dar espaço para o outro se manifestar e, com isso, criar um ambiente de pluralidade que torna o mundo melhor.

Em 1996, já pós-graduada, voltou para Ribeirão Preto, de casamento marcado com o companheiro Eduardo Oliveira, que conheceu na adolescência e com quem, hoje, soma 33 anos de história.

Voltou a convite da sucursal do jornal Folha de São Paulo, onde assumiu vaga como repórter para cobrir política em ano eleitoral, além de matérias para a editoria de cultura. 

Ali, entendeu que queria fazer outro tipo de Jornalismo, que ainda não encontrava espaço no Hard News.

– Notícia boa também é notícia. Eu não fiz Jornalismo para noticiar só o que é ruim.

Perdeu um primo muito querido em uma situação trágica e descobriu na redação, quando escutou uma colega de trabalho dizendo: “Oba! Morreu um grande! Vai dar capa!”.

– Jornalista, às vezes, é cruel, gosta de notícia ruim. Eu me questionei. Acho que estou na profissão errada…

Não estava. Era mesmo uma questão de ajuste.

Recebeu uma proposta de trabalho na Revide, por intermédio de jornalista que, ao telefonar para o jornal, lhe encontrou chorando ao telefone durante a jornada. Começou em junho de 1996.

– Ali eu consegui me encontrar! Tinha tempo para apurar a matéria, entrevistei pessoas maravilhosas. Eu queria contar histórias, não necessariamente as ruins.

Trabalhou por quatro anos na redação da revista até migrar para a Outras Palavras Comunicação Empresarial, em 2000. Entrou como funcionária e depois, quando os antigos donos, Galeno e Mariângela Amorim, tomaram outros caminhos, assumiu a empresa em sociedade com um colega de trabalho. A parceria acabou em 2014 e, desde 2015, é ela quem gerencia o negócio.

– A história da Outras Palavras começa antes de mim e eu acho isso importante. Quando algo é verdadeiro, vive independentemente de quem está à frente. Eu valorizo essa história.

Ana Cândida Tofeti

Com a equipe, cultiva carinho e amizade. A Gi, funcionária mais antiga, está presente desde a antiga gestão.  

– As coisas vão conspirando para eu acreditar que o Jornalismo pode ser feito de boas notícias, exemplos bons.

Com a comunicação empresarial, atendem empresas e clientes diversos. 

– O assessor é a pessoa que olha para o cliente e consegue enxergar o que pode virar notícia e o que não pode. Notícia é prestação de serviços, não é só para você. Além disso, é também trabalhar com a prevenção do que pode gerar crise para um cliente.

Há 10 anos, embarcou também no trabalho de edição de livros, somando mais de 40 títulos diversos de autores locais. Foi aí que nossa história se cruzou.

Eu já havia tido contato com a Ana quando era jornalista no A Cidade, entre matérias que produzi e ela assessorou. Já depois de criar o História do Dia, após 10 meses de trabalho e quase 200 histórias publicadas, enviei um release falando sobre essa produção. A Ana me ligou: “Vamos fazer um livro!”. E fizemos. Três!

Pude, então, conhecer um pouco da assessora de imprensa que tanta gente elogiava nas redações. Além dela, conheci a mãe coruja e apaixonada da Maria e da Antônia, a filha da querida dona Beatriz, a guardadora de memórias que coleciona pequenos retalhos de vida, aquela que sempre acalma o maremoto com as figurinhas mais engraçadas do Whatsapp ou em palavras: “Vai dar tudo certo”, é o mantra.

– As coisas, para mim, têm que ter significado. Nada é por acaso, superficial, líquido.

Continuamos nesse processo de conhecimento constante que é uma boa amizade e parceria. Ana tomava uma coca-cola zero na entrevista – sua companheira de jornada. Decerto, calçava um sapato bem bonito – outra paixão bem sua.

Terminamos sem abraço, mas com muito carinho essa entrevista nada convencional em que pude ouvir uma amiga contar sobre sua vida. Hoje, escrevo sobre ela com muita imparcialidade. 

FOTOS: Divulgação

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5 Comentários

  1. Flávia Lima

    História do dia linda. Me emocionei várias vezes, estremeci com a notícia do primo gritada como um trunfo na redação. O jornalismo às vezes é ruim, mas tem coisas deliciosas, sim, como as que vocês fazem. ???

    • Jaque

      Adorei o texto e a história. como é bom ler uma história interessante, bem escrita. Não tem como não se emocionar. Parabéns duplos!

  2. Piti Meinberg

    Linda história de vida.
    Que bom ter vc comigo nessa missão de dar continuidade.ao maravilhoso trabakho do Voluntariado.

    Bj carinhoso ??

  3. Maria Angélica Martins

    Homenagem mais que merecida, pela profissional brilhante que é e pelo ser humano sensível, correto é raro que tanto nos ensina! Parabéns!

  4. Elisa Silva Cardoso Montes

    Você soube descrever muito bem a Aninha, sua essência e o dom que Deus lhe deu para agregar, somar neste mundo e sempre ajudar! Como mulher, mãe e jornalista! Amei ler cada palavra da sua história… Vocês duas estão no caminho certo! Parabéns.

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