Aos 72 anos, Luiz Fernando Lufe é repórter policial e não pretende parar

30 março 2020 | Histórias do Proac 2019/2020

Texto e fotos: Alice de Carvalho Leal

 

A trajetória na televisão começou há cerca de 14 anos. Em abril de 2006, Luiz Fernando Ferreira recebeu uma ligação que não esperava. Era Roberto Ribeiro, diretor de jornalismo do Sistema Clube de Comunicação, com um convite: fazer parte da equipe de reportagem do Jornal da Clube.

Prestes a completar seis décadas de vida, Luiz, que pensava já estar perto de encerrar as atividades profissionais, topou.

No dia primeiro de maio daquele ano, deu início a um capítulo da história que não tem data para terminar. Ganhou até um novo sobrenome, que o acompanha desde então e se tornou marca registrada: Lufe, “Lu” de Luiz e “Fe” de Fernando, criado pelo próprio Roberto.

– Onde eu vou, as pessoas falam o jargão: Luiz Fernando Lufe, para o Jornal da Clube. Acho um sarro!

O plantão começa às seis da tarde. De segunda  à sexta-feira, Lufe passa as noites correndo atrás de notícias. Acidentes, homicídios, roubos: são tantos crimes noticiados que a memória chega a falhar. Só não esquece da primeira matéria marcante realizada  através das câmeras.

Logo nos primeiros meses de trabalho, aconteceu um assalto à residência, no Jardim São Luiz. Passava das oito horas da noite, quando dois bandidos invadiram a casa. Lá dentro, fizeram um casal refém. Não demorou até que a polícia chegasse.

No primeiro diálogo para tentar libertar os moradores, os criminosos fizeram um pedido: eles queriam a presença do Clube Verdade, programa de rádio e TV do jornalista Wilson Toni, que havia falecido recentemente.

– Como eu trabalhava lá antes, o capitão da polícia, na época, me ligou e passou o endereço da casa para que eu corresse até lá. Por sorte, ainda tinha o crachá do programa e fui.

Ao chegar no endereço, acompanhado do repórter cinematográfico e com o crachá nas mãos, encontrou uma cena de filme. A polícia estava articulada na parte de fora da casa, enquanto um bandido segurava o revólver na cabeça do homem no alpendre da casa. O outro estava com a mulher na cozinha, mas não era possível afirmar se também possuía arma. Os criminosos queriam que o repórter entrasse na casa.

E ele entrou. Os policiais foram na frente com uma espécie de escudo, Lufe e o repórter cinematográfico vieram logo atrás. Tudo estava sendo filmado. A essa altura do campeonato, todas as emissoras da cidade já estavam posicionadas em frente à residência para registrar o fato. A negociação foi intensa. Enquanto o policial falava, o repórter complementava. Os bandidos chegaram a largar as armas, mas retomaram. E a agonia parecia não ter fim.

Quando perceberam que estavam perto do fim, os policiais retiraram a equipe do interior da residência. Momentos depois, os dois criminosos se entregaram.

– No dia seguinte, o jornal teve uma edição especial. Depois da matéria, meia hora foi separada para uma mesa redonda sobre o assunto entre o diretor de jornalismo, o capitão da polícia que esteve na ocorrência, um advogado criminalista e eu.

O jornalismo sempre correu pelas veias de Luiz Fernando. Ele só não encontrou, desde o início, um meio de se dedicar a ele.

Jornalista Lufe TV Clube Ribeirão Preto

De família humilde, natural de Casa Branca, via a dificuldade enfrentada pelos pais para cria-lo e à irmã mais velha. O pai trabalhava em uma empresa de ônibus do Estado, fazia a linha Ribeirão Preto/Uberaba. Esse era o único sustento da casa.

– A empresa não pagava direito, vivia atrasando salário. A gente era muito pobre, morava em uma casa que dividia banheiro com a casa vizinha.

A situação, segundo ele, só começou a melhorar no início do governo Paulo Maluf, quando conseguiram se mudar para uma residência melhor. Aos 16 anos, Luiz Fernando ingressou como cadete no time juvenil do Comercial Futebol Clube de Ribeirão Preto. Naquela época, o sonho do menino era ser jogador profissional, mesmo sabendo que precisaria se esforçar muito para se destacar em meio aos colegas gabaritados.

– Jogava o Eurico, Tadeu… o nível dos caras era altíssimo. E ainda assim eu me saí bem!

Foram três anos dando o máximo de si dentro dos campos. O sonho chegou ao fim em uma preliminar contra o time de Cravinhos. No primeiro tempo, Luiz Fernando fez dois gols. Até que na virada do jogo, bateu a cabeça com outro jogador e desmaiou. Precisou ser atendido por médicos do time adversário no vestiário e passar por uma bateria de exames. O pai, então, o proibiu de voltar a jogar.

Luiz Fernando se viu obrigado a buscar uma nova paixão. Era meio indeciso em relação ao que deveria estudar. Entrou para o tiro de guerra e resolveu cursar Odontologia. Seria ele dentista? Não. Abandonou a ideia e optou pela faculdade de Letras. Agora vai? Também não. Não gostou muito do curso. Depois, ingressou na graduação de Matemática. Aí sim!

– Ainda não tinha muito recurso financeiro e não era um bom estudante, então, já viu, né?

Conquistou o primeiro emprego formal aos 19 anos, no Departamento de Água, Esgotos e Telefonia de Ribeirão Preto. Foi quando sentiu uma paixão despertar: o rádio. Iniciou sua jornada na Rádio Colorado, conhecida por despontar novos talentos.

– A Colorado era uma escola, a maioria dos profissionais começava lá.

Se desdobrava para aprender o máximo que conseguia e, em pouco tempo, começou a se destacar. Luiz Fernando chamou atenção de um novo grupo que se formava na cidade, a Rádio Cultura, que fazia parte das coligadas de São Paulo.

O time estava ganhando grandes nomes do rádio à época e ele não ficou para trás. Entrou como repórter geral, ou seja, fazia de tudo e mais um pouco. Política, polícia, esporte… começou a criar uma rede de relacionamento, principalmente com policiais. Não imaginava o quanto isso seria importante décadas à frente.

Após a descoberta de uma nova paixão, foi a vez de encontrar o grande amor. A rádio passou por uma mudança de endereço. Agora, estava localizada na rua Visconde de Inhaúma, 401. Bem ao lado, no 403, morava Inês, a menina que ganhou o coração de Luiz Fernando nas primeiras trocas de olhares.

– Ela tinha um namoradinho, mas logo eles largaram. Começamos a namorar em 1969 e nos casamos em 1974!

No primeiro ano de trabalho, foi logo premiado: além da companheira de vida, ganhou também o primeiro troféu como repórter revelação.

– Naquela época, ganhar troféu era a coisa mais maravilhosa. Era entregue na Cava do Bosque, lotada de gente para ver os jornalistas receber a premiação.

O futuro parecia estar traçado. Quando pensou em deixar a faculdade de Matemática para cursar jornalismo, recebeu uma proposta ousada, que mudou seus rumos profissionais. O gerente da rádio estava deixando o cargo para montar uma empresa de piscinas e o convidou para ser representante comercial com 10% da sociedade. Ele, com 21 anos, comunicativo, desenvolto e já conhecido na cidade, topou.

– Eu ganhava pouco na rádio, malemá conseguia pagar os estudos. A empresa chamava Sauna Lar, fabricava aquecedores de piscinas, saunas.

Os negócios tomaram grandes proporções. Luiz Fernando viajava o Brasil inteiro vendendo e abrindo novos representantes, sempre com o rádio ligado.

Para conseguir se formar como matemático, precisou encontrar atalhos para a falta de tempo nos estudos. Confessa que chegou a copiar trabalhos e a colar nas provas . Até tentou não se distanciar do rádio. Durante um ano, foi repórter de campo da PRA-7. Fazia os jogos de futebol de quarta-feira, sábado e domingo.

– O Faustão trabalhava na Jovem Pan, ele ficava com o time grande e eu com o time pequeno. Mas eu não aguentei muito tempo, fiz até 1970 e abandonei.

Passou, então, a se dedicar somente à empresa de piscinas. Nesse meio tempo, teve três filhos – Mateus, Mércia e Lufinho. Tudo ia bem. Foram quase 20 anos estáveis, até a morte de um dos sócios. Começaram os desentendimentos entre ele e o outro sócio e Luiz Fernando resolveu abandonar a Sauna Lar.

– Saí em 1990 e não recebi um centavo. Fiquei em uma situação meio difícil, tinha os três filhos em escola particular. Precisei arrumar um jeito de recomeçar.

Ao lado de um novo sócio, montou uma empresa de prestação de serviço com fibra de vidro na Av. Costa e Silva. Enquanto saía para vender, a esposa ficava no escritório ajudando. Faziam reparos de todos os tipos e atendiam grandes empresas. Depois, passou para um prédio na Av. Caramuru, mas o dono precisou do terreno e a loja acabou fechando.

Foi quando ele teve a ideia de procurar por um velho amigo, um vereador, pensando em retomar o trabalho no rádio. Ele, em contrapartida, propôs que Luiz Fernando fosse trabalhar na campanha política que se aproximava.

– O salário era bom, tinha assistência médica. Topei na hora! Foi uma loucura, seis meses de campanha. E eu gostava, viu?

Durante um evento na Câmara, encontrou com o jornalista Wilson Toni, que disse:

– Você, assessor de vereador?

Luiz Fernando respondeu:

– O que que tem? Estou gostando, feliz!

– Não, pode parar. Você vai trabalhar comigo, estou precisando de alguém para vender o meu jornal.

Toni foi um dos grandes nomes do jornalismo de Ribeirão Preto. Acumulava um jornal impresso, um programa de rádio e outro de televisão, além de cargos políticos. Luiz Fernando se reuniu com os filhos e a esposa e expôs a proposta.

– Joguei as cartas na mesa e falei: vocês vão ter que me segurar, porque eu quero ir!

Ficou ao lado do amigo vereador até passar o período eleitoral e, no carnaval de 1997, começou a trabalhar ao lado de Wilson Toni. Além das outras propostas, ele também ficou como repórter standby no programa de rádio Clube Verdade, somente para quando fosse necessário.

Acontece que foi muito necessário. Um dos repórteres começou a faltar muito e, assim, Luiz Fernando conquistou a vaga.

Aos poucos, ganhou visibilidade e cresceu profissionalmente. Estreitou novamente os laços que havia construído com as polícias civil e militar na época em que ingressou na área.

– Comecei a ter um relacionamento de confiabilidade com ele. Tudo caía na minha mão!

Foram quase dez anos na correria, até que Toni morreu, em dezembro de 2005. Com a perda do amigo, ele pediu demissão do programa, mas não aceitaram. Até receber aquela ligação, em abril de 2006.

Uma semana antes do dia primeiro de maio, já com a contratação fechada na televisão, levou a família para o Guarujá.

– Essa foi uma das maiores alegrias que tive na vida. Não acreditava que Deus tinha feito isso por mim. Eu, com mais de 50 anos, entrando na televisão!

Para quem achava que a vida profissional tinha acabado na década de 1990, se enganou. E se engana quem pensa que a trajetória de Lufe está perto do fim.

– Só tomo a iniciativa de parar se perceber que minha saúde está sendo prejudicada. O que me preencheu foi o jornalismo, fazer o que faço hoje. Ficar sem isso não dá.

 

 

 

*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/

 

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13 Comentários

  1. Virginia Maria Lopes Chacon de Almeida

    Muito emocionante ler sua história aqui tio Lufe!
    Trabalho e dedicação recompensados.
    Muito orgulho do meu tio do coração!
    Que Deus continue a te abençoar grandemente.

    • Serafim

      Este LUFE é meu amigo de infância e aconpanhei toda sua trajetória de vida.
      Tenho grande admiração pela sua carreira de Sucesso.

  2. Fernando Almeida

    Lufe é para mim uma referência de caráter, de dedicação profissional e de amor à família. Cresci indo com ele aos jogos e aos eventos da Acle (Associação dos Cronistas e Locutores de Ribeirão Preto). Nunca perdeu o gosto pelo jornalismo, mesmo nos tempos de empresário. Tenho muito orgulho em ser seu sobrinho e ter acompanhado de perto essa trajetória brilhante.

    • Serafim

      Sou amigo do Lufe de infância.
      Conheço toda a trajetória de vida e sucesso profissional.
      Sua família é muito linda.
      Tenho o privilégio de continuar ser seu amigo

  3. Rita

    Lufe sempre sensato ao transmitir as informações policiais. Foram muitos plantões policiais tendo sua presença junto de sua equipe maravilhosa. Parabéns.

  4. Luís Fernando

    “ Meu pai meu herói “

  5. Gerson Beltramini

    Conheci Lufe quando exercia minha profissão de Policial Civil. Realmente uma pessoa confiável e de caráter exemplar. Deixo aqui um grande abraço a essa pessoa maravilhosa.

  6. Claudinei

    Parabéns pela matéria…lição de vida companheiro Lufe… orgulhoso em trabalhar com você

  7. Verônica

    O conheci em minha carreira de Escrivã de Polícia Civil e realmente um homem e jornalista confiavel, de caráter e digno ao receber e transmitir uma reportagem. Muito orgulho de ter participado de parte deste seu período em meus plantões. Parabéns por sua história

  8. SANTANA

    Conheci o Lufe quando trabalhei na DIG em meados de 2002, uma pessoa ímpar, sem igual, de caráter excepcional.

  9. Hélio Pellissari

    Eu conheci o Lufe, quando ele trabalhava no Clube Verdade. É um dos melhores profissionais com quem já trabalhei em Ribeirão Preto, além de uma pessoa extraordinária. É importante registrar a história de uma pessoa como o Lufe. Parabéns!

  10. José Luiz Messias de Oliveira

    Poxa. Que legal e incentivo, um dia quero ser radialista, me animou mesmo com 51 anos e deficiente auditivo. Parabéns Lufe.
    SaunaLar,acho que eu e meu pai já fizemos serviço de jardinagem para a sua casa.
    Abraços, uma hora quero conhecê-lo pessoalmente.
    Forte abraço!
    José Luiz

  11. Serafim

    Este LUFE é meu amigo de infância e aconpanhei toda sua trajetória de vida.
    Tenho grande admiração pela sua carreira de Sucesso.

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