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Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 28 de fevereiro de 2019!
Em meio ao vai e vem de gente no Calçadão de Ribeirão Preto, um senhor remexe todo o corpo ao som da música. Samba, desce sobre os joelhos, agacha, gira em roda, dá um salto.
Quem passa arregala os olhos: que alegria é essa? Alguns, mais atirados, dançam junto. Os mais tímidos olham com certa surpresa. O menino, livre de julgamentos, para em frente ao homem e começa a imitar seus movimentos.
Sejam tímidos, atirados ou crianças, não há quem passe inerte pelo senhor dançante. Seu gingado, de um jeito ou de outro, contagia até os mais apressados. Eu fui uma das contagiadas. Andava pelo Centro depois de uma entrevista quando avistei seu Dorivaldo dançando em frente a uma loja de eletrodomésticos.
“Ele está sempre por aqui, dançando. Tem até um radinho agora. Passa horas aí, sem parar”, disse o vendedor de garapa, que, por passar o dia todo ali, sabe os detalhes da gente.
Tomei coragem, então, e fui até o animado senhor. “Me conta sua história?”. De imediato, parou a dança e se empolgou em compartilhar o que lhe faz dançar.
Marcapasso no coração, pressão alta, chagas, labirintite, problemas no estômago e na coluna. Ele diz que a lista de doenças é extensa. Um único melhor remédio melhora tudo, porém.
– A dança mexe com o corpo. É alegria. A gente que tá doente se ficar parado é pior.
Aos 74 anos, Dorivaldo Martins de Souza despista os problemas com ritmo.
– Se eu for pensar no que eu tenho, não vou dançar. Então, é melhor não pensar.
Ele conta que pegou jeito para a dança uns 11 anos atrás. Até então, ia na festa e ficava só olhando. Um dia, tomou coragem e começou a mexer o corpo também. Foi amor ao primeiro remelexo. Nunca mais parou. Onde tem baile, lá está ele! Nunca fez aula de dança e, então, criou seu jeito próprio de colocar corpo em movimento.
Nunca tinha pensado, entretanto, em ganhar um dinheirinho dançando.
Depois de trabalhar na lavoura e na prefeitura de Altinópolis, onde mora, varrendo ruas, ele se aposentou. Conta que o problema no coração foi o motivo para parar, em 2002.
– O médico disse que se eu não operasse, eu morria. Só de escapar da operação, já é um milagre.
Diz que nunca casou e nem teve filhos. Vive perto dos irmãos. Hoje, são em oito. Mas já foram em 14, antes dos falecimentos. Dos homens, ele é o mais velho.
Já costumava vir para Ribeirão passear. E, sempre que dava, dançava em frente ao som das grandes lojas de eletrodomésticos, que colocam música para atrair a clientela. Em um desses passeios, artistas que se apresentam no Calçadão chamaram Dorivaldo para dançar. Colocaram um som portátil perto dele, um pote para as moedas e ele se apresentou.
– Era uma sexta-feira. Eu ganhei R$ 72! E pensei: dançar de graça é fria!
Comprou um som próprio, um pen drive com músicas diversas e, desde o final do ano passado, passou a integrar a turma diversa e cheia de energia que se apresenta no Calçadão, palco aberto da cidade.
Dorivaldo vem lá de Altinópolis para dançar. Dorme em um hotel simples da área central, para aproveitar a viagem e se apresentar dois dias seguidos. Quando o rendimento é bom, vai ficando mais tempo.
Continua indo aos bailes, claro. Vai para cidades vizinhas quando sabe que tem festa das boas! Na semana passada, conta que esteve em Brodowski.
– Eu não gosto de ficar parado, não. Ficar parado é muito ruim!
Para as pessoas que criticam sua dança – sempre tem aquele que é “do contra” – dá um requebrado ainda mais movimentado.
– Eu não tô nem aí! Tenho que pensar em mim, não?
Se alegra com os muitos amigos que já ganhou, os elogios, os abraços, os parceiros que entram para a dança.
– A moça parou e foi dançar comigo. Tem gente que para e fala: ‘Continua assim!’. Ficam admirados de me ver dançar.
Gosta de samba, forró, sertanejo e até eletrônico.
– Eu não tenho tempo ruim, não. Eu vou me divertir! Curtir a vida depois de velho!
Até quando vai dançar?
– Até chegar o fim da vida!
Responde antes do próximo samba.
Coloca as mãos nos joelhos, levanta os pés bem alto, gira, mexe os ombros. Com sua dança, faz refletir. A alegria mora mesmo nas coisas bem simples.
*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/
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