Por Daniela Penha
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Terminei a entrevista com dor nas bochechas de tanto rir. E só terminamos porque havia compromissos depois. Dona Custosa tem uma alegria que faz a gente querer ficar mais. Diz que isso sempre morou dentro de si. Mas, depois de uma certa idade, ficou adormecido.
Não dá para acreditar que a mesma dona Custosa, pura energia, sentia que a vida já havia acabado. “Eu já vivi, já passei pelo ar e pelo mar”, dizia para as filhas.
Depois dos 87 anos, descobriu, porém, que ainda faltava muito a viver. As redes sociais, que conectam gente de todo lado, ela ainda não havia vivido. E foi ali, em uma página no Instagram, que retomou a energia, a alegria, a positividade.
– Quando você enaltece muito uma pessoa e esquece de si, não é bom. Eu falo: tem que ser positivo sempre.
Descobriu que sua “custosisse” para se vestir, seu zelo com a casa e as combinações de cores são interessantes para milhares de pessoas. O apelido dado pelas filhas se tornou “nome” nas redes. “Mas você é custosa, heim, mãe?”, diziam as meninas, quando acompanhavam Neuza Schereiber para comprar roupas.
Agora, dona Custosa é digital influencer, com página no Instagram onde dá dicas de moda, estilo, etiqueta.
– As pessoas acham que o nome dela é Custosa mesmo! Ninguém chama ela de Neuza. Custosas são pessoas difíceis de gostar das coisas. E isso ela é!
Conta a filha Veruska, que criou e administra a página da mãe. O apelido que há mais de vinte anos estava só dentro da família, ganhou as redes. Dona Custosa monta looks e é sempre convidada a estar nas boutiques de Ribeirão provando peças – e divulgando.
Faz stories, vídeos, conversa com os internautas. São mais de cinco mil seguidores em seis meses de página.
– Ela me grava, mas o que tá escrito sou eu que penso. Gosto de ser eu, senão é como você escrever sem sentimento.
E a interação perpassa as telas. Todos os dias, tem evento na agenda da senhora de 88 anos, que faz 89 daqui seis meses, como gosta de frisar. Se as filhas não querem ir, ela reclama. Onde já se viu tanta canseira? Dá o exemplo. Também tem feito palestras e encontros para pessoas da terceira idade, levando sua história como inspiração.
– Eu falo para eles que tem que ser feliz, subir a autoestima. E como sobe? É uma pessoa ter o pensamento positivo: eu quero, eu vou, eu gosto! Eu também pensava assim: ‘a vida acabou’. Mas as coisas mudam.
Neuza nasceu e cresceu na região de Piracicaba, distrito de Charqueada. Quatro irmãos, o pai trabalhava na estação de trem e a mãe cuidava da casa. Mudaram para a zona urbana de Piracicaba quando os filhos já estavam grandinhos, para que pudessem estudar.
Ela diz que moram na infância as raízes de seu jeito de ser. A mãe gostava de ler, estava sempre bem arrumada e fazia questão que a casa também estivesse.
– Essa alegria vem de berço. Eu nunca vi minha mãe com um lenço chorando e nem falando mal de ninguém. A casa era farta e bonita. Ela fez um jardim e todo dia apanhava flores para enfeitar o escritório do meu pai. Ensinava a gente a cuidar.
Neuza fez Pedagogia, se casou aos 27 anos e foi proprietária de uma escola, que começou em sociedade com a irmã. Fechou a instituição em 1991.
– Quando a gente brincava de casinha, eu queria ser a mãe. Quando brincava de escolinha, queria ser a diretora. E fui.
O marido é cirurgião dentista e se formou em Ribeirão Preto. Foi na cidade que alguns filhos vieram morar. Teve quatro: três mulheres e um homem.
Veruska é a caçula. Além de cuidar da página, ela também gerencia os eventos, acompanha Neuza e organiza alguns looks, driblando as exigências.
No dia da entrevista, a mãe pediu que ela levasse uma troca de roupa para a hora das fotos. “Essa daqui é de ficar em casa”, explicou. “Não agradou… vou vestir o que ela trouxe porque não tem outra coisa”, foi o veredito.
A exigência e a amorosidade são os opostos determinantes no gênio de Custosa.
Há dois anos, ela mora em Ribeirão Preto, se dividindo entre as casas das duas filhas que estão por aqui. Veio para fazer um tratamento no joelho e não quis mais ir embora.
Aos 88 anos, vive com o marido um casamento moderno. Ele mora em Piracicaba e eles se veem em alguns dias da semana, para matar a saudade.
A mudança foi de fato transformadora. Em Piraicaba, ela sentia que não tinha mais o que fazer na vida. O marido, muito bem relacionado, cheio de amigos, saía sempre com sua turma. E ela ficava sempre em casa.
– Eu me sentia sempre muito inferior. Minha vida era livros, bordado e crochê. Eu não me sinto como hoje. Hoje, eu acho que tô entendendo tudo o que a pessoa fala.
Em Ribeirão, com apoio e amor das filhas, passou a sair, a trocar os programas de notícia trágica na TV por séries na Netflix e, então, veio a ideia da página.
– A Veruska dizia que até as vizinhas dela me achavam elegante. Todo mundo sempre falava mesmo. Na época da escola, perguntavam onde eu fazia minhas roupas.
Primeiro, a filha criou uma página no Face, mas não houve adesão. Depois, postou uma foto no Instagram.
– Minha mãe me dizia que queria conhecer pessoas do mundo, conhecer mais gente. Coloquei a primeira foto e explodiu.
Depois, foi só compartilhar o que sempre foi rotina. Dona Custosa não usa uma só peça sem combinar as cores. Depois que descobriu que cada pessoa tem uma paleta que cai melhor, então! A exigência só aumentou.
– Se eu vou passar um batom, vejo se está dentro da paleta. Eu me sinto melhor!
Tem roupa para dormir e brada que nunca dormiu de camiseta. Até para os serviços de casa está bem arrumada. Faz de tudo: lava, arruma, organiza.
– Se precisar, eu tiro tudo do guarda-roupa e arrumo ele inteirinho. Todo dia, eu acordo e arrumo a cama. Com um quarto desarrumado fica difícil o dia.
Faz questão de responder cada pergunta e comentário que recebe, ditando para a Veruska o que deve ser escrito.
– Eu faço de acordo com meus sentimentos.
Com esse jeito de alegria custosa, cativa pessoas de todas as idades e de todos os tipos.
No salão de beleza que frequenta já não pagava os cortes antes mesmo de ter a página. Os donos têm tanto carinho por ela que lhe ofereceram gratuidade vitalícia.
Distribui beijos para todos os funcionários do empório onde a entrevista acontece. Diz que está sempre disposta a oferecer um conselho amoroso para seus amigos gays. Alguns dos preferidos de sua extensa lista.
– Eu sou avançada!
Fica um pouco em dúvida: “Mas vai falar disso?”. E logo, estamos gargalhando quando ela conta de sua primeira vez no motel. Depois dos 87 anos, se redescobriu. E realizou vontades.
Tinha o sonho de ir a um motel, mas o marido achava que eles já não tinham idade. Em uma viagem com a filha em Bauru, tiveram um contratempo com o hotel e só encontraram vaga no motel. Custosa, então, passeou pela área comum do espaço, entre os carros que entravam um tanto assustados com a imagem da senhora pelo estacionamento. Perguntou se dava para tirar o espelho do teto, deu risada com os dois chuveiros do banheiro.
– Parecia que ela estava indo conhecer a Disney!
Veruska relata.
Nos dias em que está com o marido, em Piracicaba, dona Custosa escolhe as camisolas mais bonitas e diz que os dois dormem “de cuinha”, uma “conchinha”, nas suas palavras.
Com 88 anos e meio, ela faz relembrar que os idosos continuam vivos, pulsando.
– Eu sei que tenho essa idade, mas não sinto. Eu me sinto jovem!
Para a filha, o que começou como brincadeira hoje é inspiração.
– O mote é inspirar outras mulheres. A maioria das mensagens que ela recebe é de mulheres dizendo que querem envelhecer assim.
Sua maior “custosice” está em teimar em ser feliz, sempre.
– Não tem um dia em que não me sinta bem. Eu tenho motivos para não ser feliz?
Quando a entrevista vai chegando ao fim, ela me convida para um chopinho. Adora! E quando encasqueta de tomar, não há quem mude a ideia.
Posa para as fotos com a mão na cintura e sorriso no rosto. A vida está sempre recomeçando, ela bem sabe.
Esta história foi produzida com o apoio do Proac, programa da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo.
Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 28 de outubro de 2019!
Que entrevista cativante! Amei.
Amei ! É um exemplo de vida pra vc com muita mulheres.