A mãe tinha dois sonhos: que o menino fosse médico ou padre.
Hoje, a história surpreende cliente novo e antigo.
José Aparecido Caveagna, o falante Bru, dono do tradicional bar que faz esquina à praça Sete de Setembro, Centro de Ribeirão Preto, passou cinco anos no seminário.
Dos nove aos 14, parecia predestinado à batina.
Quando ia de férias para o sítio da família, no Paraná, rezava de três a quatro terços por dia nas casas da vizinhança.
Era chamado para benzer bezerro, chiqueiro, pasto e para fazer a oração de tudo quanto era festa.
– Para ser padre, tem que ter vocação.
Um dia, acordou e não entendeu mais o que fazia ali. Conta que foi assim, de repente. Disse que passaria uns dias ajudando o pai no sítio e nunca mais voltou.
Foi descobrir anos depois que sua vocação não é com água benta. Tem mais a ver com a “água que o passarinho não bebe”, como se diz por aí.
– Para ser dono de bar tem que ser apaixonado!
Há 12 anos, José Aparecido é dono do Bar do Bru. A batina ficou nas histórias que hoje ele tem para contar!
É com introdução que ele começa:
– Ô Bru, minha trajetória é a seguinte…
Só na primeira frase, já tem história.
Esse negócio de “Bru” foi coisa da imaginação que voa. José explica que, no começo do bar, sem saber o nome da clientela, se referia a todo mundo como Bru, alterando gênero e idade.
– Se era menina, eu dizia: ‘Bruzinha’. E ficou!
O pronome inventado acabou dando nome ao bar. E nunca mais deixou o vocabulário.
– Eu vim do Paraná, nascido em Araporanga…
E a história continua.
Antes de chegar a Ribeirão Preto, em 1982, Bru fez um tantão de coisas. Os cinco anos de seminário foram o começo, mas depois teve dois anos no serviço militar, concurso para escriturário, faculdade de matemática, mudanças de cidade e muito trabalho.
– Trabalhei em banco, de garçom, caixa de clube, distribuidora de miudezas. Já vendi enxoval, pinga: tava sempre vendendo alguma coisa. Perdia o emprego e tinha que ir para o comércio.
A vontade de ter um negócio sempre existiu. Abriu uma mercearia na década de 80, no Jardim Procópio. Fez o estoque durante os 11 meses em que trabalhou em uma distribuidora de “miudezas”, como diz.
Trocava o vale refeição por latas de milho, ervilha, mantimentos que guardou para abrir as portas do seu negócio.
Durou pouco tempo, porém. Se separou em 88 e acabou deixando o estabelecimento.
Não desistiu. Teve bar, restaurante, trabalhou de cozinheiro até surgir o convite para assumir o ponto onde hoje é o Bar do Bru.
– O lugar era tão pequeno que deveria ir para o livro dos recordes: seis metros.
Por três anos, dormiu em cima do freezer do bar, se desdobrando em turnos como funcionário de um restaurante.
– Eu tive que chorar aí dentro desse bar. Eu tinha um golzinho 63 e me vi um dia sem dinheiro nem para a gasolina. Cheguei no fim do poço e pensava: será que eu saio?
O crescimento foi aos poucos, dia a dia.
Bru tem sua receita especial.
– Tem que largar a tristeza, a dor e trabalhar alegre. Se ficar reclamando da vida, as pessoas vão se afastar de você. Tem que estar sempre 100%.
Com as contas melhorando, foi ampliando o “bar dos recordes”.
Hoje, divide o atendimento em dois espaços, servindo 100 pratos por dia no almoço, além dos petiscos e cervejinhas de toda hora.
– Foi tudo na luta. Mas consegui!
No mês passado, José Aparecido completou 60 anos.
Conta que, desde o começo do ano, passou a desacelerar um pouco, fechando as portas do bar aos domingos.
Até então, o trabalho era de segunda a segunda, abrindo às 8h e fechando quando a última mesa vai embora.
– Não tinha feriado, Natal, nada. Tem que dar uma maneirada. Um dia de folga, para esquecer um pouco da vida e reunir as forças para o outro dia.
Diz que só sai do bar com a mega sena no bolso, mantendo o humor de toda conversa.
– Aí, eu vou fugir! Não vou nem sair!
Mostra a foto de bebê que guarda atrás do balcão.
– Eu era um molequinho de roça!
E conta que a pintura da parede do bar – uma fazenda com muito mato – é o retrato do lugar onde crescer.
– A minha história é essa, Bru.
E finaliza, com o mesmo Bru que começou.
Finaliza por enquanto, porque seu repertório de histórias é do tipo sem fim, cheio de prosa.
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