Após perder a perna em acidente, Vinicius se reinventou e hoje é destaque paralímpico

27 fevereiro 2020 | Histórias do Proac 2019/2020

Texto e fotos: Alice de Carvalho Leal

 

Desde pequeno, o sonho de Vinícius Silva era ser jogador de futebol. Todos os dias, ao sair da escola, se reunia com os amigos do bairro São José para uma partida. Às terças e quintas-feiras, havia também um projeto social oferecido pela Prefeitura Municipal que treinava as crianças para o esporte.

O time, capacitado por um educador físico, disputava campeonatos na cidade contra meninos de outros bairros. Nas horas vagas, até sobrava um tempo para soltar pipa, subir em árvores e correr. Mas nenhuma dessas atividades se comparava ao esporte preferido. Difícil mesmo era encontrar Vinícius quieto.

– Eu era o jogador que mais corria, superava os laterais sendo volante ou zagueiro. Sempre fui apaixonado por futebol e joguei a vida inteira. Atravessava a cidade pedalando de bicicleta para competir.

Hoje, Vinicius se prepara para voltar a jogar. Muita coisa mudou desde aquele tempo. A inquietude, que faz com que ele não se acomode com a vida, continua a mesma. Pulsando.

Era 23 de dezembro de 2018, madrugada de sexta-feira para sábado. Vinícius fazia a última entrega de lanches antes de finalizar o serviço. Ele passava pelo cruzamento das ruas Anselmo Marques Rodrigues e Antônio Carlos Nero, no Jardim Manoel Penna, quando um carro não respeitou a sinalização e acertou o motociclista em cheio.

– Eu fiquei o tempo todo acordado sentindo dor. Naquela hora, pedi a Deus: se for da Sua vontade, me leva, mas eu quero viver! E se viver, eu vou mudar toda a minha vida.

Durante a colisão, o veículo acabou ficando preso na perna esquerda de Vinícius e arrastou o membro pela rua.

– Na hora que olhei para a minha perna, já tive certeza de que não ia dar para salvar.

Até o socorro chegar, a lembrança é de muita dor. Ele foi levado à Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto buscando responder à pergunta: viver ou morrer? O médico de plantão que o atendeu explicou que seria possível salvar a vida dele, mas não a perna.

– Olhei para os lados e vi tanta gente pior do que eu… como estava perto do Natal e sou de família muito religiosa, usei a simbologia do renascimento de Jesus e disse: vou renascer. Vou ter que ser alguém melhor do que eu era antes.

Quando acordou, no dia seguinte, após a cirurgia, teve a confirmação que já esperava. Abaixo do joelho esquerdo, realmente não havia mais perna. Rodeado de familiares que aguardavam apreensivos pelo despertar dele, Vinícius abriu os olhos e, ao mesmo tempo, um grande sorriso.

– Acordar foi satisfatório para mim. Todo mundo achou que eu ia me desesperar, falei: ‘Suave! Tanta gente lutando para viver e eu só com um detalhe’.

Na adolescência, ainda muito novo, e cheio de vontade de ser jogador de futebol, enfrentou resistência dos familiares para realizar o sonho que carregava. Por mais que gostasse muito do esporte, manter-se nele não era algo fácil e muito menos barato. Era preciso dinheiro para comprar uma chuteira boa, viajar para disputar campeonatos, se alimentar. Vinícius sempre ouvia:

– Futebol não! Você vai passar fome. Tem que estudar e trabalhar.

Determinado desde cedo, ele resolveu, então, arrumar um jeito de bancar o próprio objetivo. Aos 13 anos de idade, deu o pontapé inicial: conseguiu um emprego de entregador de marmita. Com a mesma bicicleta que utilizava para ir aos jogos, começou a distribuir as refeições pela cidade.

– Depois passei a entregar panfleto, recolher bolinhas de tênis em um clube, até que consegui o trabalho de DJ. Aprendi praticamente sozinho vendo videoaula na internet. Sempre trabalhei para manter o sonho de ser jogador.

E não é que ele até chegou a ser? Aos 16 anos, se propôs a fazer um teste no Comercial Futebol Clube de Ribeirão Preto e foi aprovado para a categoria de base. Mas, pouco a pouco, viu o sonho se desfazer. Segundo ele, o empresário, que deveria alavancar sua carreira, acabou com o pouco dinheiro que tinha.

– Disse que arrumou um teste pra mim em outro clube e cobrou R$600,00, incluindo viagem e alimentação. Paguei e ele sumiu.

Vinícius ficou por um ano e meio jogando no time, até perceber que não bastava somente força de vontade e habilidade com a bola para crescer. Foi então que a alegria deu lugar à frustração.

– O futebol me iludiu. Eu acho que, na verdade, o Neymar teve sorte de ter um pai que acreditou mais do que ele, porque quando tem apoio a gente consegue. Hoje tenho consciência de que seria um jogador frustrado.

O amor pelo esporte não foi suficiente para impedir que ele desistisse. Abandonou o clube, mas nunca deixou o futebol de lado. Voltou a jogar de brincadeira com os amigos, muitas vezes no meio da rua. Pegou gosto pela corrida e também pela musculação. Quando completou 18 anos e teve a certeza de que não seria um jogador profissional, mergulhou de cabeça no mercado de trabalho.

Vinícius foi menor aprendiz, trabalhou como vendedor, garçom e mais uma série de atividades remuneradas. Conseguiu um emprego fixo com carteira assinada: fazia entregas de produtos de licitações para órgãos públicos. Durante o tempo livre, começou a fazer serviços extras e tomou gosto por trabalho.

Aos poucos, com o dinheiro que ganhava, foi conquistando a própria independência. Alugou um apartamento, saiu da casa da mãe, comprou uma moto. Aos 25 anos, acumulava quatro serviços: o de entregas registrado e outros três extras. Durante a semana, no período da noite, entregava lanches. Aos sábados, durante o dia, dava banho em cachorros em um petshop e, durante a noite, mantinha a atividade de DJ em festas.

A vida parecia estar engrenada e funcionando perfeitamente bem. Naquele ano, conseguiu agendar as primeiras férias durante o Natal. Alugou uma casa na praia para comemorar as festas ao lado da família, mas o acidente interrompeu os planos.

Para quem nunca gostou de ficar muito tempo parado, duas semanas internado e uma de repouso em casa bastaram. Precisou voltar a morar com a mãe, porque ainda precisava de cuidados. Mas ao contrário do que muitos imaginavam, ele não se deixou abater pelo acidente.

– Mergulhei em várias histórias de superação e me apeguei a elas. Então perguntei: se eles conseguem, por que eu não? Se Deus me deu a oportunidade de estar em pé, então eu vou em frente! Sem sacrifícios não tem glórias.

Os médicos alertaram que a recuperação seria longa e o fisioterapeuta avisou que seria preciso exercitar o membro para que ele não atrofiasse. Vinícius teve a ideia de começar a treinar em casa, baseado na musculação que já fazia antes do acidente. Usou as redes sociais como motivação.

– Eu gravava os treinos em casa e postava no Instagram. Até que o dono de uma academia de crossfit viu e me convidou para treinar com ele.

Um mês depois do acidente, ele topou. E não é que pegou gosto? Começou a treinar usando muletas, até conseguir deixar o apoio de lado. Todos os exercícios eram feitos pulando em uma perna só. Em apenas um mês, conseguiu tirar os pontos da perna.

Em junho de 2019 enfrentou a primeira competição na modalidade, um campeonato interno de crossfit. No mês seguinte, se inscreveu para participar de uma corrida.

– Corri cinco quilômetros em 50 minutos de muletas. Foi uma superação grande! Depois fiquei quase uma semana de cama, porque meus braços ficaram em carne viva.

Vinícius entrou para a equipe paralímpica da Secretaria de Esportes de Ribeirão Preto e participou dos Jogos Regionais nas categorias arremesso de peso e lançamento de dardo e disco sentado. Perdeu somente para o recordista mundial e voltou para casa com três medalhas. Durante os seis meses que competiu em 2019, ganhou sete medalhas.

Para o ano de 2020, a agenda já está cheia! Tem campeonato em fevereiro, em Porto Alegre, depois os Jogos Regionais, em São Paulo, e, em junho, o mais esperado: Mundial de Crossfit, em Mineápolis, nos Estados Unidos. O mais recente paratleta conseguiu se classificar em quinto lugar para a disputa.

– As maiores oportunidades da minha vida estão vindo através do crossfit. Eu me encontrei nesse esporte e não me vejo mais sem ele.

Como precisou se afastar do trabalho formal após o acidente, Vinícius conta com a ajuda de arrecadações para participar desses campeonatos. Tem rifa rolando para levantar fundos e conseguir viajar para os Estados Unidos. Até agora, já conseguiu mais de cinco mil reais e adquiriu uma prótese há três meses.

– É um processo bem doloroso. O material dela é simples e não muito confortável, o pé é de madeira. Se eu fico muito tempo com ela, começa a doer. É como se estivesse andando descalço no chão bem duro.

O menino sonhador que nunca abriu mão dos objetivos agora quer ser o melhor, não só no crossfit. Ingressou na faculdade de Educação Física e não deixou o trabalho de DJ de lado: música e esporte fazem Vinícius ser quem ele realmente é.

– Ainda não consigo jogar futebol, mas quero voltar logo, nem se for no gol!

Dos ensinamentos que o acidente trouxe, saber que não está sozinho foi o melhor deles.

– Eu sempre fui independente, personalidade forte. Quando morei sozinho, achava que não tinha ninguém, só eu. Mas o tanto de gente que me acolheu depois do acidente me fez pensar: sozinho a gente nunca está.

Hoje, Vinícius procurar viver leve e bem. Em todos os lugares por onde passa, chega sempre sorrindo, fazendo piadas e conversando com todo mundo. Continua frequentando festas e baladas ao lado dos amigos. A ideia agora é conquistar o diploma e dar aula. Futuramente, tem planos de fazer um projeto social voltado à reabilitação de pessoas com deficiência através do esporte.

Na rua, ainda enfrenta olhares tortos e até piedosos.

– Não gosto de vitimismo, nem de levar coisas ruins para casa. Tem gente que não aguenta aquele olhar de “coitado”, sabe? Mas eu sempre fui pobre, preto e já sofri tanto preconceito na vida que não é a falta de uma perna que vai me abater.

A palavra de ordem é gratidão. Afinal, como diz o ditado, quanto mais agradece, mais coisa boa acontece, certo? Vinícius garante que vai continuar dando o melhor de si para alcançar o topo.

– O ser humano tem uma força interior tão grande que às vezes a gente tem que cair no fundo do poço para poder falar: opa, espera aí! E subir de volta.

Sempre subindo de volta. Rumo ao lugar mais alto do pódio. No crossfit e em tudo que a vida propõe a ele.

 

Foto 2: arquivo pessoal

 

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1 Comentário

  1. Elaine Barbim (Nane)

    Sinceramente depois de minha mãe eu nunca vi uma pessoa com tanta garra,força de vontade e determinação como Vinícius,segue em frente sempre,vc nasceu de novo é ñ perca essa chance de brilhar,Deus é traque o admiram estará sempre contigo.
    Força campeão!!???

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