Após perder filho, Soraia leva acolhimento para famílias contando histórias em hospitais

9 agosto 2019 | Gente que inspira

Esta história foi narrada pela jornalista Daniela Penha! Para ouvi-la é só clicar no play: 

 

Soraia diz que quando começou o trabalho voluntário, quatro anos atrás, o foco não eram as crianças para quem conta histórias, lê livros, inventa mundos. Queria mesmo estar perto das mães.

– Eu queria saber qual era a reação de uma mãe quando perdia um filho. Queria entender qual era o sentimento de uma mãe, porque eu não entendia o meu.

Viu, sim, muitas mães perderem seus filhos para o câncer e outras doenças diversas, como ela perdera anos atrás. Mas viu também muitas crianças se recuperarem. Sempre disposta a oferecer um abraço, aprendeu a compartilhar alegrias e consolar angústias. As suas e das tantas pessoas para quem oferece acolhimento através das histórias que conta.

– Muitas pessoas começam o trabalho voluntário, mas acabam desistindo no meio do caminho. Mas muitas ficam e se descobrem ali. Foi o meu caso. Me ajudou a enxergar as coisas de uma maneira diferente.

Depois de dois anos e meio atuando como contadora de histórias do Centro de Voluntariado de Ribeirão Preto, hoje Soraia Castilho Cunha coordena dois projetos, “Conta Mais” e “HumanizaDor”, organizando e treinando as equipes com cerca de 86 voluntários que levam um pouco de alegria para cinco hospitais, além de uma instituição que auxilia crianças com câncer.

– Eu comecei a resolver essa questão de aceitar o meu sofrimento. Eu não me permitia sofrer. Não me lembrava do que havia acontecido, porque não queria sentir. Eu descobri que além de mim, da minha dor, havia um propósito muito melhor para eu estar ali, sabe?

Soraia Castilho Cunha, 55 anos, encontrou outra maneira de encarar a perda do filho.

– Eu não perdi. Devolvi para Deus um filho com leucemia.

Dimitri foi seu primeiro filho. Até os quatro anos, teve um desenvolvimento normal.

A família vivia em Araçatuba e Soraia trabalhava como professora na área de Educação Física, sua formação.

A leucemia se manifestou com febre de alguns dias. Os médicos suspeitaram de caxumba, mas quando viram o hemograma souberam que era algo grave.

Foram quase dois anos de tratamentos, vivendo no hospital. Ele já estava em fase de manutenção da doença, quando teve uma pneumonia e faleceu. Tudo rápido demais.

– O médico havia dado 80% de chances… nós nunca imaginamos que ele fosse morrer.

Soraia diz que, a partir daí, veio o processo do apagar.

– É muito complicado quando a gente apaga da mente o que faz sofrer. Era como se não tivesse acontecido… eu sabia que tinha acontecido, mas não pensava. Fui a vários psicólogos, mas não consegui resolver.

Seu segundo filho nasceu exatamente um ano após o falecimento de Dimitri, 22 anos atrás. A mãe diz, inclusive, que foi no mesmo dia e horário.

– Eu acho que eu deixei Deus desesperado e ele me mandou um menino.  Não que um filho substitua o outro, mas uma criança enche uma casa. Ficava um vazio…

Com o nascimento do segundo filho, ela passou a morar em Ribeirão Preto, onde o marido trabalhava, e a vida foi seguindo. Aquela angústia mal vivida, porém, continuava ali, em um espaço do coração.

Em Ribeirão, Soraia foi voluntária em uma casa que acolhe idosos por seis anos e chegou a trabalhar nos Correios, como concursada, por um ano apenas. Pediu demissão porque não se sentia parte daquele trabalho. E decidiu seguir com o trabalho voluntário.

A ideia de contar história surgiu um pouco depois. Soube da capacitação e decidiu fazer. Começou no hospital Sinhá Junqueira, depois foi para o Santa Lydia, até se tornar coordenadora, um ano e três meses atrás. Hoje, é inclusive remunerada pelo trabalho, que faria – e pretende continuar – independentemente de qualquer coisa.

O empoderamento, entretanto, é comemorado. Conta que recentemente pôde financiar, pela primeira vez, uma viagem com seu próprio dinheiro, conquistado fazendo o bem. Quer combinação melhor?

 – É meu ganha pão e meu doar coração.

Após perda do filho, Soraia leva acolhimento contando histórias em hospitais

Decidiu realizar os trabalhos em hospitais para estar perto das mães. Não foi isso, entretanto, que lhe fez permanecer.

Entendeu que havia algo bem além depois de três meses realizando as visitas. Estava na UTI neonatal de um hospital e começou a cantar para um bebê entubado, que respondeu mexendo as perninhas. A mãe, ao lado, começou a chorar. E explicou que Soraia fizera com que sua filha se mexesse pela primeira vez.

– Foi a primeira experiência em que eu vi a beleza do que estava fazendo pela criança. Eu comecei a entender o quão importante era meu trabalho. Eu não tinha me dado conta, porque meu objetivo era tão diferente… mudou muito.

Hoje, os objetivos são outros. Assim como é a Soraia por completo.

– Eu me encontrei não só contando histórias, mas também ouvindo histórias. Para a mãe é um alívio tão grande ter alguém para conversar…

Hoje, sua função já não é contar histórias, e sim treinar e coordenar os voluntários que integram o projeto. Diz, entretanto, que não resiste a um chamado. Outro dia, foi ao hospital para resolver e uma questão e, quando se deu conta, estava rodeada de crianças.

– Hoje é um sentimento diferente… é gratidão…

Acredita que é a principal beneficiada pelo trabalho que faz.

– Sou eu que aprendo com as outras mães. A dor que eu escondia embaixo do tapete, hoje eu chacoalho.

No coração, tem felicidade. Dias ruins? Claro! Como todo mundo. Mas procura se apegar aos bons.

 – Sou grata a Deus por tudo o que ele me deu, inclusive pela oportunidade de conviver com o Dimitri durante cinco anos e meio da minha vida. Ele me ensinou tanto… me mostrou tantos valores…

Seu segundo filho foi morar fora do país ainda adolescente, para estudar. Os familiares e amigos arregalaram os olhos: “Como você deixou?”. Soraia nunca teve dificuldades para a resposta:

– Se vocês soubessem como é bom perder para a vida!

Segue aprendendo e mudando. Para ela, hospital não é um lugar só de coisas ruins, dores e doenças. Deu um novo significado a todos esses elementos dentro de si.

– Enquanto a gente está contando histórias, o hospital lembra sorrisos, felicidade, força. E também lembra à mãe que ela pode descansar um pouquinho…

É tempo de pausa. Toda dor pode repousar.

 

Quer conhecer mais sobre o trabalho do Centro de Voluntariado de Ribeirão Preto? Clique AQUI

 

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1 Comentário

  1. Marina Berardo Passos

    História maravilhosa e inspiradora!

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