Arnaldos: história de arte e educação de pais para filhos

26 agosto 2019 | Gente que inspira

Esta história foi narrada pela jornalista Daniela Penha. Para ouvi-la, é só clicar no play: 

 

São duas histórias em uma. Ou mais. Arnaldo Martinez de Bacco trabalhava com tipografia e passou para Arnaldo Junior o encantamento pela impressão no papel.

– Eu tenho tinta gráfica no DNA!

Se tornou ilustrador, quadrinista, cordelista, escritor de livros infantis.

Arnaldo Neto, filho de Arnaldo Junior, terceira geração, cresceu, então, inspirado pelas artes do pai.

– As pessoas dizem que se inspiraram em Maurício de Souza, outros nomes. Eu não. Me inspirei no meu pai e nos desenhos de seus amigos: pessoas com quem eu convivia.

O pai, além das artes, é professor de História.  Arnaldo Neto, seu filho, desenha desde pequeno, mas fez Administração de Empresas, trabalhou por 10 anos em banco e empresas multinacionais, na área financeira, criando produtos. Só em 2009, com 29 anos, decidiu cursar História e depois Pedagogia, seguindo mais esses passos do pai.

Prestou concurso como professor do Estado “só para ver como se sairia”, como diz. Entrou e decidiu trocar o banco pela sala de aula.

Pai e filho passaram a compartilhar também o amor pela Educação e, principalmente, a fé de que ela é capaz de transformar o entorno.

Neto (o filho) foi aluno de Arnaldo (o pai) na escola. Como professor, Arnaldo foi resistência, tentando levar o diferente, o diálogo, as artes. Criava cordéis para usar em sala de aula, desenhava e escrevia suas próprias apostilas com a história real, muitas vezes omitida.

Neto, em pouco tempo de carreira, se tornou coordenador pedagógico. Consegue, então, implementar as mudanças que o pai tanto almejou. Se preocupa com a formação dos professores, quer que a rotina escolar seja, de fato, um espaço de troca e crescimento.

– É um trabalho de jardineiro. Vai brotar de onde a gente não espera.

O pai diz sobre o trabalho do professor. Neto, seu filho, brotou.

– O que a gente busca aqui é o encantamento. O aluno tem que sair encantado. Aula boa é aquela em que o aluno aprende, independente da metodologia.

Os “Arnaldos” constroem carreira na arte e na educação, cada qual com seus traços bem particulares, mas compartilhando, além de projetos, a essência.

– Nós acreditamos nas mesmas coisas. É isso que nos mantem juntos.

Nas palavras do pai.

Arnaldo Bacco arte e educação História do Dia

Os feitos de Arnaldo, 59 anos, pai de Neto, não se resumem a uma só história. Ele tenta colocar tudo, mas termina a entrevista certo de que não conseguiu – ainda bem!

São dezenas de cordéis, livros, desenhos, projetos, parcerias. Aos cinco, seis anos já ajudava o pai a produzir o jornal da usina onde trabalhava, em Pitangueiras. “Brincalhão, bem-humorado, antenado politicamente” são algumas das palavras que usa para definir seu pai, o primeiro Arnaldo desse trio.

As histórias, é preciso pontuar, também vieram de sua mãe e avós, que estavam sempre dispostas a contar um conto, nos momentos bons e ruins.

Quando fez sete anos, entrou para o grupo escolar e ganhou do padrinho um livro com as histórias do Brasil em quadrinhos. Se apaixonou! Passou a ler e a buscar outros livros ilustrados que contassem a nossa trajetória.

Os discos coloridos, que traziam histórias narradas em frente e verso, também fizeram parte dessa formação artística que começou na infância. Arnaldo não sabe dizer quando começou fazer arte. Usa a resposta que aprendeu com Neto.

– Eu não parei de criar. Na escola infantil, todas as crianças desenham e criam muito bem. Depois, a maioria vai parando porque vai sendo desestimulada. Dizem que a árvore não é vermelha, o céu não é assim e a criança vai ficando com vergonha do seu desenho.

Aos 13 anos, já trabalhava em jornais. Não teve dificuldades ao escolher o curso de História no vestibular. Queria, através da arte, contar a trajetória do País. E o fez.

Começou a dar aulas em 1987, primeiro ano da faculdade, e não parou mais.

– O Brasil havia acabado de sair da ditadura. As minorias sociais não estavam nos livros. Comecei a produzir material próprio que falava do negro, do trabalhador, mulher, índio, o processo de independência do País, os malês. Todos os temas que não eram contemplados, eu fazia em quadrinhos. Sou um professor, não posso ocultar a verdade.

Começou atuando em escolas particulares, depois foi para a prefeitura, Estado, universidades, trabalhou com formação de professores.

– Sempre levando os quadrinhos e a literatura para a sala de aula.

Mostra o cordel que produziu recentemente, abordando o suicídio entre adolescentes, mesclando a cultura nordestina com os desenhos de Mangá para dialogar com os jovens. O personagem Ike, que viaja pelo tempo reencontrando a história do Brasil. Dezenas de trabalhos.

– Quando a arte casa com a educação, os frutos são inimagináveis. Meus alunos me surpreendem diariamente. O jovem quer oportunidade para mostrar que ele também tem muito a dizer.

Seu armário na escola está sempre aberto, com quadrinhos e livros que os alunos levam para ler e depois devolvem.

 – O que permeia meu trabalho todinho é a questão do outro. Meu trabalho é naturalmente inclusivo, não forçosamente.

Arnaldo Bacco arte e educação História do Dia

Neto cresceu vendo e convivendo com a arte e educação de seu pai e de sua mãe, que também é professora. Se inspirou por conta própria, porém.

– Minha mãe não incentivou e não havia uma preocupação do meu pai com isso. Nunca fiz cursos, mas tinha muitas coisas na mão: canetas, lápis.

Na escola, resolveu as dificuldades de aprendizado com desenhos. Associava o conteúdo da lousa com as gravuras que fazia no caderno e se lembrava, então, dos conceitos. Alguns professores não aceitavam a didática criada pelo aluno. Mas Neto prosseguiu.

Assim como o pai, começou na infância e nunca deixou de desenhar. Decidiu seguir pelo setor financeiro. E diz que, ainda hoje, continua gostando.

– Gosto das duas áreas. Sinto falta, sim.

Começou a cursar história por hobby. Quando se deu conta, estava na sala de aula, pedindo demissão do emprego.

– No banco, todo mundo assustou, porque eu tinha um salário bom, possibilidades de assumir a chefia. Ninguém levou a sério quando falei que iria dar aula.

Começou em 2013, sem vivência alguma. Uma das primeiras escolas na qual atuou, em São Simão, estava com sérios problemas de convivência entre professores e alunos, histórico de depredação, descrédito com a comunidade.

Levou a arte para a sala de aula. Suas lousas, sempre desenhadas, atraíam a atenção dos alunos e também dos professores. A criação de fanzines também é parte de seus projetos pedagógicos. Em pouco tempo, suas ações mudaram o desempenho da meninada. Já nos primeiros seis meses, foi convidado para ser vice-diretor, mas era preciso três anos de atuação como professor para assumir o cargo. Completou o tempo e foi, então, para a gestão.

Fala, orgulhoso, dos números que mostram o quanto a aprendizagem dos alunos melhorou, bem como o clima entre os corredores da escola.

– A educação não é um trabalho. É uma missão. É como ter um filho: se ele fica doente, você não dorme, mas depois que ele fica bom, está tudo bem.

Há seis meses, é coordenador da Escola Estadual Alcides Corrêa. Por lá, a dinâmica é a mesma: arte e educação de mãos dadas, como caminho para transformar a rotina escolar. Já colhe os frutos.

– Acredito muito nessa transformação que acontece com a arte e a educação juntas. Quando o aluno desenvolve a sensibilidade para a arte, melhora a sensibilidade em todas as outras áreas.

Como coordenador, o foco é transmitir essa ideia para os professores, tornando-os multiplicadores da transformação em sala de aula.

– A função do professor que sabe tudo desapareceu. Se o aluno quiser, ele pode ter aula com o melhor professor do mundo pelo celular. A escola ainda dá muito enfoque no conhecimento lógico. Precisa trabalhar a empatia, as relações. Se o professor não muda a metodologia, ele perde para o celular, o computador, as redes sociais.

Arnaldo Bacco arte e educação História do Dia

Pai e filho têm uma porção de trabalhos juntos. Levam fanzines para as escolas públicas e particulares, ensinando meninos e meninas a criarem.

– Quando o aluno se torna produtor de algo, aquilo é dele. Ele não quer que dobre, que amasse. Começa a compreender o trabalho do professor, do autor. Criar um fanzine exige pesquisa, matemática, criação de textos, artes.

Nas palavras de Neto.

Neste ano, pai, filho e um grupo de outros criadores desenvolveram o projeto “Recortando Palavras”, levando o fanzine para milhares de crianças na Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto. Pretendem repetir o feito por muitos outros anos.

Integram coletivos, participam juntos de livros, compartilham do mesmo encantamento pelas áreas que decidiram abraçar.

– Dizem que a educação no Brasil é ruim, está falida. Nós temos ótimos professores que não têm oportunidade para colocar seus projetos em prática. Tem muitas pessoas com trabalhos bacanas, sem a possibilidade de projetá-los.

São as palavras de Arnaldo.

Para ele, educação é um semear.

– Muitas vezes, a gente planta para que outros colham.

Neto vai colhendo os frutos que o pai passou a vida a semear. Não se contenta só com a colheita, porém. Joga também as próprias sementes.

Ciclo do bem: de pais para filhos.

 

*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/

 

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2 Comentários

  1. Aruan Nunes Yamakami

    Grande Arnaldo ! Mestre desenhista, um grande condutor dentro de sala de aula, tive o imenso prazer de ser aluno desse cara que era e é fantástico em sala de aula. Sucesso professor !!! Abraços !

  2. Beatriz Teixeira

    Maravilhosa essa trajetória co checo o professor Arnaldo pai , foi professor de meu filho que passou a gostar e estudar história a partir de suas aulas e de suas coisas desenhadas . Um trabalho digno de aplausos e muita divulgação para incentivar outros professores a trabalharem pela causa da educação

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