Artes Plásticas, teatro e empreendedorismo: a inspiradora trajetória de Paulo Fabrino

13 junho 2024 | Destaque, Gente que inspira

Texto: Daniela Penha

Fotos: Arquivo pessoal

Publicação em parceria com Verbo Nostro Comunicação

Uma caixa com lápis de cor. Foi o presente que o menino Paulo pediu de Natal aos pais quando tinha cinco anos de idade. Já sinalizava, tão cedo, que em seus caminhos não haveria as tonalidades da mesmice. 

No ano seguinte entrou na escola, já alfabetizado pela mãe professora. Então, enquanto os colegas aprendiam o abecedário, ele desenhava escondido no caderno. Refúgio que durou pouco tempo. Quando a professora viu os traços nas páginas, trocou a bronca pelo encantamento: “Você desenha muito bem! Quer desenhar na lousa?”. 

Estava formado o primeiro público do menino artista! 

“Uma girafa! Um camelo! Um leão!” Os amigos pediam e Paulo colocava na lousa, sem dificuldades e com muita precisão. 

– Eu desenhava e eles adoravam! Eu me sentia bem… estava fazendo algo bom para os meus amigos com meus desenhos! 

Foi o começo de um caminho só de ida para as artes plásticas que, depois, o conduziram também para o teatro. Hoje, além de empresário, ele é um dos grandes colecionadores do país, com mais de 400 quadros de artistas nacionais. 

– É claro que eu sou feliz! Tenho uma alma cheia de arte! 

Ele anuncia, com o mesmo sorriso comprido que exibe durante toda a conversa. Riso largo e leve em raízes bem fincadas. 

– Eu tenho a cabeça nas nuvens e os pés no chão. 

Paulo Sérgio Fabrino Ribeiro, 80 anos, vive a arte, pela arte. 

Foi artista plástico, fortaleceu o teatro em Ribeirão Preto e, depois, quando se tornou empresário, o fez entre passos artísticos. 

Os móveis que possui na renomada empresa Innovare Work têm movimento, beleza, funcionalidade: móvel-arte. Com os recursos do trabalho muito bem-sucedido, pôde se tornar colecionador. Em especial, das artes de uma artista ribeirão-pretana. 

Paulo tem em sua coleção obras de nomes como Portinari, Tarsila e Alfredo Volpi. São os quadros de Odilla Mestriner, entretanto, que ocupam a sala de entrada do apartamento onde mora, em São Paulo.

– A gente mostra primeiro a rainha! A única artista brasileira com sete bienais! 

No princípio, foi a arte. Ele se encantou pelo trabalho de Odilla ao primeiro olhar. Passou a acompanhar a artista nas exposições, mesmo sem conhecê-la. 

Depois, já apresentados, veio a admiração pela história da mulher que, assim como ele, ignorou as tonalidades da mesmice e rompeu os estereótipos e pré-conceitos. 

Entre as 420 obras da coleção que Paulo guarda, em parceria com o amigo e também colecionador Rogério Ruiz, há 175 só de Odilla. Sua admiração se transformou também em exposição, livro e semeou um filme, em processo de produção. 

– É a maior coleção monográfica do Brasil! 

Um laço sempre atado entre Paulo e a cidade de Ribeirão Preto que, hoje, o nomeia como filho, na entrega do título de cidadão. Uma formalização do que, em afetos, sempre pulsou. 

– Minha alma já está aí, nessa cidade que me trouxe uma bagagem para a vida afora. 

Paulo Fabrino

A pintura

Não se sabe se a arte vem como herança. Há, no entanto, raízes de outrora na história do artista. Randolfo Fabrino foi um poeta notável nas Minas Gerais de 1880. 

– Meu avô foi um grande poeta parnasiano! 

Hoje, uma rua em Carmo do Rio Claro homenageia Randolfo, que também é citado em livros e artigos de poesia. A cidadezinha, no interior de Minas Gerais, fica a 20 quilômetros de Conceição da Aparecida, onde nasceu Paulo Fabrino, em 1944. 

Seu pai era fazendeiro e sua mãe dividia a rotina como dona de casa e professora. 

– Ela tinha uma sensibilidade muito forte! Imagine ser professora naquela época?

Tiveram seis filhos. Paulo foi o único a seguir pelas artes, entre as muitas preocupações do pai. 

Quando ele ainda era bem pequeno, a família se mudou para Alfenas, para que os filhos pudessem estudar. Em Conceição, que hoje tem pouco mais de 10,3 mil habitantes, não havia encaminhamentos para os estudos naquela época. 

Um pouco depois, quando Paulo tinha nove anos, os pais decidiram se mudar para Botucatu, interior de São Paulo. Não demorou para que o menino artista também encantasse o interior paulista com seus desenhos. 

– Aos 14 anos, eu já dava aulas de pintura para 100 pessoas! 

O incentivo para se formar desenhista veio do professor de desenho Flávio, do Instituto de Educação Cardoso de Almeida, onde Paulo estudava na cidade de Botucatu. “Eu gostaria que você fosse meu substituto aqui na escola”, o professor sinalizou. 

Paulo imaginou todo um futuro como professor de desenho. Em 1964, partiu para Ribeirão Preto em busca de formação na Escola de Artes Plásticas e, depois, na Escola Municipal de Belas Artes. 

Foi aluno de grandes nomes como Francisco Amêndola e Bassano Vaccarini. 

– A paixão pelas Artes Plásticas está nesse desejo de retratar o que eu vejo por meio do desenho, que depois passa pela pintura. É uma força que vem de dentro. 

Quando chegou a Ribeirão, viveu por dois anos na casa de um tio, que o recebeu com todo carinho. Depois, morando em uma pensão, trabalhava com sua arte, inclusive na área publicitária, para arcar com as despesas. 

Decidiu, então, cursar Arquitetura. Passou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, mas não conseguiu arcar com custos tão mais altos. 

– Não tive dinheiro para ir. No ano seguinte, abriu o curso de Engenharia em Ribeirão Preto. Eu entrei achando que tinha algo a ver com Arquitetura. 

Não tinha. E, para não se perder entre a exatidão dos números e projetos civis, retomou outra paixão. 

O teatro 

Paulo se lembra que tinha entre nove e 10 anos na primeira vez em que assistiu a uma peça de teatro. Era um grupo itinerante, que viajava pelas cidades se apresentando. “A escrava Isaura” foi a encenação. Ele, um menino, saiu gritando da plateia em súplicas: “Pare de bater nela!”. 

Foi arrebatado naquele instante pela arte que atravessa a vida. 

– O teatro é a beleza de se contar uma história bem contada, que transforma as pessoas.

Ainda morando em Botucatu, em 1963 apresentou sua primeira peça, “O Telescópio”. Chamado para contracenar em cima da hora, teve uma semana para decorar as falas. E quis somar outra função. 

– O cenário era uma fazenda. Eu cresci em uma fazenda. Olhava para aquilo e dizia: ‘Não é assim!’. Então, eles me deixaram fazer a cenografia. 

Aos 18 anos, em sua estreia, foi premiado como melhor ator coadjuvante e pelo cenário no I Festival de Teatro Amador do Estado de São Paulo. 

Em Ribeirão Preto, continuou nos palcos. Criou grupos de teatro e foi somando premiações e aplausos. Cursando a faculdade de Engenharia Civil no Moura Lacerda, em 1970, encontrou no teatro o respiro necessário para o curso que não lhe trazia encantamentos. 

– Foi minha válvula de escape! 

A frente do Teatro Universitário do Moura Lacerda, conquistou bolsa para o curso de Engenharia. Também dava aulas de desenho na própria faculdade para arcar com as mensalidades. 

Ajudou a criar o Teatro de Arena e a fundar o Teatro Municipal de Ribeirão Preto e relembra o orgulho de ver o grupo local ser aplaudido efusivamente pelo público em sua estreia no palco. 

O teatro era uma manifestação de suas angústias e anseios. Colocava em cena sua indignação com a ditadura militar que, em plena década de 60, somava sumiços, torturas, silêncios. Montou “Os fuzis da senhora Carrar”, de Bertold Brecht, para lutar pela democracia e gritar a raiva, protegido pela arte que tudo – ou quase tudo – pode. 

Os recursos para as peças vinham de muitas trocas e arranjos. Para os figurinos, pedia fiado em uma grande loja de departamentos no calçadão de Ribeirão Preto. Os cartazes eram desenhados pelos amigos das artes e espalhados pela cidade. Buscava ajuda nas rádios para gravar fitas com a sonoplastia das cenas.

Quando as cortinas estavam prestes a se fechar, o sinal de que todo o esforço valera a pena vinha em palmas efusivas. 

– A coisa mais gostosa do teatro é o aplauso do público no final do espetáculo. 

Em 1973, Paulo passou a integrar o grupo de teatro do Sesi e se mudou para São Paulo. Contracenou com grandes nomes, como Tony Ramos e Lilian Fernandes, e continuando somando prêmios nos palcos. 

Um outro caminho começou a se desenhar nessa mesma época, porém. Foi convidado para trabalhar em uma grande empresa de móveis e, logo, passou a desenhar projetos. 

– Eu caí dentro da melhor empresa de mobiliário do mundo. Era uma revolução do conceito mobiliário. Eu vendia esses móveis como se estivesse fazendo cenários dentro das empresas. Cenários lindos! 

Não deixou a arte. Encontrou novas formas de trazê-la para sua vida. 

– Logo eu comecei a ganhar dinheiro e pude comprar obras. 

A Innovare Work, empresa que mantém em sociedade, soma muitos anos de história, com milhares de projetos desenvolvidos Brasil afora. 

A Odilla

– O desenho dela era demais para minha cabeça. Era uma força muito grande. Foi um impacto! 

Paulo estava no primeiro ano do curso de Artes Plásticas quando conheceu a obra de Odilla, em uma exposição. 

– Para você ter ideia do quanto o impacto foi forte, eu pensei: ‘Acho que vou parar porque nunca vou chegar nesse nível’. 

Ele não parou. Continuou a desenhar e a seguir a artista, que só conhecia pelos comentários dos amigos e pelas obras. 

– Eu visitava todas as exposições que ela fazia. Nessa época, ela já era muito conhecida. 

Quando entrou na faculdade de Engenharia, percebeu um sobrenome conhecido na lista dos colegas de sala: José Roberto Mestriner. Foi logo questionando: “O que você é da Odilla?”. 

Conheceu a artista em um almoço na casa do José, que era irmão de Odilla. 

Um vínculo foi criado para toda a vida. 

– Fui morar em São Paulo e sempre ia nas exposições dela. Fazia questão de estar presente nos vernissages, para encontrá-la, mas nunca havia comprado uma obra. 

O primeiro quadro de sua coleção foi adquirido em 1982, com um empurrãozinho da artista. 

– Eu fui a uma exposição linda dela, com obras de aquarela. Ela disse: ‘Agora você vai comprar’. Chamou a dona da galeria e disse que eu iria parcelar em 10 vezes. 

A partir daí, Paulo começou a adquirir obras com rotina. Todo ano, comprava dois ou três quadros. Já morava em São Paulo, mas viajava sempre a Ribeirão para visitar a artista (e sua família, que continua por aqui).  

– Ela começou a me orientar sobre a importância das obras, para que eu formasse uma coleção. 

Juntos, dividindo a mesma paixão, Paulo e Rogério fizeram crescer o catálogo de peças. 

– Eu vi a dificuldade da Odilla em fazer o trabalho dela. Primeiro, pela questão física. Ela pintou mais de 1,5 mil obras com problemas de movimentação nas mãos. Depois, ela era uma mulher, no interior de São Paulo, década de 50, e conquistando tudo o que ela conquistou! Ela se superou de todas as formas! 

Em dezembro de 2008, esteve com a amiga, já doente, acamada por um câncer no fígado. Pôde lhe entregar o esboço do livro que estava produzindo havia seis anos. “Odilla Mestriner: o olhar do colecionador” entrelaçou a história da artista com a de seu admirador, retratando a trajetória dela com as obras que integravam a coleção dele. 

Quando relembra este dia, Paulo, pela primeira vez, troca o sorriso pelo choro. Não é um choro triste, mas embalado pela saudade emocionada de um vínculo que atravessa sua trajetória. 

– Foi uma emoção muito forte. Ela viu que nós havíamos batalhado para contar a vida dela. 

Odilla faleceu em fevereiro de 2009, aos 80 anos. Seu legado permanece. 

Em março de 2023, Paulo e Rogério trouxeram a coleção para uma exposição no Museu de Arte de Ribeirão Preto (MARP). Agora, estão produzindo o segundo livro e também um filme com a história da artista. 

– Ela foi uma mulher com letra maiúscula. Um grande ser humano. Uma das grandes artistas do Brasil. 

O tempo

O apartamento onde Paulo vive, em São Paulo, quase se confunde com uma galeria entre tanta arte. São 420 quadros ao todo. Os quartos, transformados em sala para a exposição das obras, se dividem entre os artistas. Na primeira sala, está Odilla. Em outra, estão mais nomes do Modernismo em Ribeirão Preto, como Bassano Vaccarini e Amêndola. E há mais uma, com artistas do Modernismo brasileiro: Tarsila, Portinari, entre outros. 

Paulo continua buscando e fomentando a arte nacional. 

Em contraponto aos cartazes pintados à mão, que antes eram a única forma de divulgar as peças de teatro, hoje ele compartilha as obras que gosta em um clique, com uma conta muito ativa no Instagram. 

Dia desses, divulgou um artista de Florianópolis e, com esse empurrãozinho, colocou o jovem nos holofotes, com exposição e dezenas de obras vendidas. 

Também gosta de compartilhar sua rotina, os passeios e a boa gastronomia: seus prazeres da atualidade. Nesta semana, postou a alegria pela homenagem recebida na Câmara Municipal de Ribeirão Preto. 

O sorrisão largo está sempre no rosto, entre uma foto e outra. Bem como as paredes estampadas de obras. 

Aos 80 anos, diz que não tem nenhuma previsão de pausa ou – imagine! – parada. 

– Vou parar? Quem disse? Vou parar de trabalhar? De fazer arte? Para quê? 

Um dos aprendizados que colecionou de sua amiga-artista foi justamente esse, de criar um tempo singular, que ultrapassa relógios e ignora as prisões físicas. 

– A Odilla já estava na cama e dizia: ‘Eu ainda quero pintar!’. Eu achava aquilo tão lindo… a alma dela ainda queria deixar alguma coisa…

Paulo segue, então. Entre encontros e cores, temperos e palcos. História desenhada entre muitas nuances, sempre vibrantes. As tonalidades da mesmice não cabem no desenho. 

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