Atuando em instituições sociais, Daiane transforma dor do passado em empatia

6 julho 2022 | Destaque, Gente que alimenta, Projetos especiais

Texto: Daniela PenhaFotos: Tatiane SilvestroniIlustração: Cordeiro de Sá – Produção: Vandreza Freiria

Entre as lembranças da infância, uma surge mais forte na trajetória narrada.

Daiane, ainda menina, estava com a mãe vendendo sorvetes. A necessidade era imensa. Então, além de vender, a mãe pedia doações do que viesse. Tudo ajudava.

A ofensa chegou certeira, sem rodeios. “Vagabunda. Por que não vai trabalhar?”

Palavra marca. Cicatriza, mas não se apaga.

– Doeu demais em mim, porque eu sabia do esforço que a minha mãe fazia.

No trabalho de Daiane, passado e presente se entrelaçam. Acolher uma família que precisa de ajuda é abraçar a própria dor.

– Quando uma família chega até mim, eu procuro tratar da melhor forma possível, que é como eu gostaria de ter sido tratada. Nós passamos fome. Por isso, eu me identifico.

Hoje, pode reescrever a história. A dor se transforma em acolhimento, empatia.

Daiane Augusta de Campos, 34 anos, trabalha em instituições filantrópicas de Jundiaí desde seu primeiro emprego, aos 17 anos. Naquela época, foi a oportunidade que surgiu, ela não esconde. Mas a vida tem suas artimanhas. Vai entregando o melhor caminho, mesmo entre calçadas esburacadas e pedregulhos.

– Eu me identifiquei. É bonito e gratificante saber que posso fazer o bem para uma família.

Há quase duas décadas, então, atua pela solidariedade. A morada recente é a Ateal (Associação Terapêutica de Estimulação Auditiva e Linguagem), em Jundiaí.

Entrou há sete anos. Começou no telemarketing, buscando doações. Mesma função que desempenhou nas outras instituições. Há dois anos, passou a trabalhar com as famílias assistidas e conheceu o Mesa Brasil do Sesc Jundiaí, programa que constrói pontes entre quem pode ajudar e as entidades que precisam de ajuda.  

O encantamento ficou ainda maior.

– Depois que eu conheci o Mesa, entrei na faculdade de Assistência Social. Era um sonho muito distante. Eu achava que não iria conseguir.

Na instituição, acompanhada de gente querida, se fortaleceu.

– Aqui na Ateal, tive a motivação para voltar a estudar.

O passado está presente, mas reescrito em novas páginas. De lá, Daiane só quer mesmo a empatia potencializada.

– A gente cresce, mas tudo o que passamos fica ali, no inconsciente.

Ateal Jundiaí

Daiane é a filha do meio entre cinco irmãos. A infância foi marcada pela falta.

– Não tinha saneamento, energia elétrica. Venho lá de baixo. Nossa casa era um barraco, na favela.

O pai tinha distúrbios psiquiátricos. Hoje, ela sabe. Na época, só sabia da violência. A mãe fugiu de casa. Deixou os cinco pequenos porque não sabia mais o que fazer. Daiane tinha oito anos e o caçula era bebê.

– A gente vivia largado.

Com 12 anos ela também fugiu, em busca da mãe. Partiu primeiro, mas, depois, a mãe foi retomando também a guarda dos irmãos.

– Aí eu comecei a melhorar na escola, melhorar meu convívio com as pessoas. Eu tinha muita dificuldade de aprendizagem. Por isso achava que não conseguiria fazer uma faculdade.

 Aos 15 anos, conheceu seu marido. Logo foram morar juntos. Apesar da pouca idade, queriam construir a própria história, um lar. Engravidou aos 18 e o primeiro filho nasceu quando tinha 19.

  Aos 17, começou a trabalhar coletando doações em telemarketing para a Apae de Jundiaí. Descobriu uma área a seguir por toda trajetória.

– No telefone, eu falava com diversos tipos de pessoas. Os idosos precisavam conversar, havia pessoas sozinhas. E eu conversava, acolhia. Tem contribuintes daquela época que perguntam por mim até hoje.

Hoje, na Ateal (Associação Terapêutica de Estimulação Auditiva e Linguagem) é responsável pela triagem de pacientes, além da doação de alimentos.

Ateal Jundiaí

Com 40 anos de história, a instituição atende pacientes de todas as faixas etárias: de bebês à terceira idade, abrangendo 18 municípios da região de Jundiaí, uma população de 1,7 milhão de pessoas. Credenciada pelo SUS, é referência no atendimento e reabilitação de pacientes com deficiência auditiva, atuando na assistência e pesquisa.

– Muitas vezes a família chega aqui para passar o dia todo, sem alimentos, sem nada. Nós oferecemos leite, bolachas. Se é o caso, também oferecemos um valor para que a família se alimente na cantina.

 Para as famílias de crianças em terapia constante, que passam pela instituição semanalmente, são oferecidas as doações de mantimentos que chegam pelo Mesa Brasil Jundiaí. O programa, realizado pelo Sesc Jundiaí, constrói pontes entre quem pode ajudar e as instituições que precisam de ajuda (leia mais abaixo).

De junho de 2019, quando foi cadastrada, até maio de 2022 a instituição já havia recebido 9 toneladas de alimentos.

– Nós avisamos por mensagens e eles vêm retirar.

Algumas histórias relembram à Daiane, dia a dia, a importância do que faz. Um atendido pega ônibus e percorre grande distância para buscar qualquer doação que chega. Ainda que só tenha cachos de banana naquele dia, ele faz o trajeto para buscar.

Outra família gravou um vídeo para agradecer a doação. Muito emocionada, a avó relata que, durante os dias de pandemia, com as contas muito apertadas, não tinha sequer leite para dar ao neto. Foi à Ateal para que o pequeno passasse por atendimento. Por lá, recebeu leite, bolacha, pão e pôde levar mantimentos para casa.

– Ela diz que no momento em que mais precisou pôde contar conosco. É muito gratificante poder ser um instrumento, fazer o bem.

 As histórias do presente fazem ressurgir outras, do passado.

Daiane, ainda criança, estava com o pai. O gerente de um supermercado disse que eles podiam entrar no estabelecimento e pegar tudo o que conseguissem levar.

– Criança geralmente vai em doces, né? Eu queria frutas, porque a gente não tinha. Eu não podia comer. Não é todo mundo que tem condições de comprar. Por isso, o Mesa Brasil é tão importante. 

ATEAL Jundiaí

O encorajamento para a faculdade veio após conhecer o programa. As parceiras de trabalho na instituição foram a força que faltava. Daiane está cursando o terceiro semestre de Assistência Social na faculdade Anhanguera, de Jundiaí.

– Minha luta não parou!

O curso também ajuda nos cuidados e direitos dos filhos. São dois, de 16 e 11 anos. O caçula tem transtorno do espectro autista.

– Na faculdade eu aprendo como acolher as famílias, quais os nossos direitos.

O desejo é continuar na Ateal, seguir construindo e somando com a instituição.

O final da narrativa, assim, é feliz, como a gente sempre torce para ser.

– Eu tenho orgulho de mim, da minha família por ver que passamos por tantas coisas e estamos bem. Com tudo isso, somos unidos. Todos os meus irmãos estão bem.

O dia a dia não é fácil. Daiane e o marido fazem malabarismos para manter a casa e dar aos filhos sempre o melhor.

– As pessoas colocam a culpa no passado para errar. Eu não fiz isso.

Usa o que passou de escada e vai seguindo. Não é fácil, eu lhe digo. E, então, pergunto:

– De onde veio a força para transformar e seguir?

– É o amor de Deus e a vontade de melhorar, crescer.

Ela encerra ensinando

Conheça mais sobre o Mesa Brasil

Que tal criarmos uma ponte entre quem precisa de ajuda para matar a fome e quem pode e quer fazer o bem? Uma ponte que consiga unir essas duas pontas, fazendo com que os alimentos que sobram para um cheguem à mesa do outro? 

É isso que faz o programa Mesa Brasil, criado pelo SESC SP há 27 anos e presente em todo o país.

Caminhões coletam diariamente doações de alimentos com empresas, supermercados, cerealistas, produtores, entre outros fornecedores e entregam para instituições sociais e hospitais. Só em São Paulo são 30 caminhões circulando todos os dias para atender 95 cidades paulistas.

Realizando a coleta e a entrega dos produtos, o Sesc São Paulo facilita o caminho para quem quer doar e garante que toneladas de alimentos que seriam desperdiçados cheguem à mesa de quem precisa: uma rede de combate à fome! 

Em 2021, foram 1341 instituições sociais beneficiadas, além de milhares de famílias que levam alimentos direto para suas casas. As 1191 empresas doadoras fizeram 6,4 milhões de quilos de alimentos chegarem à mesa de quem precisa.

Em Jundiaí, o programa foi implantado em maio de 2019 e já distribuiu mais de 706 toneladas de alimentos, para 44 entidades cadastradas. Ao todo, quase 9 mil pessoas foram beneficiadas pela solidariedade de 63 instituições doadoras.

O projeto “Gente que Alimenta” conta as histórias de quem faz esse programa do bem acontecer: doadores e instituições que precisam de apoio para continuarem suas atividades. 

Quer saber mais sobre o Mesa Brasil? Quer se tornar um doador? Acesse o SITE AQUI e se encante ainda mais com esse bonito programa! 

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