Barrinha: Carlos Susuki leva aprendizados da cultura japonesa para agricultura

18 agosto 2021 | Destaque, Gente que alimenta, Projetos especiais

Texto: Daniela Penha Fotos: Sheila Brandão Ilustração: Cordeiro de Sá – Produção: Vandreza Freiria

Os anos em que viveu no Japão ensinaram tantas coisas que Carlos poderia passar horas contando. Aprendeu sobre honestidade, valores, respeito aos antepassados. Leva tudo na bagagem, sempre ao lado.

 Seu pai, que veio do Japão ainda na barriga, já começara bem antes a construir um legado para os filhos. As refeições eram quase rituais para a família. Não podiam falar em português, só em japonês. E nenhum grão de arroz, nenhum mesmo, podia sobrar.

– Depois que a gente acabava, ele olhava os pratos. Deixar a comida era uma ofensa. Ele dizia que um único grão de arroz, em três gerações de safra, dá para alimentar uma família inteira. E é isso mesmo.

Carlos Susuki, 52 anos, e seus três irmãos foram criados na terra, no cultivo de hortaliças. Aprenderam a respeitar o tempo da produção, a regar as pequenas mudas e a não desperdiçar.

O termo japonês “Mottainai”, ele explica, simboliza o combate ao desperdício. Não só de bens materiais, mas também de sentimentos, energias. Uma vida em que se aproveite ao máximo todos os grãos e os instantes.    

– Nós crescemos nessa filosofia.

Carlos fez engenharia agrônoma, mas seguiu os caminhos de seus avós e pais. Se tornou produtor de hortaliças, com produção em Barrinha, região de Ribeirão Preto. Alface é o principal produto, seguida de outras folhosas como couve, couve-flor, brócolis.

Comercializa em supermercados e restaurantes da pequena cidade e também tem um box no Ceagesp de Ribeirão, com distribuição para centenas de municípios. Além disso, fornece para a merenda escolar. No ano passado, quando a pandemia chegou, ele percebeu, então, que teria um grande excedente de couves. Com as escolas fechadas, mais de uma tonelada de verduras que iriam para o prato das crianças seriam desperdiçadas.

– Eu olhava aquelas folhas perfeitas… não é uma questão financeira. Lógico que perdemos o investimento, mas olhar aquelas folhas e pensar que iriam virar adubo foi difícil. Eu precisava doar para alguém!

Na família onde não se admitia a sobra de um grão de arroz, esse desperdício seria uma grande ofensa. Carlos, então, foi buscar instituições para receber as verduras.

Perguntando aqui e ali, conheceu o Mesa Brasil e se tornou um doador. Só nessa primeira doação, foram mais de uma tonelada de verduras para a mesa de quem precisa. Depois, não parou mais. De março de 2020 a julho de 2021, ele doou 3.3 toneladas de verduras: mais de 3300 pés!

 Mais uma das ações do bem que ele procura somar à rotina. “Mottainai” sempre!

– É isso que vivi, que foi ensinado a mim. A palavra empatia casou certinho com a pandemia. Vemos no dia a dia pessoas passando fome. Precisamos nos colocar no lugar delas.

               

História de gerações

Os avós maternos e paternos vieram da região norte do Japão. O pai de Carlos chegou na barriga e nasceu em Terra Roxa. Vieram trabalhar nas plantações de café, mas também trouxeram na bagagem os conhecimentos com agricultura, que somaram lá do outro lado do mundo.  Partiram, então, para a região do Cinturão Verde e começaram a produzir hortaliças.

Carlos nasceu e cresceu em Mogi das Cruzes, sempre com as mãos e os pés na terra.

Fez Engenharia Agrônoma na Unesp e, quando se formou, em 1993, decidiu buscar um antigo sonho. O mais velho de quatro irmãos, acompanhou a luta dos pais para que todos os filhos pudessem crescer com todas as possibilidades, estudar, escolher caminhos.

– Eles dedicaram a vida para a gente e não tinham casa própria.

Embarcou pela primeira vez para o Japão em abril de 1993. Sua esposa (que era namorada na época) ficou no Brasil. Ele passou quase dois anos trabalhando como operário e fazendo um “pé de meia”, como diz. Construiu a casa onde os pais vivem até hoje.

Voltou para o Brasil, se casou e, em 1995, partiu de novo. Dessa vez, acompanhado pela esposa, que é zootecnista.

– A gente precisava começar a vida!

Passaram pouco mais de quatro anos trabalhando como operários.       

Quando voltaram, além de uma bagagem cheia de aprendizados, trouxeram os recursos para montar a horta, em Barrinha.

Carlos Susuki horta

Aprendizados do outro continente

 Carlos conta algumas das situações que viveu no outro continente. Moravam em um bairro de periferia, em Tóquio. Os espaços vazios eram utilizados para o cultivo de vegetais e cada um sabia qual era sua quadra, seu perímetro.

Em frente a algumas dessas hortas, havia barraquinhas para a venda. A que eles frequentavam funcionava com bom-senso e honestidade. Uma caixinha ficava em cima da banca. O cliente escolhia o que queria e colocava o valor que deveria pagar ali. Se precisasse de troco, era só pegar. Ninguém checava se o valor estava correto.

– De manhã, quando a gente passava, a banquinha estava cheia. À tarde, já estava vazia. Eles diziam que as pessoas deixavam dinheiro a mais. Não se mexe no que é dos outros.

Como essa, viveu outras muitas situações.

– Aprendi a cultuar os antepassados e a entender que sem eles não existiríamos hoje. A valorizar ainda mais a família. Agora, a gente tenta transmitir esses ensinamentos para nossa filha, para não se perder.

A filha tem 18 anos e a horta nasceu há 22.

Começaram entre vendavais. Carlos explica que a maior dificuldade para o produtor rural é o clima. É preciso enfrentar o frio, a seca, o calor, a geada, as chuvas do verão. Toda estação traz seu desafio.

– Para ter uma boa produção o clima precisa estar favorável.

Para diminuir os efeitos climáticos, instalam-se estufas plásticas. Foi o que ele fez, lá no começo. Antes mesmo de colher a primeira produção, percebeu o que viria pela frente.

– Montei as estufas, plantei alface e veio um vendaval. Arrebentou tudo, arrancou as mudas. Metade foi arrancada.

Hoje, mais de uma década depois, já sabe lidar.

– Tudo faz parte da vida da gente. As coisas boas e as ruins.

Carlos Susuki horta

Solidariedade e afeto

Não é preciso muito tempo de prosa para perceber que Carlos coloca carinho em cada muda que vai para o chão. E continua com a mão na terra, aliás.

– Eu sou o primeiro a chegar e o último que vai embora.

De domingo a domingo está na horta. Faz o trabalho com as máquinas e dirige o caminhão para as entregas. Duas vezes por semana, leva os produtos para o Ceagesp de Ribeirão. Sai de Barrinha na noite anterior e dorme no caminhão para que, ainda na madrugada, possa começar as vendas.

– A vida da gente é assim: se fizer aquilo que gosta com amor e respeito ao que faz, dá certo.

As doações, então, são mais uma fatia desse fazer cheio de afeto.

– Alguém está se alimentando do que a gente produz. Quando vemos na televisão reportagens de famílias que não têm o que comer, com a geladeira que tem só água, o rosto dessas pessoas é assustador…  A pessoa ter algo no prato e poder sorrir é tudo para a gente.

Assim, o ciclo vai se fechando. O aprendizado que começou lá com o pai continua pulsando e passando pelas gerações. “Mottainai” sempre, para que todo grão seja aproveitado.

Conheça mais sobre o Mesa Brasil

Que tal criarmos uma ponte entre quem precisa de ajuda para matar a fome e quem pode e quer fazer o bem? Uma ponte que consiga unir essas duas pontas, fazendo com que os alimentos que sobram para um cheguem à mesa do outro? 

É isso que faz o programa Mesa Brasil, criado pelo SESC SP há 27 anos e presente em todo o país.

Caminhões coletam diariamente doações de alimentos com empresas, supermercados, cerealistas, produtores, entre outros fornecedores e entregam para instituições sociais e hospitais. Só em São Paulo são 30 caminhões circulando todos os dias para atender 63 cidades paulistas. 

Realizando a coleta e a entrega dos produtos, o Sesc São Paulo facilita o caminho para quem quer doar e garante que toneladas de alimentos que seriam desperdiçados cheguem à mesa de quem precisa: uma rede de combate à fome! 

Em tempos de pandemia, o programa se tornou ainda mais fundamental. Só em 2020 foram distribuídos mais de 7.200.000 kg de alimentos, além de 470.000 kg de produtos de higiene e limpeza para 1.150 instituições sociais e 120.000 famílias. Em 2021, já são 2.425.809 kg de alimentos arrecadados. 

Em Ribeirão Preto, o programa existe desde 2014. Dois caminhões passam pelas empresas doadoras pela manhã, para coletar os alimentos doados, e, no período da tarde, levam o que foi coletado para as instituições sociais. Em 2020, o programa coletou 220 toneladas de alimentos e materiais de limpeza e higiene. Atualmente, está com 87 instituições sociais cadastradas e mais de 3000 famílias atendidas.

O Mesa Brasil do SESC Ribeirão atende, além de Ribeirão, as cidades de Serrana, Sertãozinho, Santa Rosa do Viterbo, Guariba, Jaboticabal, Franca e Barretos. De janeiro até agosto de 2021 já coletou 132 toneladas de alimentos. E os números não param de crescer – ainda bem!

O projeto “Gente que Alimenta” conta as histórias de quem faz esse programa do bem acontecer: doadores e instituições que precisam de apoio para continuarem suas atividades. 

Quer saber mais sobre o Mesa Brasil? Quer se tornar um doador? Acesse o SITE AQUI e se encante ainda mais com esse bonito programa! 

Compartilhe esta história

1 Comentário

  1. Maria Lúcia de Andrade Monte Alegre

    Fico feliz e admiro este projeto Mesa Brasil, e todos que colaboram pra tudo acontecer. Alimentos precisam ser muito bem cuidados. Precisa de destino correto, não podemos desperdiçar. Parabéns a todos! Estou impressionada com cada história!

Outras histórias