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História narrada pela jornalista Daniela Penha
Quando Benilde decidiu ser professora, já tinha história extensa para contar.
A garra é herança da família, que deixou o interior de Minas Gerais em busca de vida melhor em Ribeirão Preto. Além de Benilde, outros oito filhos. Todos ajudavam em casa, mas sem deixar de estudar.
Ela, então, começou a trabalhar aos 14 anos como balconista, fez curso técnico contábil, atuou em depósitos de material para construção, empresas de telefonia, vendas.
Aos 18 anos, engravidou. A comoção foi grande. Criada na igreja, Benilde era rotulada como “santa”. Se casou com o namorado e seguiu trabalhando até decidir, com mais de 30 anos, que era hora de mudar a rotina.
A Pedagogia foi uma escolha, entre outras possíveis. E precisou ser firme. Alguns não compreenderam. “Você vai ganhar mal, vai ser maltratada”, foi o que seus irmãos disseram.
Mas a decisão estava tomada.
– Não adianta juntar dinheiro e não ser feliz. Eu queria fazer alguma coisa que eu gostasse.
Aos 32 anos, se matriculou no curso. O marido precisou sustentar a casa sozinho, com os dois filhos ainda pequenos, e ela se desdobrava. Acordava às 5h, deixava as crianças na escola, ia a pé até a faculdade, voltava para buscar os filhos, seguia para o estágio.
Quando se formou, em 2010, aos 36 anos, passou em todos os concursos que prestou: prefeitura de Ribeirão Preto e outras cidades da região, Estado de São Paulo, instituições.
Escolheu Ribeirão e hoje trabalha com os anos iniciais do Ensino Fundamental, na Escola Municipal Júlio Cesar Voltarelli, Parque dos Servidores.
– Ser professor é despertar na criança a vontade de aprender e o quanto é importante aprender. Gerar na criança autonomia, independência.
Em sua trajetória de estudos, uma professora marcou negativamente. Conta que, quando criança, tinha dificuldades de aprendizado, tomava remédios controlados para convulsão, era estrábica. Tudo isso fazia com que fosse taxada como aquela que é “lenta”.
Na terceira série do fundamental, quarto ano hoje, levou um tapa no rosto da professora. Ela achou que a menina estava conversando e lhe agrediu.
– Deu uma repercussão enorme… me mudaram de sala…
A repercussão maior, porém, foi dentro de si. Ela não conseguiu passar de ano e diz que, depois desse momento, passou a se esquecer das lembranças de escola.
– Eu não me lembro o nome dos meus professores, nenhum deles. O dela eu lembro.
Acredita que esse fato participou de sua escolha profissional. Não tem dúvidas de que, diariamente, ele participa de suas práticas.
– A forma como eu lido com as crianças é a que eu gostaria que tivessem lidado comigo.
Coloca o carinho como principal em sua prática, procurando entender cada aluno como único.
Benilde Helena de Moraes Rosa se lembra da viagem. Tinha quatro anos e meio quando a família pegou tudo o que pôde e se mudou, na carroceria de um caminhão, com destino a Ribeirão Preto, em 1979.
– Minha mãe não queria para a gente a vida que ela tinha lá. Ela viu que se não mudasse o único futuro seria a roça.
Sua mãe teve doze gestações, mas três filhos foram perdidos pelo trabalho pesado do dia a dia na roça. Quando se mudaram, a irmã mais nova tinha oito meses. Os dois mais velhos vieram primeiro para buscar emprego. Aos poucos, todos foram se encaminhando.
O pai trabalhava como vigia noturno. A mãe costurava e depois fez um curso de cabelereira. Quando a família conquistou uma casa de Cohab, no Adelino Simioni, o salão de sua mãe foi o primeiro do bairro.
A história da família é contada em detalhes.
– Se eu fosse pelo determinismo, eu não conseguiria nada. Não teria feito nada do que eu tinha para fazer.
É com esse pensamento que procura conduzir suas aulas. Acreditando no potencial, em primeiro lugar.
– Eu gosto da alfabetização porque é a fase em que você vê o desenvolvimento da criança. Ver o início deles e o que podem fazer é emocionante.
Acredita, então, que para que esse desenvolvimento ocorra é preciso estabelecer, em primeiro lugar, vínculos com os alunos.
– Primeiro eu gosto de conversar com eles, entender. É uma relação de amizade, de confiança. Muitas vezes eu perco – entre aspas – tempo na aula trabalhando valores. O que eu percebo é que as crianças gostam de regras. Não querem ficar soltas.
Preza pela sala em ordem, faz um momento de reflexão antes de iniciar a aula, cobra a disciplina.
– Mas também tem hora para brincar, rir da situação.
A vida? Acredita que é preciso fazer o melhor todo dia.
– Eu acredito que cada um de nós tem um propósito aqui. Só se vive uma vez, então tem que fazer o melhor que você puder.
Depois de uma década como professora, aos 45 anos, garante que tem a mesma motivação de quando entrou.
– Dá para aguentar mais uns 10 anos! Enquanto eu tiver saúde mental e física, vou continuar.
Acredita que a profissão precisa ser mais valorizada, mas prefere seguir firme.
– Passei por muitas situações de dificuldade, então dou muito valor ao que eu tenho.
Ainda tem objetivos a serem conquistados. Quer fazer um mestrado, aprimorar mais e mais o conhecimento, continuar na profissão que – entre tantas outras – escolheu:
– Eu era tida como uma criança ‘coitada’. As pessoas achavam que eu não iria conseguir me sobressair nas coisas que estava fazendo. Eu me considero uma pessoa de muito sucesso. Tendo em vista tudo o que esperavam de mim e tudo o que eu conquistei, tive muito sucesso.
*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/
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Obrigada Daniela! É exatamente isso, obrigada pelo cuidado e carinho com que fizeste este trabalho. De verdade, sigo amando o que faço. Se não tiver amor, não há sentido.
Simpática, pensei antes que eram ficções, depois que comprei vi que eram fatos, ficou mais interessante!