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Esta história foi narrada pelos integrantes do projeto Doadores de Voz, dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unaerp!
Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 16 de maio de 2017!
– Vou morrer trabalhando. Não vou morrer de pijamas. E quando eu morrer, vou ser cremada e quero que as cinzas sejam jogadas aqui, na Secretaria de Cultura. Porque vou continuar sendo útil. Vou virar adubo.
‘Carminha da cultura’, como é conhecida. É preciso perguntar por quê?
A ela, não basta viver cultura. Quer morrer cultura e continuar ‘culturando’ por aí.
Mas avisa aos maus agouros: nem adianta comemorar. Aos 70 anos, garante que tem muito pela frente.
Depois que conseguiu reverter a aposentadoria na Justiça, voltou ao trabalho cheia da energia concentrada nos dias de folga compulsória. Reverter a aposentadoria: você não leu errado!
É mais que amar o que faz. Carmen Luiza Rezende sente que recebeu um presente.
– Quem me deu o cargo na Secretaria de Cultura foi Deus. Para quem é dado, muito é cobrado. Me dediquei inteiramente, como faço até hoje, para agradecer a oportunidade que Ele me deu.
Passa a vida em estado de gratidão.
Monta barraca, desmonta barraca, carrega barraca por 10 quadras até em casa. Monta barraca, desmonta barraca, carrega barraca e faz duas viagens para pegar o que faltou.
Carminha conta que por volta de 1985 deixou um emprego de carteira assinada porque queria passar mais tempo com o filho. Para sustentar os dois, vendia artesanato na feira da Praça XV de Novembro, Centro de Ribeirão Preto. O menino ia junto.
– Ele dormia embaixo da barraca, comia ali comigo. Era difícil…
Como artesã, começou seu engajamento político.
– Os artesãos tinham que ter voz, alguém que fizesse por eles e conseguisse mudar a feira.
Acompanhou a transferência das bancas da Praça XV para a frente da Catedral e começou a ser voz entre os governantes da época.
Não demorou a ser ação também.
Diz que era chamada para colaborar nos eventos e nas festas até ser convidada para ajudar na organização do Carnaval.
– Eu dei sugestões, me envolvi com as ideias, foi incorporando o evento. Quando eu vi, já estava dentro de tudo isso. E como voluntária.
O convite para, de fato, compor a Secretaria de Cultura veio em 1986. Mas antes, veio o fato que pautou toda sua vida profissional.
– Poucas pessoas sabem disso. Mas é bom que as pessoas saibam.
Carminha é uma mulher de cultura. E fé. A fé é o alicerce da cultura. Ela tem dentro de si a certeza de que foi preparada pelos céus para assumir seu cargo.
A vida seguia entre o sacrifício do monta-desmonta barraca.
Foi participar de um evento espírita e, entre 300 convidados, levantou a mão e fez uma pergunta ao palestrante.
Abriu o coração, contou suas aflições, questionou e ganhou os olhos do médium.
Algumas semanas depois, em uma conversa com o homem, veio a mensagem.
– Ele me chamou, disse que eu era uma mulher muito forte e me passou o recado: ‘Você vai trabalhar na área da cultura: prepare-se. E vai ser por merecimento’.
Cinco meses depois, na feira vendendo seus artesanatos, Carminha recebeu o convite do então secretário de cultura. Ela relembra as palavras de Antônio Pozini e se emociona:
– Ele disse que iria me levar, mas por merecimento. Eu lembrei do recado.
Ela faz questão de contar essa história porque baseou nela a sua atuação na prefeitura.
Carminha viu entrar e sair prefeitos e secretários, trocar gestão, reformular, mudar a forma de fazer e depois voltar à antiga. E permaneceu. Há 31 anos, faz parte da Secretaria de Cultura.
– O que eu tinha que fazer a partir daí, tendo fé como eu tenho? Agradecer à Deus a oportunidade que ele me deu. É o que eu fiz e faço.
Entrou como monitora artística e ficou como a “Carminha da Cultura”.
As festas populares religiosas sempre tiveram a maior parte da sua atenção: Caminhada do Calvário, Folia de Reis, Romaria de Nossa Senhora Aparecida.
Mineira, filha da roça até os sete anos, conta que conheceu ali a cultura popular.
– Parecia que estava tudo dentro de mim. Eu tenho noção de que a fé toca o coração das pessoas.
Conta também que foi tricampeã do Carnaval de rua, à frente de escola. E levou cursos de cultura a todo lugar onde encontrou portas abertas: praças, presídios, ONGS, instituições.
– Eu tenho orgulho de dizer que eu sempre fiz coisas que imaginava que seriam muito boas para Ribeirão. Não fiz mais porque não me foi dada a chance.
O reconhecimento não veio em cargo, mas em título.
Aos 56 anos, recebeu da Câmara Municipal título de cidadã emérita do Carnaval. Há dois anos, aos 68, recebeu título de cidadão ribeirão-pretana.
– Quando me falaram, eu relutei. Depois, compreendi: eu não tenho ouro, mas posso deixar um legado para os meus filhos e netos. Então, concordei.
Concordou e – mais uma vez – renovou as energias. Assim que deixou a Câmara, com o discurso de agradecimento ainda quente, procurou uma faculdade e foi falar com o diretor.
Estava determinada a fazer Turismo e somar um diploma de graduação aos certificados de cursos e especializações artísticas.
– Sai de lá com uma bolsa. Aos 56 anos, fiz faculdade de Turismo.
Em 2007, Carminha foi aposentada compulsoriamente, após um acidente de trabalho que lhe deixou nove meses sem conseguir andar direito.
– Foram sete anos de agonia!
Voltou para a secretaria como voluntária, mas em 2014 teve a ideia:
– Se eu estava trabalhando como voluntária, poderia voltar a trabalhar como funcionária.
Entrou com pedido na Justiça e, aos 67 anos, voltou ao trabalho.
– Enquanto eu tiver olhos, bocas, braços, pernas eu vou ser útil. Eu quero ser útil. Vou agradecer à Deus pela oportunidade.
Volta à história de fé. Ou sempre esteve nela?
Carminha se separou na década de 70, logo depois de ter seu segundo filho. O primeiro morreu dias antes do parto, porque a mãe sofreu um acidente de trânsito.
Hoje, sente que venceu a batalha chamada vida.
– Como ser humano eu digo que sou uma guerreira, vitoriosa. Eu sei o que eu passei, superei e conquistei. Então, hoje sei me dar valor.
Entende a cultura como uma dádiva.
– Provoca o equilíbrio do ser humano, preenche a alma das pessoas, suaviza a mente. Eu sou apaixonada pelo meu trabalho porque eu acredito no que eu faço. E eu acredito porque eu vejo o resultado.
Já avisou lá em cima: não quer morrer de pijamas. E vai além:
– Não tenho medo da morte porque acredito no outro lado. Sei que isso é uma passagem.
Carminha é da Cultura e da fé. É preciso perguntar por quê?
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