Esta história foi narrada pela jornalista Daniela Penha. Para ouvi-la, é só clicar no play:
Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 25 de setembro de 2017
Dupla sertaneja, casamento completo, circo, Patati Patatá, a camisa do time assinada pelo jogador preferido, uma partida de Uno, um abraço.
Josirlei precisa estar atento para não deixar nada escapar. Entre um desabafo e outro, surgem os desejos.
Alguns exigem muitos telefonemas e uma maratona de dias para serem realizados. Outros, são simples. Mas pedem que o padre carregue no coração altas doses de sensibilidade.
Em muitos casos, são os últimos.
– Às vezes a gente entra na vida do outro como se entrasse em um campo minado. Para mim, não. É um campo neutro. É preciso saber ouvir, sem juízos ou achismos.
Há dez anos, Josirlei Aparecido da Silva, o padre Jô, é capelão no Hospital das Clínicas e outros hospitais de Ribeirão Preto.
Diz que o convite surgiu de surpresa.
– Comecei sem saber nada de capelania.
Hoje, dá novos sentidos ao vocabulário católico.
– O papel do capelão é inter-religioso. O hospital é um lugar neutro. Muitos rostos sofridos não querem ser doutrinados. Querem ser amados. Fui percebendo que tinha algo mais a ser oferecido.
Desde que entendeu o papel, ele passa os dias entre os corredores de um hospital e outro. Tem um número de whats app só para receber mensagens e pedidos de pacientes por orações, unções ou desabafos.
Com a equipe de cuidados paliativos do Hospital das Clínicas, auxilia pacientes com doenças incuráveis a viverem seus últimos dias. E, semana sim, outra também, ajuda na realização de últimos sonhos.
– Você não tira a esperança do paciente, mas não propõe uma falsa esperança. Se a pessoa está chegando ao limite da dor, você propõe um novo olhar, com a ideia de dar sentido ao que ela está vivenciando.
O padre, que acredita na vida eterna e que não nascemos para morrer, convive, todos os dias, com a morte. E tem a missão de deixá-la, senão bonita, menos dolorosa.
É terça-feira. Padre Jô visita os pacientes no Hospital das Clínicas e eu o acompanho.
Em duas horas e meia, ele passa por dezenas de leitos, cumprimenta os pacientes e, com três deles, permanece por mais tempo. São pessoas que já acompanha há semanas.
O homem teve a perna amputada por um câncer que já não tem cura. Diz ao padre que está angustiado, mostra-lhe as fotos dos filhos no celular da esposa, fecha os olhos para rezar de mãos dadas com Jô.
O dia a dia de hospital também é feito de esperança. No setor de transplante de medula, o padre abre um sorrisão quando a paciente conta que conseguiu um doador compatível. “Avise o dia certinho do transplante, que eu vou ficar em oração o tempo todo”, pede para a moça, que agradece.
No quarto ao lado, está “o menino bravo”, como as enfermeiras dizem. Tem entre 10 e 11 anos e enfrenta a leucemia. Só abre um sorriso quando o padre o desafia para uma partida de Uno. Jogam em três: Jô, o menino e o pai dele.
É o pai quem ganha em primeiro lugar, mas o menino faz o padre contar as cartas para ter certeza de que, pelo menos do sacerdote, havia ganhado a partida. Sorri mais uma vez e, então, para padre Jô pouco importa a derrota.
São incontáveis os abraços que ele distribui entre os funcionários. “Ah, padre! Graças a Deus o senhor chegou!”, a enfermeira desabafa sem se atentar para a literalidade.
– Os enfermeiros, os médicos, a equipe também são cuidados pelo capelão. Eles precisam estar bem para trabalhar.
Não só eles, como o próprio padre. A doença que atropela a vida é assunto penoso até para os sábios.
Jô sabe que é humano – e não finge outra coisa. Recentemente, superou a vergonha de sair por aí de bermuda e entrou na academia.
Faz terapia e pratica o riso como remédio. Diz que sofre e, como todos, precisa de ajuda.
– O padre também precisa ser amado, ser cuidado.
Também recentemente, decidiu desligar o celular de capelão às 21h.
Repõe as energias para religar logo o dia amanhece. E continuar o trabalho.
Padre Jô reproduz a história que sempre ouviu sobre o próprio nascimento.
Dizia a mãe que faltou pouco para ele morrer no parto. Houve uma complicação e o médico já havia desistido.
– O médico disse que eu estava morto. Foi insistência da enfermeira que fez massagem e eu consegui respirar.
A morte já fazia morada em meio ao nascimento.
Foi criado um pouco por pai e mãe, outro tanto por avós e tios. Parte em Ituiutaba e outra em Ribeirão Preto, onde fez morada.
Com o pai, a relação era conturbada. Ele queria que o jovem entrasse para o exército. Mas, desde pequeno, Jô alimentava o encantamento pela igreja.
Jô estava prestes a se tornar padre quando o pai cometeu suicídio, em 1988.
Pensou em desistir do sacerdócio, com a justificativa de que precisava ajudar a mãe financeiramente.
– Um padre me perguntou: ‘Você está saindo por que sua felicidade está lá fora ou por questões financeiras”. Decidi continuar.
Fortaleceu sua fé na Catedral de Ribeirão, que começou a frequentar ainda moço, com o padre Gilberto Kasper como orientador.
Hoje, além de capelão, ele cuida da Paróquia Santa Tereza D´Ávila, no Jardim Recreio.
– Eu aprendi a dar sentido ao caos. “É na fraqueza que eu me faço forte”, é o que diz São Paulo.
Em dez anos de hospital, padre Jô diz que chorou uma única vez, semanas atrás.
A paciente queria água, mas a recomendação médica era por jejum total.
– Eu me lembrei de Jesus na cruz, que pedia por água e lhe deram vinagre. Dessa vez, eu chorei. Das outras, eu engoli.
Para o padre, cada pessoa está envolta em amor.
– Três coisas norteiam meu trabalho: encontrar Jesus em todos, amar os outros como a mim mesmo, amar a todos independente de quem são.
Aos pacientes em estágio terminal, ele procura levar a fé. Mas uma fé sem amarras.
– A fé é a capacidade de acreditar que ainda tem coisas que são possíveis de fazer.
As palavras, assim, saem em diferentes formas.
– Se é um paciente católico, eu o ajudo a acreditar na vida eterna. Mas e se for um espírita? Tenho que dar a ele possibilidade de lidar com aquele momento com as coisas nas quais acredita. Agora, e se ele não acredita em Deus? Aí, falo do que está ao nosso alcance: a vida até o momento da morte.
Ele diz que os pacientes que não acreditam que existe algo depois da morte se preocupam em resolver pendências do agora:
– A última pessoa que eu quero ver, o último beijo que eu quero dar…
Os últimos desejos vêm de todo tipo de coração, porém.
Padre Jô guarda o vídeo do casamento celebrado no quarto do hospital, com noiva de vestidão, salgadinhos e bolo.
Guarda a lembrança do menininho que o fez mobilizar o mundo para trazer o Patati Patatá. Do outro que sonhava com a camiseta do time autografada.
– Os desejos não acabam enquanto a gente está vivo. Pode ser um fiozinho de vida, mas enquanto tem, há desejo.
Como padre, Jô tem a sua crença sobre a morte.
– A vida eterna é o paraíso, o lugar de Deus. Não há mais dor, não há tristeza, só amor.
Quando pergunto se é para lá que nós vamos, abre um sorriso, dá uma viradinha na cabeça como se quisesse me dizer: isso é pergunta que se faça?
– É para lá que eu quero ir!
E responde cheio da fé que guarda dentro de si.
A fé como capacidade de acreditar. E, acreditando, prosseguir.
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Recentemente este maravilhoso ser humano que é padre jo celebrou uma missa na paróquia a qual frequênto e você consegue encherga a graça desta pessoa parabéns que Deus derrame muitas e muitas bençãos no senhor padre
Pe. Jo meu Deus que ser humano é esse , veio pra dar alegria e esperança pra que. Já perdeu td
Que exemplo de humildade servir aquele irmão que precisa dar um pouco de esperança para um coração sofrido.Que Deus te abençoe e lhe dê forças para continuar.
Há 14 anos Pe Joserlei deixou tudo o que estava fazendo para atender minha ligação implorando que fosse dar a unção dos enfermos para meu pai na UTI do hospital São Francisco pois o médico disse não haver mais esperanca…não demorou muito chegou e após a bênção ao meu pai ele foi solicitado por varios pacientes da UTI…saindo ele ne disse com esse sorriso lindo: “…Seu pai ajudou varias pessoas a chegar no céu …” suas palavras e seu sorriso me confortaram bastante na passagem do meu pai…obrigada Pe. Joserlei que Deus o abençoe e proteja sempre para poder iluminar o caminho de todos ?