Cláudia Habib defende o meio ambiente como promotora de Justiça

7 abril 2020 | Histórias do Proac 2019/2020

Texto e fotos: Alice de Carvalho Leal

 

Ela não sabe dizer ao certo quando foi que se apaixonou pela área em que atua. São, pelo menos, 15 anos trabalhando de maneira especializada e nove deles se dedicando exclusivamente ao Meio Ambiente.

Em 2011, Cláudia Habib Tofano, hoje com 48 anos, ingressou na Promotoria de Ribeirão Preto para estar à frente do Gaema (Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente). Desde então, é responsável por 29 cidades, em uma área que abrange desde Caconde a Pontal.

Há três anos, topou embarcar em um desafio novo: foi nomeada secretária-executiva dos GAEMAs do Estado de São Paulo. São dez núcleos da Promotoria que vivenciam realidades distintas.

Tem descoberto que esse cenário vai muito além de árvores e animais – que, por si só, já seriam de grande importância.

– Tem região que lida com pré-sal, outra com barragens. Aprender com eles é realmente um desafio que tem me feito sair da zona de conforto.

Ela não sabe dizer ao certo quando foi que a paixão surgiu, mas sabe que foi preciso muito esforço para chegar onde está hoje.

Ainda jovem, tinha dúvidas de qual graduação deveria escolher. Pensava em Direito, Medicina e talvez até Jornalismo. Na época, essa era somente uma das decisões difíceis e carregadas de responsabilidades que Cláudia teve que tomar.

Aos 18 anos, casou-se com o então namorado e logo engravidou. Precisou, então, optar por uma faculdade em Ribeirão Preto.

– Se eu não tivesse casado e engravidado, acho que teria partido para a Medicina! Mas escolhi o Direito e aprendi a gostar dele a cada dia.

Logo no primeiro ano do curso, nasceu Maria Cláudia. Conciliar a rotina de estudos com a criação de uma filha não foi fácil. Para isso, contou com muita ajuda dos pais, que sempre estiveram por perto e desempenharam um papel fundamental.

No último ano, prestes a se formar, teve seu segundo filho, Fábio. Nessa mesma época, seu casamento chegou ao fim. Cláudia, com apenas 23 anos, se viu mãe de dois filhos e sozinha.

– Analisando hoje, acredito que foi pura imaturidade. O pai deles é uma pessoa bacana, mas morava fora e não ajudava financeiramente.

Com o diploma em mãos, precisou pensar no que gostaria de trabalhar para sustentar as crianças. O pai de uma das amigas de infância atuava como promotor e serviu de inspiração. Ela decidiu que prestaria o concurso para ingressar no Ministério Público.

– Como promotora, você consegue ajudar as pessoas, mudar uma realidade. Promotor não é acusador, é defensor da sociedade. Ele não precisa esperar o caso chegar, pode sair a campo e levantar as questões que precisam ser trabalhadas.

Para conseguir alcançar o objetivo, era preciso dedicação e muito estudo. Mas não podia deixar de lado o papel que já desempenhava em tempo integral: ser mãe. Ainda amamentando o caçula, montou uma rotina regrada, com horários estabelecidos. Assim, evitava o tempo ocioso e se dividia entre o conteúdo e os filhos.

Durante dois anos, os dias eram assim: acordava às 5h30, começava a estudar às 6h e seguia até às 12h, com pequenos intervalos de 15 minutos. No horário do almoço, ficava com as crianças e tirava meia hora para dormir. Depois, das 13h30 às 19h voltava a estudar, novamente com intervalos de 15 minutos. Das 19h às 20h fazia um novo descanso, para dar janta às crianças, tirava mais um cochilo de meia hora e retomava os estudos até às 23h30. Todos os dias. De segunda a sexta-feira, sábado, domingo e feriado.

– Aquele foi o período em que tive mais disciplina em toda a minha vida. Estava estudando, mas as crianças estavam ali comigo. Parava para amamentar, logo voltava.

No primeiro ano em que prestou o concurso, passou por todas as fases. Quando saiu a lista dos aprovados, das 100 vagas disponíveis Cláudia estava na 102ª posição.

– Foi horrível! Mas me deu muita força para seguir em frente. Falei: vou fazer o que posso e o que não posso para não ter que viver isso de novo. Nada vai me segurar, vou passar.

E passou. No ano seguinte, em 1997, lá estava o nome dela na lista dos classificados. Na véspera do exame oral, precisou abrir mão de participar da festa junina na escola da filha. O resultado saiu no dia em que o filho caçula completou três anos.

A sensação de realização não poderia ser maior. Com apenas 26 anos, Cláudia ingressava como promotora de justiça no Ministério Público.

Promotora do Gaema Cláudia Habib

No início da carreira, não tinha lugar fixo, então vivia viajando. As crianças ficavam com os avós, que eram vizinhos.

Durante toda a trajetória, foi preciso alinhar as responsabilidades profissionais e pessoais. A primeira comarca pela qual ficou responsável foi a de Viradouro. Optou por mudar-se para a cidade ao lado dos filhos e, ao lado deles, viveu um período de muito aprendizado. Por se tratar de uma cidade pequena, que não tinha shoppings e cinemas, as crianças brincavam na rua.

– Lá eles estudavam com o filho do usineiro e também com o filho da senhora que fazia salgado. Então, foi uma experiência muito boa para reforçar nossos valores e a simplicidade.

Após três anos na cidade, optou por voltar a morar em Ribeirão Pretos por conta dos filhos, que estavam na fase da adolescência. De Viradouro, foi transferida para a comarca de Jardinópolis. Em apenas um ano e meio, enfrentou uma fase de grande tensão na cidade. Ela conta que o prefeito municipal era investigado por denúncias de corrupção e tinha sido cassado. Um dia, recebeu uma ligação informando que ele estaria com mais de dez mil documentos públicos na caçamba da própria caminhonete.

– Chegamos lá e fizemos a prisão dele em flagrante, foi um caos. A mulher dele, secretários… tinha tanta gente envolvida. Eu precisei me fortalecer para enfrentar tudo isso e não me abalar emocionalmente.

De lá, mudou-se para Sertãozinho, em 2005, onde começou a trabalhar de forma especializada. Apesar de continuar nas áreas do crime e da família, deixou de fazer júri, infância, improbidade e patrimônio público. Na área criminal, particularmente, Cláudia sentia uma frustração pela falta de políticas públicas adequadas e se via, muitas vezes, de mãos atadas.

– Era como enxugar gelo. Eu sempre gostei dessa área de difusos, trabalhar com deficientes, idosos, porque a gente vê retorno. No meio ambiente, de uma maneira ou de outra, a gente consegue ver resultado.

Começou a aprofundar os trabalhos no setor e a desenvolver os conceitos que vão além do senso comum. Mineração, agrotóxico, resíduos, drenagem, saneamento. Então, todos os esforços se voltaram ao assunto. Hoje, todas as cidades nas quais atua através do GAEMA destinam resíduos sólidos em aterros licenciados, de forma ambientalmente adequada. Três ou quatro delas estão implantando estação de tratamento de esgoto, todas as outras já têm.

– Enxergar todos esses resultados foi determinante para mim.

Promotora do Gaema Cláudia Habib

Apesar de viver muito bem com a própria companhia”, como ela mesma diz, há doze anos, Cláudia conheceu Paulo, seu parceiro de caminhada. O encontro aconteceu por acaso, após o empenho de vários “cupidos” espalhados por aí. Ela abriu o coração não só para um novo amor, mas também para os três filhos dele.

Decidiram morar em um condomínio, em duas casas contíguas, para preservar o espaço dos – agora – cinco filhos. Em 2015, formalizaram a união no civil e, em abril do ano passado, oficializaram a união no religioso.

– Estávamos em 25 pessoas. Dessa vez, eu subi no altar consciente do que estava fazendo, do ato em si, do princípio da fidelidade, da aliança.

Crescidos, os filhos foram tomando seus rumos e deixando a casa dos pais. A mãe coruja, que sempre deu um jeito de ter Maria Cláudia e Fábio por perto, sente que, agora, começa a sobrar um grande espaço nos dias.

Durante os anos em que se desdobrou para se manter firme nas funções de mãe e promotora, precisou aprender a ser pai e mãe, razão e emoção. Educar, caminhar junto e acolher os dois filhos sozinha. Nesses momentos, se apegou à fé. São José, Nossa Senhora, São Francisco, Santo Antônio, Jesus, Anjo da Guarda…

– Eu tive que dar conta dos filhos, do trabalho, sustentar uma casa muito jovem. Aquela ideia de que você não tem valor sem um homem precisa ser mudada. É bacana ter um marido, mas a gente dá conta.

Depois de tanto cuidar de todos, sente que a vida pede mudança. No último dia 5 de fevereiro, enquanto estava a caminho do Gaema para nossa conversa, Cláudia sofreu um acidente. Ela descia de carro pela avenida Carlos Eduardo de Gasperi Consoni, na zona Sul de Ribeirão Preto, quando um caminhão desgovernado atingiu o veículo, que capotou. A carreta ainda atingiu outro carro e caiu em um córrego.

– Eu estava rezando “Maria, passa na frente”, quando o caminhão apareceu. O carro capotou e eu fiquei acordada a todo momento, em choque.

Quando desviraram o veículo, que parou de ponta-cabeça, ela saiu e percebeu que não tinha um arranhão sequer. O carro, por sua vez, deu perda total.

– Tenho pensado muito no acidente, o que será que Deus quis de mim? Acho que talvez seja o momento de eu olhar mais para mim.

 

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