A história estampada na longa barba branca começa no nome.
José Franklin Winston Teixeira de Andrade nasceu na madrugada de 28 de abril de 1945, dia decisivo para o fim da 2ª Guerra Mundial, com a execução de Mussolini pelos italianos.
Em Ribeirão Preto – e em todo Brasil – as pessoas saíam às ruas para comemorar a volta dos “pracinhas brasileiros”, em combate na Itália.
A mãe teve que colocar algodões nos ouvidos do recém-nascido, para protegê-lo dos rojões. E decidiu, então, chamá-lo com os nomes dos estadistas que ajudaram a pôr fim à sanguinolenta guerra.
Para manter o quê de brasileiro, o José substituiu Joseph Stalin, e o nome ficou longo no estilo monarquia.
O Papai Noel mais antigo de Ribeirão Preto tem um baú de histórias dentro de si.
Vai tirando uma e outra, como se abrisse uma grande cartola. Ou será que o saco vermelho carrega além dos presentes?
Só como bom velhinho, Franklin completou 30 anos neste Natal de 2017. Quatorze deles passou como Papai Noel oficial da casinha, na Praça XV de Novembro.
Diz que todos os amigos que começaram a ser Papai Noel na mesma época “já subiram”, quem sabe para o reino dos velhinhos encantados.
Mas ele continua firme. Com o “ho ho ho” forte e sonoro de sempre, deixa mensagem natalina e faz planos para os próximos Natais.
– Para ser Papai Noel, não adianta só vestir a roupa. Tem que ter paciência, carinho, dedicação e amor com as crianças.
Franklin conta que cresceu pela praça que guarda a casinha do Noel, onde hoje ficam as Lojas Americanas, Centro de Ribeirão.
No passado, pequenas casinhas em comunidade formavam aquela área. Dividiu uma delas com os pais e os cinco irmãos.
O pai era linotipista, profissão de estampar jornais naquela época.
Até os seis anos, era Franklin quem lhe ajudava. Conta que era preciso acordar às 4h – porque o pai não tolerava qualquer atraso. E, além de ajudar a estampar os impressos e a limpar a máquina, fazia a entrega do jornal pelo Centro.
Tudo sem deixar de estudar. Às 8h, tinha que estar de volta e pronto para a escola.
Quando acabava a aula, após o almoço, seguia para o trabalho em uma alfaiataria até o fim de tarde. E, mal chegava em casa, caía no sono de tanta canseira. Para às 4h recomeçar toda a rotina, que continuou pesada durante toda a adolescência.
Na casa do Papai Noel, o Natal era feito de dificuldades. Os irmãos mais velhos se uniam para não deixar faltar uma lembrança aos pequenos. E a alegria era a doação de doces que sempre recebiam.
Franklin diz que seu avô se casou três vezes e teve 16 filhos. Talvez uma explicação para os seus cinco casamentos: decidiu seguir a tradição familiar. Teve 13 filhos, que hoje se espalham Brasil afora.
Entusiasta de tudo que vem do bem, foi batizado em oito religiões diferentes.
Fez faculdade de História e Direito, mas sonhava mesmo em ser Psiquiatra.
Além do trabalho com jornal e alfaiate, já atuou com propaganda, foi juiz de paz, atendente em hospital psiquiátrico, escrivão, advogado, consertou eletrodomésticos.
Entre tantos fazeres, o coração se encontrou mesmo pela cultura.
No intervalo entre um trabalho e outro, foi palhaço, fez teatro, cantou em bandas, interpretou São Pedro, Zacarias, Moisés, reis Magos.
Quando vestiu pela primeira vez a roupa vermelha, de maneira um tanto improvisada, decidiu que aquele seria o seu personagem de todo ano, de toda vida.
– Aquele que não nasce com o Papai Noel em si não adianta comprar roupa. Tem que saber a história de São Nicolau. São 30 anos de dedicação e amor às crianças!
E somou mais uma história ao seu baú inusitado.
Franklin estava indo trabalhar quando passou em frente a uma creche, na Vila Virgínia. Era dezembro de 1988 e, aos 43 anos, ele ainda não se sabia Papai Noel.
“O senhor poderia perder uma horinha com as nossas crianças?”, foi o pedido que a funcionária da creche fez, quando viu o homem com porte de Noel passar.
Ela lhe explicou que a pessoa que iria vestir a roupa de Papai Noel tinha ficado doente e as crianças estavam na expectativa pela chegada do velhinho.
– Eu não tinha como negar! Disse que podia tentar! Vesti uma roupa vermelha bem simplesinha que eles tinham arrumado, passei pasta de dentes nas sobrancelhas e fiz o trabalho! No outro dia, fui a uma loja e comprei uma roupa de Papai Noel para mim.
Dias depois, ele alegrava a criançada como Noel no Mercadão Municipal.
E nunca mais parou.
Na época, trabalhava como advogado.
– As pessoas sempre me perguntam porque eu deixei o Direito. E a resposta é: para ser feliz! Eu não me sentia feliz e decidi: de hoje em diante, vou ser Papai Noel!
Por 15 anos, a barba que Franklin usava era postiça. Quando o cabelo começou a branquear, decidiu deixar a barba crescer.
Hoje, exibe a longa barba natural que deixa o encantamento dos pequenos ainda maior.
“Ele é de verdade mesmo!”, diz o menininho que entra na casinha e cai direto nos braços do Noel.
A barba de verdade tem lá seus desafios. Franklin conta que, há 14 anos, nos dias em que fica na casinha atendendo a criançada, não almoça. Substitui a refeição por uma bebida, um suco, um biscoito.
Papai Noel com cheiro de frango e marca de molho na barba perde a magia, não é? Para Franklin, sim!
No dia 25 de dezembro, depois que já entregou os presentes nas casas todas, ele tira o bigode para almoçar. E naquela última semana do ano volta a ter o rosto lisinho, sem barba.
Não há motivos para preocupação, porém. São nove meses para estar Papai Noel de novo. No próximo setembro, a longa barba branca já está de volta.
São muitas as histórias em três décadas de Papai Noel.
Algumas ainda tiram lágrimas do Noel Franklin, o bom velhinho.
Ele relembra a cartinha da mãe que pedia ao Papai Noel comida para colocar na mesa no dia de Natal e uma televisão para a casa que quase nada tinha.
Franklin ainda ouve a voz dela ao atender o seu telefonema: “Papai Noel, é você mesmo?”. Com ajuda de amigos, realizou o pedido.
Nem tudo, porém, é possível realizar. E aí, é preciso entender que a magia do Natal está no coração e não em pacotes debaixo da árvore.
O menino entrou, enquanto a mãe ficou na porta. “O senhor, que vive perto de Jesus, pode pedir para o meu pai sair da cadeia e passar o Natal com a gente?”, Franklin não se esquece das palavras do pequeno.
Segurou a emoção. E disse que iria colocá-lo em todas as suas orações.
– Um milagre só acontece quando está dentro da história natural.
Repetiu para mim o que disse para o menino e, dessa vez, não conseguiu segurar a emoção. Ainda hoje não sabe se o pequeno realizou o pedido de Natal.
Para ser Noel, ele diz, é preciso sentir as crianças.
– O segredo de tudo é o amor!
Antes de terminar, fala da sua coleção de discos, dos teatros que participou… Há sempre uma história para tirar do baú de Franklin.
– A vida é boa? Mesmo que ela não seja, eu a transformo!
Termina com o “Ho ho ho” do início, como só pudera ser.
Assine História do Dia ou faça uma doação de qualquer valor!
Nos ajude a continuar contando histórias!
0 comentários