Claudina guarda no seu armário de pertences do Pronto Socorro as reportagens em jornal já amarelo pelo tempo. Diz que é herança para o filho. Aparece nas fotos, fazendo seu trabalho 30 anos atrás.
São os únicos registros em 46 anos de história como agente de enfermagem do Pronto Socorro Central de Ribeirão Preto.
A funcionária mais antiga entre 8,1 mil servidores da prefeitura do município não gosta de holofotes. Prefere o trabalho feito com zelo. Entrou no PS em 1971 e, em quase meio século, não deixou ou trocou de posto.
De acordo com informações levantadas pelo História do Dia e confirmadas pela prefeitura, ela é a funcionária há mais tempo em exercício de toda rede municipal.
Em tantos anos, já passou por todos os horários. Há uma década, está fixa na escala da manhã. Deveria entrar às 7h e sair às 13h.
Conta, porém, que um supervisor lhe ensinou a se antecipar logo quando começou, na década de 70. Chega, então, por volta das 6h15 e se faz presente.
– Eu abro as salas, ligo os computadores, coloco os materiais para os médicos trabalharem. E, quando dá 7h, bato o ponto. Gosto muito do que eu faço!
Diz que na sua pasta de documentos há apenas dois atestados de afastamento por cirurgia.
– Nunca faltei um dia. Nem por gravidez, nem pelo meu filho.
Aposentada, comemorou quando a lei mudou o tempo máximo de trabalho de 70 – completados nesse domingo (8) – para 75 anos. Não imagina a vida fora dos corredores.
Corredores que, muitas vezes, pela alta demanda de pacientes e responsabilidade, são preteridos por profissionais experientes ou em início de carreira.
– Eu acho que vou ficar doente quando eu sair. Minha vida foi aqui. Eu estou aqui por amor.
O encantamento pela área da saúde nasceu aos 16 anos. Claudina Giorgette conta que teve uma anemia muito grave e em Dumont, onde vivia com os pais e irmãos, não havia médicos.
O farmacêutico, então, orientou a transferência para um hospital de Ribeirão Preto, onde ela passou por tratamento durante meses.
– O carinho e o amor que recebi dos médicos e das enfermeiras me levou para o lado da saúde. Eu achava que seria mais útil cuidando de gente do que como professora, porque eu não tinha paciência para ensinar.
O magistério, então, ficou só no papel. Exerceu a profissão por um único ano e soube que não era mesmo a sua vontade.
Em 1970, aos 22 anos, começou um estágio não remunerado no Pronto Socorro Central de Ribeirão Preto. No ano seguinte, foi contratada como atendente de enfermagem, função que hoje leva o nome de agente de enfermagem.
– O que eu tenho muito no meu currículo é experiência.
Relata que, na época em que entrou, o atendente fazia todas as funções de um enfermeiro. Tem, então, uma lista extensa de partos realizados, muitas vezes, sem estrutura.
– Não tinha rádio. Então, a gente anotava os chamados que vinham pelo telefone na mão e saía com a ambulância. Já fiz parto no escuro, com o motorista segurando uma lanterna.
Ela é de um tempo em que a única tecnologia que o médico dispunha para trabalhar era o aparelho de raio-x.
– Não tinha luva, agulha, papel lençol, aparelhos. As macas eram na força. Os profissionais tinham que estudar muito para dar um diagnóstico! A saúde mudou da água para o vinho.
Mudanças positivas e negativas, na sua visão. Em contrapartida a maior tecnologia, Claudina acredita que as pessoas estão mais doentes.
– Antigamente, não tinha essas doenças todas de hoje. Cada dia é uma doença nova! O ser humano está muito doente. E não é só físico. É mental… Tem doenças causadas por carência, por angústia…
Acredita, então, que o papel do profissional da saúde vai além do medicar e examinar.
– Por mais que doa, é preciso estar ao lado do paciente. Passar segurança. Se doar para quem está precisando é muito prazeroso.
Em uma das reportagens que guarda no armário, ela aparece inaugurando a primeira autoclave horizontal de Ribeirão Preto, para esterilização de materiais, no Pronto Socorro Central. Mais um capítulo da sua história.
– Eu não vejo a valorização aqui da terra. Eu vejo lá de cima. E tenho certeza que Deus me valoriza muito.
Claudina, aos 70 anos, acorda às 4h da madrugada todos os dias – mesmo os de folga.
– Faço meu café, fervo meu leite e às 5h45 pego o ônibus.
Fala que nunca quis aprender a dirigir.
Chegando ao Pronto Socorro, passa um café amargo para uma das médicas que tanto gosta. E começa a rotina.
Diz que, depois daquela anemia que lhe fez se apaixonar pela saúde, nunca mais ficou doente. Não usa um remédio sequer.
A única dose diária são as duas cervejinhas que toma, religiosamente, enquanto prepara o jantar. Apesar de morar sozinha, tem as panelas sempre cheias.
– Eu venho com uma sacola cheia de comidas no ônibus. Na minha marmita, nós almoçamos em sete, oito. E isso é assim há 40 anos. Eu tenho o maior prazer em sentar ao lado de cada um para comermos juntos.
A fala firme e direta, muitas vezes, mascara a doçura que é tão parte da sua história. Mas ela não liga.
– Me chamam de brava. Mas não é isso. Sou firme no que eu faço. É meu jeito.
A funcionária mais antiga da prefeitura não gosta de rodeios. Prefere o trabalho feito com zelo.
Não tem hobbys ou manias.
– Minha vida se resume a isso: trabalhar, trabalhar e ajudar até quando Deus quiser.
Vez em quando, encontra um antigo colega de trabalho.
– As pessoas ficam surpresas: ‘Mas você ainda está lá? Fazendo o quê?’. Não entendem que eu estou aqui por amor. Se você tiver amor no que faz, sai bem feito.
Prefere não pensar sobre o futuro. Torce para que, quando chegar aos 75, a lei mude de novo e lhe presenteie com mais alguns anos de trabalho.
Cuidar, Claudina bem sabe, é, acima de tudo, um ato de – muito – amor.
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mINHA MAE COM TODO ORGULHO DO MUNDO. TE AMO MUITO. PARABENS PELA HISTORIA. UM EXEMPLO DE SER HUMANO E DE DIGNIDADE
Realmente e uma pessoa muito dedicada, e com muita experiencia, que Jesus continue te abencoando hj e sempre.
Parabéns Guerreira que Deus continue abençoando sempre sua vida! ????????
Otima pessoa …
Precisamos de mais gente assim…