Com festas e carinho, Silvana valoriza os garis e coletores de lixo

18 dezembro 2019 | Histórias do Proac 2019/2020

Clique no play para ouvir a história: 

 

Na festa de Davy a criançada usou uniforme de coletor de lixo. Toda a decoração foi nas cores da coleta: verde e amarelo. Mas o ápice mesmo foi quando o caminhão chegou, com os mesmos coletores que passam na casa do pequeno pelas manhãs, prontos para o “parabéns”.

– Ele ficou numa alegria! Nem acreditava!

Silvana Bernardo não poderia recusar um pedido desses. Davy, que nunca havia tido uma festona de aniversário, pediu a ela que realizasse o sonho, com uma temática um tanto inusitada. Ele, que é neto de uma gari, trocou os super-heróis da ficção por aqueles feitos de muita realidade. E escolheu a pessoa mais indicada para realizar o feito.

 

Silvana, que já foi gari, há cinco anos é supervisora na Estre, responsável pela equipe de varredores noturnos, na região central de Ribeirão. A avó de Davy integra a sua equipe. E foi em uma das muitas festas que a supervisora organiza para os funcionários que o menino a conheceu.

– Não é porque a gente é gari que não pode fazer festa. Eu gosto muito de fazer porque vejo o quanto eles ficam felizes!

Dia dos Pais, Dia das Mães, Páscoa, Dia das Crianças, Natal: com Silvana, nada passa em branco. Ela começa os preparativos com antecedência. Algumas festas, como a das crianças, são maiores. Brinquedos, doces, trenzinhos: nada pode faltar.

A maior parte dos gastos são custeados por ela. Conhecida pelo pessoal no Centro, Silvana também recebe doações de gente diversa: garapeiro, síndicos de prédios, comerciantes. Todo mundo reunido para que a alegria dos garis, coletores e de suas famílias seja completa.

Foi na festa de Dia das Crianças deste ano que Davy conheceu a supervisora. Ela decidiu homenagear os varredores de ruas da cidade. Mandou fazer uniformes para quase 50 crianças e foi pagando parcelado, ao longo do ano. No dia da festa, vestido com a roupa laranja e verde, Davy percebeu que seria possível, então, realizar sua vontade.

– Ele me procurou e disse que nunca tinha tido uma festa e que queria que eu fizesse a festa de três anos dele, com o tema dos coletores.

Nada difícil para quem tem o coração enorme como o dela. Conseguiu doações para quase tudo e reuniu cerca de 70 pessoas em comemoração.

– Foi uma festa muito linda!

Silvana gari estre Ribeirão Preto

Festejar, afinal, o que é? Para Silvana, é valorizar o funcionário. Dizer a ele que seu trabalho é importante, já que, no dia a dia, o tratamento não é esse.

– O mais difícil é o jeito que a população trata. Eles pedem água e tem gente que nega. Não deixam ir no banheiro. Olham com preconceito. Não é porque a gente trabalha com lixo, que a gente é lixo. A gente é ser humano igual a todos os outros.

É isso que, a cada festa, ela tenta mostrar aos 14 funcionários de sua equipe e também aos outros da empresa, que são convidados para os eventos.

Silvana gari estre Ribeirão PretoSilvana gari estre Ribeirão Preto

Quem entra na sala de Silvana, 49 anos, percebe de imediato que há algo de especial ali. São dezenas de borboletas coloridas coladas na parede, adesivos de flores, corações e bibelôs de topo tipo, resgatados do lixo.

– São eles que trazem para mim. Minha equipe. Eles encontram e me trazem, porque sabem que eu gosto.

Vai somando peças coloridas e conquistando o carinho dos funcionários. Diz que, em sua equipe, não há faltas ou problemas.

– Eu converso muito com eles e eles me escutam. Para mim, é uma família. E aqui é minha segunda casa.

Gentileza gera gentileza: Silvana coloca em prática.

Trabalhando como gari, varrendo as ruas da cidade, ela entendeu ainda mais a profissão, que sempre fez parte da rotina. Sua mãe trabalhou como gari por 19 anos. Silvana e mais dois irmãos seguiram pelo mesmo caminho.

O sonho de menina era trabalhar com cozinha. Mas os caminhos foram outros.

Seus pais tiveram rotina de muito trabalho, para dar conta dos seis filhos. O pai era vigia noturno na prefeitura e a mãe varredora. Os filhos, assim, começavam a trabalhar bem cedo, para ajudar em casa. Aos 10 anos, Silvana, uma criança, cuidava das crianças de uma vizinha.

Estudou até o quinto ano. A rotina de trabalho lhe fez deixar a escola. Foi caixa em mercado, garçonete, secretária até entrar na Estre, quase nove anos atrás. Seu pai havia acabado de falecer.

– Eu estava muito triste. Nem queria ficar. Mas a empresa me ajudou muito.

Ficou quatro anos como gari e depois foi para a supervisão.

– Sempre fui muito curiosa. Gosto de testar meus limites. Então, eu prestava a atenção no serviço e um amigo, que era supervisor, percebeu que eu tinha jeito.

Fala com orgulho do cargo, que considera uma conquista. Trabalhando na limpeza da cidade, comprou a casa própria e criou os quatro filhos.

– Eu tenho orgulho da minha profissão. Nunca tive vergonha.

Silvana gari estre Ribeirão Preto

Silvana diz que sempre teve esse jeito, doce de ser, literalmente. Quando era gari, costumava fazer bolos nos aniversários das colegas de equipe e começou a organizar festinhas.

No cargo de supervisora, ficou mais fácil. A empresa libera a casa, sede dos funcionários, para os eventos do ano todo. Eles também participam de alguns preparativos, dividindo os custos. O importante, ela explica, é que a equipe possa compartilhar alegrias.

– Eles ficam dias comentando a festa, rindo de alguma coisa que aconteceu.

O carinho da supervisora vai além das festividades. Ela é do tipo que vai na casa do funcionário que enfrenta um problema, busca ajudar e, se preciso, o faz fora do horário de expediente. Como chefe, sabe cobrar, mas também brigar pelos direitos de sua equipe.

Conta que se um deles é desrespeitado em um estabelecimento comercial, vai pessoalmente ao local para pedir providências. Um gari, por exemplo, foi acusado de furtar uma loja injustamente. Lá foi a supervisora, que só voltou com um pedido de desculpas muito bem feito.

– Eu não deixo ninguém humilhar meu pessoal. Não deixo!

O sonho de trabalhar com gastronomia é hoje hobby, querido por quem está ao redor. Ela leva seus pratos e receitas para todos degustarem.

– Eu acho que tudo isso muda o clima. A gente trabalha mais feliz!

Já começou a organizar a festa de Dia das Crianças de 2020. Escolheu como tema a Polícia Militar. Quer continuar valorizando quem trabalha pela cidade e, então, plantando conscientização.

A avó de Davy, Lindaura Oliveira, conta que no dia de sua festa o menino nem dormiu. Ele continua fazendo questão de cumprimentar os coletores que passam na sua rua. Se está dormindo, levanta correndo com o barulho do caminhão.

– Muda o jeito que as pessoas tratam. Começam a respeitar mais.

Silvana diz. E termina mais um dia com orgulho do que faz.

 

 

*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/

 

Assine História do Dia por R$ 13 ao mês ou faça uma doação de qualquer valor AQUI.

Nos ajude a continuar contando histórias!

Compartilhe esta história

0 comentários

Outras histórias