Por Daniela Penha
Entre cores vibrantes, as dores de Elaine estão à mostra.
Entre cores vibrantes, as dores de todas nós ganham forma pelas mãos da artista que trocou emprego estável pela jornada do autoconhecimento através da sua arte.
Elaine Almeida bem sabe – e eu também – que são enormes os desafios de se aventurar por esse caminho. Já colhendo os frutos do seu semear, entretanto, entende que a vida só ganha sentido quando é preenchida pelas coisas nas quais acreditamos.
– Fazer esse trabalho, com as questões que eu já vivi ou tenho empatia, faz com que eu sinta que estou ajudando as pessoas. E é isso o que mais me move.
Machismo, homofobia, gordofobia, racismo. Os preconceitos estão estampados nas latas e nas telas que ganham vida pelas mãos da artista.
Elaine pinta os males que devemos combater. E com o projeto “Na lata” ainda traz o reaproveitamento para o foco. As latas da tinta spray que seriam lixo se tornam obras de arte, com mensagens de impacto.
Em cada palavra, em cada desenho feito com a técnica de arte urbana do estêncil, as dores da(s) mulher(es) ganham forma.
A única menina entre os três irmãos, ela desapontou as expectativas machistas por uma “princesinha” com o jeito moleca de ser e o talento para o basquete.
Aos 13 anos, foi assediada pelo pastor da igreja que a família frequentava, mas ninguém acreditou quando ela contou. Viveu outras tantas situações de abuso entre colegas de escola, sempre desacreditada por quem lhe ouvia.
Aos 19 anos, quando se entendeu gay e passou a ter namoradas, levou uma surra do pai, com a determinação de que saísse de casa.
Hoje, aos 39 anos e alguns quilos a mais do que costumava ter, ouve com frequência que “só pode estar doente”.
– As pessoas dizem que a minha arte ajuda a descontruir conceitos. É isso também. Mas quando uma mulher vê a minha arte e diz: ‘Eu também passei por isso’ eu percebo que não acontece só comigo. São questões de todas nós.
A classificação, então, é uma somatória.
– Artivista: a união de arte com algum tipo de ativismo.
Elaine nasceu em Guará, caçula em uma família “super tradicional”, como diz.
– Fui criada para ser professora, meu pai não deixava minha mãe trabalhar. Era assim.
De criança, já mostrava que navegaria contra o fluxo. Aos 10 anos, começou a jogar basquete, inspirada pelos irmãos mais velhos.
Jogou até os 18, à revelia do pai.
E, também desde cedo, começava a ser artista.
– Eu fazia os trabalhos de educação artística para a sala toda. Gostava de desenhar, mas nunca pensei que seria minha profissão.
Começou a se tornar profissão aos 19 anos. Depois de ser expulsa de casa pelo pai, foi morar em Franca com a namorada e conseguiu emprego como balconista em uma loja de carimbos. Ficou dois anos na empresa e, quando saiu, já produzia as artes.
Passou a se especializar, então. Como não tinha recursos para pagar uma faculdade, fazia cursos temporários. Aos 26 anos, conquistou ótimo emprego na área, já atuando como projetista. Comprou carro, financiou apartamento, mas por dentro nada estava no lugar.
– Eu me sentia muito vazia.
Os relacionamentos amorosos também não a levavam para frente.
– Eu tinha relações muito abusivas, em termos psicológicos. Entrava e saía de relações assim. Não conseguia entender o porquê.
Decidiu largar tudo e tentar novos rumos em São Paulo. O chefe valorizava tanto seu trabalho que tentou continuar com a funcionária, mesmo à distância. Mas Elaine não cabia mais ali.
Na terra da garoa ficou por um ano. Tempo suficiente para se encantar pelos muros feitos de arte que se espalham pela cidade toda.
– Eu comecei a ver o pessoal grafitando. Achei que me encontraria na área de decoração!
Voltou para Franca, fez um curso de Design de Interiores e logo assumiu um projeto.
– Mas não era aquilo.
Mais uma vez, mudou tudo. Vendeu o apartamento e voltou para a casa dos pais, em Guará, no final de 2015. Na cidade pequenina, tentando encontrar um caminho, começou a pintar “no estilo do que via em São Paulo”, em suas palavras.
Logo soube da Feirinha do Irajá, em Ribeirão Preto, e decidiu participar.
– Fiquei muito empolgada! Todo mundo elogiou, gostou!
Mas ainda faltava uma das partes para se tornar, enfim, a artivista que se orgulha em ser.
– Eu queria colocar minha história no meu trabalho.
Decidiu vir para Ribeirão Preto, na tentativa de viver da sua arte com as vendas nas feirinhas. Mas a ideia não deu certo.
Os três meses de dinheiro para o aluguel acabaram e, de novo, a sensação de desencontro.
– O vazio de não saber o caminho… estava muito infeliz. E fui novamente atrás de emprego.
Conseguiu trabalho e decidiu procurar um coach, para um processo de autoconhecimento. O processo durou sete meses e Elaine diz que conseguiu, ali, encontrar as pontas desatadas de sua história.
No meio do percurso, ficou desempregada e, cheia de angústia, tirou o futuro em papeizinhos: “Voltar para Guará”, “Procurar outro emprego e ser infeliz”, “Viver de arte”, eram as opções.
O papel sorteado foi o estímulo para lutar. “Viver de arte” foi a escolha do Universo.
– Eu pensei: ‘Deve ser isso! Estou com quase 40 anos! Ou é agora, ou não vai ser mais!”.
Começou a pintar – com sua história estampada – sem saber nem mesmo como iria pagar o aluguel. E tudo passou a tomar um rumo.
Quando as contas estavam mais que apertadas, encontrou apoio e admiração de pessoas que não conhecia, conseguiu divulgar sua arte e, agora, está com a agenda repleta até agosto.
Encomendas, exposição, oficinas: vem muito artivismo por aí!
– Eu ainda não ganho o que ganhava em um emprego formal. Mas sinto muita realização. E sinto que ainda tenho muita coisa a fazer!
Na trajetória de colocar ideias em arte, Elaine encontra corações abertos e outros encarcerados.
– Outro dia, um cara que eu nem conheço me mandou mensagens com muitas ofensas no Facebook. Mas, muitas vezes, as pessoas veem a arte e chamam para falar: “Isso aconteceu comigo”. Olham, observam.
Conclui, aos 39 anos, que o ser humano tem uma imensa dificuldade em viver a diferença.
– As pessoas têm medo do que é diferente. O pensamento de que no Brasil não tem machismo, racismo é que está fazendo as pessoas morrerem. São essas questões, que as pessoas dizem não existir, que estão fazendo mal para a sociedade.
Acredita na mudança, no entanto. E faz parte dela.
– Eu cresci em uma família machista e não tinha para quem falar, o que fazer. Hoje, há mais informações. A internet ajuda nisso. As pessoas estão se conscientizando mais e, quem não está, vai perder espaço.
Define o feminismo da sua forma. Com o que acredita.
– Para mim, é combater o machismo. E lutar por direitos iguais. Ninguém tem raiva de homem. Só queremos conscientizar.
A arte é um dos caminhos possíveis.
– Se a gente tem consciência, não tem que ficar quieto. Quem fica quieto, está fazendo parte.
Para pintar, procura a quietude.
– Gosto de ficar sozinha, quieta e sempre com um sentimento bom. De paz. Meu pensamento vai no sentido de levar o bem.
Por isso, aborda questões tão fortes em cores tão vivas.
E o vazio de outrora é preenchido dia a dia.
– Me sinto muito realizada por ter tido a coragem de fazer o que eu gosto. Conheço muita gente que sente um vazio gigantesco e não consegue sair do lugar.
Entre as vontades do futuro está a de levar oficinas gratuitas com sua arte – e suas ideias – para todos os lados.
A ideia é compartilhar conceitos e cores para que, quem sabe um dia, não haja mais tantas dores a mostrar.
Entre cores vibrantes, Elaine pinta sua vontade de transformar.
Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 23 de julho de 2018!
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