Clique no play para ouvir a história:
Você já reparou como é bonito o Centro de Ribeirão Preto? Quem olha com atenção, logo vê. Se há um incentivo para abrir o olhar, está feito! É encantamento na certa.
O projeto de Déborah Cavalcante surgiu como incentivo. “O Centro é legal, sabia?”, ela repetia para quem questionava a localização de seu estúdio de fotografia. “O Centro é lindo!”, continuava dizendo, na tentativa de mudar a opinião alheia.
Um dia, então, decidiu ir além das palavras. Era preciso comprovar o que o seu olhar já havia percebido, abrindo os olhares alheios. Criou uma página no Instagram, “O Centro eh legal”, e começou. Um tanto tímida, é verdade. Diz que nesse início não divulgou nem para os amigos.
Era uma ideia bairrista. Mobilizar os comerciantes do Centro, ir aos pouquinhos reforçando aquela comunidade. O Centro não é nada bairrista, porém. Está além, ela logo percebeu.
– O Centro é da cidade inteira, que entende que a história é importante, está na memória de muita gente. Traz pertencimento.
Em pouco tempo, muita gente também começou a perceber. E a seguir o projeto. E a compartilhar a sua beleza no Centro. A página no Instagram soma hoje mais de 11 mil seguidores e a ideia extrapola os limites do virtual.
“O Centro é legal” se tornou um incentivo à arte, ao comércio, à rua aberta, à sustentabilidade. Déborah, que é fotógrafa, transformou seu estúdio na sede do projeto e em espaço de coworking e hoje se dedica quase 100% a mostrar a beleza do Centro e, mais que isso, fomentar sua economia, valorizar seus artistas, conscientizar a cidade sobre a grandeza que mora ali, no coração de tudo.
– É cultura, pertencimento, patrimônio histórico!
Mesmo em tempos de pandemia e quarentena, ela não para. Organiza lives, conversas on-line, participa de discussões. Déborah, assim como o Centro, é sempre movimento.
– O Centro é legal porque é o lugar mais diverso da cidade. Onde as pessoas se encontram, ainda existe o olho no olho, onde um comércio ainda conhece o outro.
E esse amor pelo Centro, começou quando? É o primeiro questionamento que surge!
Déborah nasceu em São Paulo e viveu na capital até por volta dos 10, 11 anos. Se mudou com os pais e irmãos para Ribeirão Preto e foram morar na região central.
Os pais abriram um restaurante na Vila Seixas, o avô tinha um açougue no Centro, esquina da rua Marcondes Salgado com a Florêncio de Abreu. Para a menina que, até então, só conhecia a rotina condomínio-escola, a liberdade de andar pelas ruas do Centro, conversar com os comerciantes, ir e voltar de ônibus foi uma aventura.
– O Centro começou para mim aí: explorando!
Ela cresceu ali, em meio a muito movimento e boa prosa. Desde sempre, ajudou no restaurante dos pais, foi aprendendo sobre o comércio, vivia conversando com os lojistas.
Já na época de faculdade, chegou a fazer dois anos do curso de Rádio e TV em São Paulo, mas não gostou. Voltou para Ribeirão e passou a ajudar na loja de bijuterias, Biju Mix, que pai montou na rua Tibiriçá com a São Sebastião, pleno Calçadão.
Ali, aprendeu a negociar, divulgar, vender. Entendeu ainda mais a rotina de quem trabalha no Centro.
– A loja não estava faturando nada! Com 19 anos, eu mudei tudo! Começou a ter um bom lucro por mês.
Conta que estava sempre a inovar! Grafite nas paredes, abordagem “uma a uma”, um tanto de bom humor.
– Eu ficava com o microfone na porta. Tinha muito disso naquela época: locutores de loja. “Psiu, tá na hora de trocar essa bolsa”, eu chamava as clientes!
O negócio durou cerca de três anos, até a chegada das lojas que traziam produtos da China por valores fora da concorrência. Não conseguiram manter as finanças e foi preciso vender o ponto. Déborah já havia se encantado com a fotografia e começara a exercer a profissão.
– Eu sempre fui aquela que tirava as fotos dos amigos nas festas, nas viagens. Comecei a fazer cursos, fui aprendendo.
Abriu, então, seu primeiro estúdio. Já tinha sua primeira filha. Engravidou por volta dos 20 anos. Foi um momento de desencontros. O casamento não deu certo. O estúdio fechou. Ela conta que foi furtada por uma funcionária. Decepções em combo!
– Foi uma época muito difícil. Fiquei muito mal. Entrei em depressão…
A retomada foi aos poucos, com a ajuda de gente querida. Começou a trabalhar em uma escola de idiomas, depois passou a fazer a divulgação e mídia de uma pizzaria, foi se estabelecendo, se reencontrando.
Conheceu o namorado, que se tornou marido e companheiro de jornada, com quem teve um filho biológico, em 2014, e abraçou outros dois do coração. Escolheram o Centro para morar e ela pôde voltar para o lugar que, de algum jeito, sempre fora seu.
– Voltei para onde tinha saído, mas com outra visão. Juntou a visão da comunidade, de tantas histórias que eu tinha passado por ali.
Em 2017, abriu seu estúdio de fotografia no centrão, rua Visconde de Inhaúma. E logo começaram os questionamentos da clientela: “Nossa, mas fica no Centro?”.
– Eu pensava: o que o povo tem contra o Centro? O Centro é legal!
Nasceu, assim, o projeto que se tornou, mais do que trabalho, um objetivo de vida.
– Preencheu dentro de mim. Essa coisa que todo mundo tem de querer ajudar de alguma forma, sabe?
O primeiro engajamento do projeto “O Centro é legal” foi com a centenária Biblioteca Padre Euclides, sua vizinha, ali na Visconde de Inhaúma. Déborah soube que eles corriam risco de fechar as portas por falta de recursos, mobilizou artistas e começaram o projeto “Showteca”, fazendo apresentações culturais para levantar fundos.
Logo depois da primeira, um apoiador apareceu e resolveu a falta de financiamento da biblioteca.
Déborah ganhou ainda mais energia para seguir se engajando de diversas formas.
– O legal é isso: eu sou uma cidadã aprendendo a conhecer a cidade. Descobrindo, ao mesmo tempo em que aprendo. Eu não sou uma especialista.
Passeio noturno pelos prédios históricos, participou do movimento “Ruas Abertas”, que abriu a Nove de Julho, ideias de sustentabilidade, fomento ao comércio: a lista é grande e vale a pena dar um pulo nas páginas do projeto para conferir tudo!
É preciso despertar nas pessoas a ideia da coletividade, ela defende:
– A gente não faz nada sozinhos. Precisamos de união. É o poder da comunidade. Se as pessoas soubessem o poder da gente estar juntos, fazer acontecer!
Acredita, então, que é urgente mostrar que o artista que se apresenta no Calçadão é legal, o quanto vale a pena fazer compras por ali, a história que habita os prédios. E, em colaboração, pede que as pessoas enviem fotos, marquem, façam seus próprios vídeos. Criem seus vínculos com o espaço.
– Eu percebi o potencial que tem em criar ações para as pessoas conhecerem a cidade. Quando a pessoa participa, ela ganha uma satisfação instantânea. Se fizer isso várias vezes, vai se tornar parte dela. É uma sementinha que vai passando de um para o outro e, de repente, o Centro é legal.
As ideias e os projetos não param. Déborah é vibrante, tal qual o movimento do Centro de Ribeirão. Está desenvolvendo a Feira do Centro Histórico, onde pretende levar comércio, arte, sustentabilidade, história em um único circuito na praça XV. Também quer mapear o Centro a pé: mobilidade e interação. Valorizar a área central como espaço de turismo, gastronomia, integração. Vai em busca de parceiros e encontra uma porção deles no caminho.
– A ideia é conseguir ver um impacto real na vida do Centro da cidade. Trazer um modelo sustentável.
Em tempos de quarentena, as ideias foram adiadas, mas ela não parou. Fez lives com os artistas de Ribeirão, posta vídeos diariamente, criou uma lojinha no site do projeto, onde os artistas podem vender suas artes (https://www.ocentroehlegal.com/lojinha?page=2). Vai plantando a semente da colaboração, ainda que precise de muita água para vê-la germinar.
– Muita gente ainda não sabe pensar no coletivo…
Segue, então, sendo incentivo. Você já reparou como é bonito o Centro de Ribeirão Preto? Déborah não tem dúvidas!
Conheça mais sobre o projeto:
Instagram e Facebook: @ocentroehlegal
Site: https://www.ocentroehlegal.com/
Fotos: divulgação
0 comentários