Deya Marques é ‘louca’ por livros e cultura

8 fevereiro 2018 | Gente que inspira

– Eu acredito da força da amizade.

Chego 15 minutos adiantada para nossa entrevista. Deya vai logo avisando que, até dar o horário, há coisas que precisa fazer.

Organiza alguns livros, liga o computador, toma as vitaminas em cápsulas de todo dia, atende o telefone, organiza a mesa, senta e diz:

– Bom, vamos começar!

Logo, levanta de novo. Enquanto falamos, ela busca livros e DVDs para me mostrar, coloca tudo numa sacola e me entrega, como lição de casa:

– Você precisa conhecer os artistas de Ribeirão!

Atende o telefone mais algumas vezes, recepciona alguns clientes em busca de informação, me mostra fotos. Tudo isso sem perder o fio da meada na narração da sua vida.

Deya Marques, 52 anos, é ebulição: vai logo me fazendo entender.

Casou aos 17 anos, trabalhou com cultura, política, teve um filho, escolheu abrir um sebo de livros já que na sua família “todo mundo mexe com coisas antigas”.

Na cabeça, as opiniões sobre o mundo borbulham. E precisam sair: seja numa conversa ou pelas redes sociais.

Há dois anos e meio, quando não conseguiu chegar ao pico de uma montanha na Irlanda por excesso de peso, fez redução de estômago e perdeu mais de 50 quilos com a promessa:

– Vou voltar lá e subir até o fim!

Faz planos de morar na Europa, se aposentar em Florianópolis enquanto marca o próximo happy hour para daqui a pouco e organiza um grande bazar.

Cria campanhas para quem precisa, participa de projetos sociais, se envolve nas causas em que acredita.

Pelo menos quatro vezes durante a conversa, fala que tem muitos amigos. E do quanto ama todos eles. Fala mais de dez vezes do filho e do orgulho que sente pelo seu Eduardo, que já era Eduardo desde quando colocava esse único nome nos brinquedos que tinha.

– Eu acho que a gente tem que tentar fazer a diferença. Nem que seja por 15 minutos.

Deya Marques, 52 anos, é movimento.

Sebo Loucos por livros Ribeirão Preto Deya Marques

Na família de Deya, sebos e brechós são rotineiros. No centro de Ribeirão, as lojas de roupas, livros e discos usados se multiplicam. Algumas, aliás, são das mais antigas de Ribeirão Preto.

Quando Deya decidiu abrir o sebo “Loucos por livros”, foi por ideia e empolgação de mãe, pai, tios: toda a gente!

Antes disso, ela havia trabalhado com política e produção cultural, se casado, tido um filho, se separado e perdido o homem que chama de “amor da vida” para uma doença sem cura.

– Eu me casei aos 17 anos e sem estar grávida. Foi por amor mesmo!

Quando se separou, aos 23, montou uma banca de revistas, mas decidiu deixar o negócio porque “não tinha vida”, de tanto trabalho.

Abriu, então, no final da década de 80, um primeiro sebo no Centro, só com os livros que tinha em casa: cerca de 700 exemplares, que já mostravam seu apreço pela leitura.

Ficou ali por três anos, antes de trabalhar em campanhas políticas.

Quando parou, já pelos anos 2000, teve loja de roupas com o irmão, fez produção cultural de eventos e, por dois anos, ficou desempregada. Quase desempregada. Se tratando dela, não deixou de fazer bicos e freelas, enquanto pensava em qual seria a próxima aventura.

Em março, o sebo Loucos por Livros comemora sete anos com festa, claro. Começou com ideia da mãe de Deya, que pensou em abrir um brechó de roupas no local.

Vendendo e emprestando livros, Deya se encontrou.

– Eu posso conhecer o mundo inteiro sem sair de casa. É isso que quero para os meus clientes.

Além do acervo com milhares de livros usados para compra, Deya oferece uma assinatura mensal que permite aos leitores utilizarem o espaço como biblioteca.

Para quem acha que leitura é coisa ultrapassada pela rapidez da internet, ela dá um recado:

– As pessoas estão lendo, sim. Principalmente os jovens.

O sebo tem entre 100 e 150 assinantes mensais, sendo 15% deles adolescentes. Há pessoas que leem entre 10 e 15 livros por mês, ela ressalta. E se alegra.

– Eu acredito que o conhecimento muda o mundo. Quando você pega um livro, conhece a história de outra pessoa e pode mudar!

Além de disseminar a leitura, o sebo também atua como sede de bazares culturais, ponto de apoio para campanhas sociais, local de troca e doação de livros.

– Aqui, ninguém sai sem um livro.

Sebo Loucos por livros Ribeirão Preto Deya MarquesDeya conta que começou a ler aos quatro anos. E quase brigou com uma cliente que chegou falando mal do autor que lhe apresentou o mundo das letras.

– Monteiro Lobato é obrigatório para qualquer criança!

Ela tem indicações determinadas para cada tipo de novo leitor.

– Não tem nada que eu goste mais do que apresentar livros para crianças. Agora, se é adulto, tem que começar com Agatha Christie. Romance eu já não sei, porque nunca li.

Entende, porém, que ler é ser feliz.

– A pessoa tem que ler aquilo que vai fazê-la ler mais. Não adianta dar uma obra que vai fazer a criança pegar raiva de livro.

Lendo Monteiro Lobato, ela sentiu vontade de conhecer a Grécia. E diz que, a cada novo livro, descobre um novo pedaço de mundo. E sente vontade de arrumar as malas novamente.

Já viajou – fora da imaginação – para Itália, Portugal, Alemanha, Irlanda e planeja a ida para a Escandinávia.

– Não adianta ter dinheiro e não ter cultura. Você vai continuar jogando papel no chão, ultrapassando os limites de velocidade.

Sobre o dinheiro, aliás, sua opinião é letra de Caetano.

– É “o poder e a força da grana que mata e destrói coisas belas”. O dinheiro é o mal desse mundo, porque há essa fome por dinheiro. Se as coisas tivessem um preço justo, todo mundo teria acesso. Porque vender um livro a R$ 60 se você pode vender a R$ 20 e em maior quantidade?

Sebo Loucos por livros Ribeirão Preto Deya Marques

Deya é ateia. Diz que norteia a vida pelos mandamentos do amor ao próximo.

– Eu acredito na natureza. Ela é tão sábia que se renova de milênios em milênios. Deus foi uma invenção dos homens para deixar as pessoas com medo. As pessoas fazem as coisas por medo de ir para o inferno.

Logo, complementa o seu repertório de crenças.

– Acredito também na força da amizade. A gente tem que viver enquanto está aqui.

Na época da entrevista, ela estava lendo a biografia da Rita Lee. E outros três ou quatro livros, que lê ao mesmo tempo.

Em casa, tem apenas os livros sobre Chico Buarque, outra grande paixão da vida. Todos os outros vão para o sebo, servir à leitura de outras tantas pessoas.

Para o futuro, cogita morar em uma cidadezinha da Europa, mas só se o filho também for mudar de país. Quer se aposentar em Florianópolis, com uma banquinha de livros, como só poderia ser.

Como tem chão até lá e energia de sobra, vai continuar fazendo o acredita.

– Quero levar mais livros para mais gente! Mais cultura, música, conhecimento! Quem tem conhecimento, aprende a votar. Não vota para se dar bem. Enquanto as pessoas olharem só para o ‘eu’, não vamos virar nada.

Vou embora com uma sacola lotada de livros infantis, discos, DVDS e um livro com mais de 500 páginas que ela me sugeriu a leitura. Lição de casa para muitos dias.

 

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1 Comentário

  1. Deya

    Adorei Dani!!!!

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