Luciane e alunos com deficiência criam buffet profissional em escola municipal

16 dezembro 2019 | Gente que faz o bem, Histórias do Proac 2019/2020

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Na cozinha de Luciane, os temperos são tão diversos quanto as pessoas. Não há ali um aroma repetido. E os rótulos ficam do lado de fora. Para a chef, o que importa mesmo é que cada um – ingredientes e pessoas – possa desenvolver habilidades.

Quem não pode picar, organiza. Quem não quer organizar, lava. Quem não gosta de lavar, aprende a servir. E as diferenças são celebradas, como em uma boa receita, que precisa do azedo de um limão e da ardência da pimenta para dar certo.

A combinação que funciona nas receitas da Lu tem como base o amor. Com esse tempero infalível, ela transformou em buffet profissional a cozinha da Escola Municipal Egydio Pedreschi, que atende jovens com todo tipo de deficiência intelectual em Ribeirão Preto.

A sala onde antes se fazia biscoitos e receitas que ficavam só ali, hoje é cozinha equipada onde se se faz dois eventos por mês, para 200 pessoas e até mais. A chef e sua turma já esteve nos mais diversos centros de eventos, salões e instituições da cidade.

Luciane Faria coordena cada atividade, mas são os alunos, com suas habilidades, que fazem todo o processo: da compra no mercado até a recepção dos convidados.

Organizam o menu, criam receitas, produzem cada salgadinho servido no coquetel e cada sobremesa, escolhem as louças, montam as mesas, servem os convidados: serviço completo e bem feito.

Uma das alunas foi contratada em um café, que conheceu seu trabalho por meio dos eventos. Luciane garante que, se as pessoas acreditassem nas habilidades de seus meninos e meninas, muitos outros poderiam atuar no mercado.

– Eles têm capacidade, pontualidade, são comprometidos com o trabalho. O que falta é a capacidade de aceitar o novo nas pessoas. O trabalho é mostrar que eles são capazes. Eu falo sempre para eles: você é do tamanho do seu sonho.

A frase estampa a parede da cozinha onde todo o trabalho é feito: é o lema da turma, é o lema da chef.

Escola Egydio Pedreschi Ribeirão Preto

Luciane é apaixonada por gastronomia desde criança. Os pais trabalhavam fora e ela, aos nove anos, já ficava com os irmãos mais novos. Teve que aprender os afazeres da casa e a cozinha estava entre eles. Começou a cozinhar bem cedo.

Tem muito trabalho na história. Na adolescência, foi babá. Fez o curso técnico em Nutrição junto com o Ensino Médio. Depois, entrou na faculdade de Nutrição e, para arcar com os custos, trabalhava em um hospital. Começou como copeira e, após cinco anos, já era responsável pelo lactário.

Mesmo trabalhando na madrugada e estudando, arrumava energia para fazer bicos como faxineira e complementar as contas apertadas. Também fazia tortas, doces e levava para vender. Logo, pôde montar seu próprio buffet.

Em 2010, prestou concurso e foi trabalhar na prefeitura, na cozinha de uma escola, cuidando das merendas. Um ano depois, prestou como monitora de culinária. Foi chamada e, em 2012, passou a trabalhar na Egydio Pedreschi e decidiu fechar seu Buffet.

– Quando eu cheguei, a diretora me perguntou: ‘Você sabe o que é essa escola?’.

Luciane, apaixonada por gastronomia desde criança, não sabia que a cozinha podia ser tão diversa.

– Eu entrei aqui pensando que era muito boa profissional, que seria uma ótima experiência. E vi que não sabia nada. Desde então, eu aprendo mais do que ensino.

Tem a humildade dos grandes. E com ela transformou a cozinha – e os alunos – da escola que, de fato, não sabia bem como era. A vida não vem com manual. Foi conhecendo aluno por aluno, ampliando os conhecimentos.

Aprendeu libras para se comunicar com os que usam essa linguagem, estudou as melhores maneiras de estimular a coordenação motora dos que têm dificuldades e como poderia fazer para incentivar aqueles que têm medo de contato a se relacionarem.

Acabou? Não mesmo! Todos os dias é preciso aprender de novo, e mais, e sempre. Gente é bem como tempero: muda o gosto a cada combinação.

– O objetivo é que os pontos fracos sejam minimizados, não só usar o que o aluno tem de melhor. Se a dificuldade é a coordenação motora, vou dar funções para que ele possa desenvolver isso.

Na oficina de culinária, são 17 participantes, divididos entre as turmas da manhã e tarde. Alguns estão com a chef desde que as aulas começaram, seis anos atrás. A evolução de cada um é visível – e comemorada.

– Eles só precisam de alguém que fale ‘eu acredito em você, você é capaz’. Todos erram: eu, você. Eles só precisam de oportunidade.

Escola Egydio Pedreschi Ribeirão Preto

O buffet foi sendo criado aos poucos. Quando ela entrou, a cozinha funcionava em uma sala, sem equipamentos. Na escola, os alunos participam de oficinas diversas, que os capacitam para o mercado de trabalho. A culinária, porém, se limitava a poucas receitas, que eram consumidas na própria aula.

Lu, aos poucos, foi ampliando. Faziam um bolo e publicavam na internet, passaram a vender os produtos que cozinhavam e a procura foi vindo. No primeiro evento que fizeram, três anos atrás, tudo saiu tão bem que ela teve certeza:

– O trabalho que eu realizado está sendo absorvido!

E não faltou energia para continuar.

Faz questão de que todos os integrantes participem da organização de um evento. Vão juntos ao mercado e se dividem nos corredores. Eles já sabem o que precisa ser comprado, quais ingredientes usar em cada receita.

– Se alguém pergunta, todos eles sabem o que foi produzido, como foi feito. No final, todos fazemos tudo, participamos do processo produtivo.

Cozinhar é levar algo de bom para alguém, a chef ensina.

– Eu falo que quando cozinhamos estamos colocando um pouco da gente na comida. Temos que ter pensamentos bons, desejar coisas felizes para a pessoa que vai comer aquilo.

No momento de servir e recepcionar, a seriedade é cobrada. Quando os alunos colocam o uniforme, a postura é de profissional.

– Se eles estão sendo formados para o mercado de trabalho, sabem que tem horário certo para rir, para interagir e para ter postura profissional.

Escola Egydio Pedreschi Ribeirão Preto

A turma cobra preço de custo para realizar os eventos e o valor arrecadado é revertido para manutenção do trabalho: compra de ingredientes, materiais, roupas.

Ali, entre temperos e pessoas tão diversas, Luciane se encontrou.

– A escola é minha vida. Sempre que eu puder, vou lutar por eles. Quero ter meu coração certo de que eu fiz tudo o que podia, meu melhor.

A rotina, entretanto, continua cheia de afazeres. Além do trabalho de monitora, ela presta assessoria nutricional, cozinhando para famílias que têm a agenda corrida. Ainda encontra tempo – e vontade – para integrar projetos sociais, ajudar pessoas e instituições.

– Só fica e só faz a diferença quem tem amor. Senão, não vai. Não dá liga.

Conta que, meses atrás, passou por problemas pessoais. Nos alunos encontrou o apoio que precisava, a vontade de acordar de manhã e fazer alguma coisa.

– É um amor que não cabe neles. Eles me entendem pelo olhar.

Na cozinha de Luciane, que é de todos, cada um tem seu espaço: temperos e pessoas. Juntos, criam a melhor receita que alguém já provou: união de diferentes na mesma fôrma. Torta de amor!

A gente fica contagiado, tipo cheiro de pão quentinho na tarde de domingo. Com a Lu, todo dia é de bom aroma.

 

*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/

 

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4 Comentários

  1. Marta santos

    Parabéns ,já conheci seu trabalho acho lindo o amor que a Luciana tem com seus alunos .

  2. Sheyla Dutra

    A cozinha da Lu realmente é celeiro de talentos. Não importa o diagnóstico, todos têm prognóstico de sucesso. O amor e a dedicação que emprega, o profissionalismo e a fé nas pessoas a levarão ainda mais longe. Parabéns. Louvável também a iniciativa do Sem Fronteiras que leva o futsal para todos, de maneira inclusiva e efetiva. Mais que merecida a homenagem no História do Dia.

  3. Francislene

    Que maravilha! Um trabalho realmente enriquecedor e transformador…parabéns ?????????????

  4. Filomena

    Uhuuuuuu ???? obrigado ?

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