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Esta história foi narrada pelos integrantes do projeto Doadores de Voz, dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unaerp!
Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 23 de janeiro de 2019!
“A menina vai ser escritora!”: o professor de Língua Portuguesa do ginásio repetia sempre que Lucília lia suas redações para a sala. Sem saber, foi o primeiro que lhe motivou a escrever.
Escrita que ficou por anos amadurecendo, tal qual vinho bom. A literatura, que ela acredita ter nascido em si, só foi compartilhada com os leitores aos 44 anos. Para compensar o tempo perdido, começou sua jornada de autora somando prêmios.
Seu primeiro livro, “Rei do mundo”, ganhou o prêmio livro do mês da editora Record, em 1969. “Uma rua como aquela”, sua segunda obra, está entre os primeiros livros lidos por muitos adolescentes que se tornaram adultos apaixonados pela literatura – e até escritores – e foi vencedora do prêmio Jabuti de Literatura Juvenil em 1971.
Um aluno, que havia lido o primeiro livro de Lucília, ambientado no campo, a instigou: “Por que não escrever a história de uma rua?”. Ela, então, recriou a rotina de uma animada turma de crianças e adolescentes vivendo na ruazinha sem saída, que terminava em um casario com formato de castelo e era habitado por um velho, à primeira vista rabugento.
A gente chega a imaginar as cores e cheiros da rua. A pelagem do cachorro Raposo e o alvoroço que ele causou quando abocanhou o filé que seria servido no noivado de Fátima.
A autora não só escreve. Cria formas, gentes, ruas com as palavras que escolhe para construir cada frase – delicadamente. E diz que não acredita em inspiração, mas em muito trabalho com as letras.
No dia 28 de fevereiro Lucília Junqueira de Almeida Prado completa 95 anos. Continua a escolher com delicadeza as palavras, usadas, dessa vez, para falar um pouco sobre sua trajetória.
– Eu queria escrever livros e foi o que eu fiz, por isso me sinto realizada. Não sei porque demorei tanto tempo… foi mesmo uma coisa acontecida. Tinha que ser. E não me arrependo. Achei que foi bom.
Na sala do apartamento onde mora, no Centro de Ribeirão Preto, me recebeu para a conversa. Cabelos muito bem arrumados, unhas feitas, roupas à rigor. Séria, mas com abraço acolhedor no começo e no fim.
Não ficou só nos relatos do passado. Contou que está preparando um novo conto, com a história de um rio, para adultos. E surpreendeu até mesmo pessoas próximas, que não sabiam dessa sua nova empreitada.
– Já está na cabeça!
Atualmente, já não escreve tanto quanto antigamente. Encontrou, porém, outras diversões. Joga baralho, vai ao bingo, encontra os amigos. Depois que ficou viúva, em 1997, escolheu morar sozinha e não abre mão. Quer continuar tendo sua independência. Então, tem uma equipe de cuidados.
Já perdeu as contas dos bisnetos que os 11 netos lhe deram. Afinal, já passam de 12.
Quer chegar aos 100 anos. Por que não? Gosta de viver bem.
– O que é a vida? Ah, isso você precisa encontrar Deus e perguntar para ele!
Lucília passou parte da infância em uma fazenda do Triangulo Mineiro. O pai era advogado, a mãe dona de casa e ela foi a mais velha de três filhos. A fazenda do Lajeado – e os acontecidos de lá – foi inspiração para algumas de suas histórias.
– Havia um lugar em que o rio saía do caminho, sobre pedras. E os cavalos quando passavam por ali faziam um barulho, levantavam água e era muito bonito. Isso era o lajeado. Foi uma infância muito feliz.
Aos 10 anos, ela deixou a fazenda e passou a estudar em um colégio de freiras, em São Paulo. Terminado o ginásio, estudou Francês, Inglês e fez alguns cursos de literatura. Se casou aos 19 anos e passou a morar em uma fazenda entre Orlândia e Morro Agudo.
Por ali, criou os cinco filhos e amadureceu a escrita.
– Acho que sempre fui escritora. Ou sempre quis ser. Eu escrevi a vida toda, só não mostrava. Guardava e pensava: um dia vou publicar!
Foi aos 44 anos que teve vontade de mostrar seus escritos para o marido. Não sabe dizer bem o porquê. Foi um “acontecido”, como já nomeou acima. Ele leu, gostou e compartilhou com um primo, que também aprovou.
– Eu pensei que se estava bom para eles, poderia ser publicado.
Nasceu assim, em 1968, sua primeira história, sobre um menino que morava na fazenda, voltada para o público infanto-juvenil.
Logo, Lucília estava visitando escolas em Ribeirão Preto e região para conversar com crianças e adolescentes, seus leitores. Surgiu em uma dessas visitas a pergunta que fez nascer “Uma rua como aquela”, seu livro mais premiado e editado – são 70 edições. E lhe fez querer escrever mais e mais, sem nunca parar.
– Sempre que há incentivo, você tem vontade de ir para frente, crescer, aumentar.
Foi o que fez. Soma mais de 65 livros escritos, a maioria infanto-juvenil, em 51 anos de publicações.
Pergunto se Lucília esperava se tornar uma “grande escritora” quando publicou ‘Uma rua como aquela” e ela responde logo, em tom firme, quase bravo:
– Não sei se sou grande!
Sua intenção era escrever.
– Eu tinha o intuito de lançar um livro que faria sucesso. E fez. Muito!
Esteve em escolas do Brasil todo conversando com crianças, principalmente depois da repercussão desse segundo livro. Diz, então, que sempre procurou ouvir seus leitores.
– Eu perguntava o que eles estavam achando, o que eles queriam ler.
De opinião ácida, quase polêmica, fala que nunca considerou Monteiro Lobato um escritor infantil.
– Muitos autores querem ensinar muito e eu não acho que a criança leia para aprender. Ela lê para se divertir, dar risadas. Eu quis escrever livros que divertissem. Podia, dentro das entrelinhas, ensinar. Mas não era imposto.
Afirma, então, que é mais difícil escrever para os pequenos do que para os grandinhos.
– As crianças exigem um tipo de escrita que tenha mistério, suspense. O adulto não exige tanto.
E não acredita em inspiração.
– Eu acredito em trabalho. Se você ficar esperando a inspiração, não escreve nunca. Precisa sentar e suar.
Tem uma técnica bem pessoal, que é a mesma desde que começou suas histórias. Escreve à lápis, sempre de um lado só do caderno. Usa a folha que ficou em branco para as alterações, comentários, mudanças que faz nas próximas leituras.
Não se rendeu ao computador. Só depois de prontos é que seus livros são digitados.
Sua assessora diz que ela sempre foi estilosa, de gosto clássico, ao que ela responde:
– Você que sabe!
Concorda, porém, com a afirmação de que é muito franca. Se gosta, gosta. Se não gosta, não esconde.
– A pessoa nasce assim. Ou nasce franca ou não nasce.
Para comemorar seus 95 anos, vai ter festa com a família e os amigos. Modesta, porém, diz que não é de “festança”, não.
– Não gosto de me homenagear.
Se a homenagem vem, agradece. Tem biblioteca com seu nome, prêmios, menções. Trajetória feita entre letras que, se depender dela, irá continuar. Já bem disse que quer viver até os 100 anos!
O livro preferido? Ela conta entre mistérios, acostumada com as tramas que fazem brotar a vontade de ler.
– No final das contas, quem sabe se é “Uma rua como aquela, né?”.
Quem sabe…
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