Fábio nasceu cego, se formou professor e luta pela inclusão

31 julho 2020 | Gente que inspira

Vale a pena ler e ouvir de novo! Essa história foi publicada pela primeira vez em 20 de julho de 2019!

 

Clique no play e ouça a história do Fábio:

 

 

– Incluir é dar o lugar, colocar a rampa, instalar um elevador com braile? Tudo isso é parte do processo. Mas não é o processo em si. O processo começa dentro de você. Como você, que não se aceita, não se percebe, vai incluir alguém?

Já nos primeiros minutos de entrevista, Fábio deixa claro seu objetivo. Mais do que contar sua história, quer falar sobre o que a norteia.

– Se você se apegar a uma coisa ruim, ela destrói 400 coisas boas que você tem. Eu olho para a inclusão com otimismo e procuro construir nas pessoas o entusiasmo.

Seu olhar vem de dentro. É feito pelos sons, pelas percepções, pelos aprendizados que a vida trouxe. Fábio Deodato, 36 anos, nasceu cego. Cegueira congênita.

Conta a história que ouviu de sua mãe. Quando soube do diagnóstico, ela perguntou ao médico: “E agora? Como eu faço para criá-lo?”, e a resposta foi simples. “Você cria como está criando seu filho mais velho. Se ele cair, vai se levantar. Se machucar, você cuida do machucado”. Foi assim que ela procurou fazer, semeando a garra que é parte de Fábio.

– Parece óbvio, mas para as mães de filhos com deficiência não é. Existe um processo que começa com o luto e depois vira luta. Algumas, não conseguem sair do luto. Nenhuma mãe deseja que seu filho nasça com uma deficiência.

Aos quatro anos, Fábio começou a frequentar uma instituição para cegos e aos seis foi matriculado em uma escola regular. Fez todo o seu percurso de ensino em escolas regulares da rede pública de São Paulo – onde morou até por volta dos nove anos – e de Ribeirão Preto, para onde se mudou após essa idade.

 

 

Aos 14, começou sua formação em piano clássico. No Ensino Médio, se matriculou no período da noite para que pudesse estagiar durante o dia. Trabalhou como telefonista por 10 anos em duas instituições diferentes. Em uma das empresas, conta que foi a primeira contratação inclusiva, abrindo portas para outras muitas que vieram depois.

Já na adolescência, decidiu que queria ser professor. Nesse início, pensava em dar aulas de braile. Antes de prestar vestibular, fez técnico em Administração. Entrou em Pedagogia no COC de Ribeirão Preto aos 20 anos. Na formatura, foi escolhido para ser orador da turma.

– Fomos doutrinados em um mundo de competição. As pessoas têm medo de trocar e perderem seus lugares. Na faculdade, havia essa troca e todos nós ganhamos. Os professores aprenderam a lidar comigo e eu com eles. Muitos dizem que a faculdade não está preparada, mas não se abrem para oferecer a contrapartida. Isso serve para a vida toda e para tudo.

Depois de formado, prestou concurso para a Prefeitura de Ribeirão Preto e foi aprovado entre os primeiros colocados. Fez especializações – e continua a fazer, sempre em movimento para aprender mais, ser melhor.

– Existem alguns extremos sobre a inclusão que não são bons. Um dos extremos é o da meritocracia. O pensamento de que quem tem capacidade faz, quem não tem, não faz. Mas quem cria uma frota de carros, por exemplo, não pensa em criar um carro para pessoas com deficiência. Como é isso? O outro extremo é o do coitadismo. A ideia de que sou diferente, preciso de tudo, não vou fazer nada. Esses extremos não podem acontecer.

Fábio Deodato professor cego Todos juntos pela inclusão

Quando assumiu sua vaga na Secretaria de Educação de Ribeirão Preto, Fábio passou a trabalhar em uma sala de recursos multifuncionais.

Presta atendimento a alunos com todo tipo de deficiência auxiliando-os a desenvolver suas habilidades. Ensina, por exemplo, braile e matemática a alunos cegos.

Em toda a rede municipal havia apenas duas salas quando ele começou, em 2009. Precisou, inclusive, adaptar essa sala para que pudesse trabalhar.

Conta que hoje são 30 delas, espalhadas pelas escolas da cidade, equipadas com recursos de braile, lupa, jogos acessíveis, computadores, globo terrestre adaptado. Há seis anos, ele cuida da sala na Escola Municipal Raul Machado.

– A inclusão vem para dizer que a pessoa com deficiência tem direito a estar em uma escola regular. O discurso de que a inclusão não funciona é usado por quem não quer incluir, para não deixar que você inclua. Se a escola não está pronta, vamos pensar em como aprontar a escola, mas não vamos permitir que esse papo medíocre atrapalhe o processo inclusivo.

Fábio Deodato professor cego Todos juntos pela inclusão

A ideia de expandir ainda mais sua luta pela inclusão surgiu de sua companheira, Dani, com que está junto há quatro anos. Se conheceram há mais de 10, na Adevirp (Associação dos Deficientes Visuais de Ribeirão Preto). Ela, que tem baixa visão, era atleta na instituição. Ele tinha uma banda que se apresentava por lá com trabalho voluntário.

Foi ela quem percebeu que Fábio fala sobre o tema com uma paixão contagiante, e sugeriu: por que não criar um canal?

– Eu fiquei morrendo de medo! Achei que já estava lotado de gente falando sobre isso! Mas ela incentivou: ‘Vai, eu acredito!’.

Começaram o projeto “Todos juntos pela inclusão” entre fevereiro e março deste ano, com um canal no Youtube. Em abril, decidiram fazer um encontro presencial para aproximar os seguidores além da tela. Tiveram 90 inscritos: número que surpreendeu e trouxe energia para mais.

No mês de agosto, terão o segundo encontro. Quatro pessoas com deficiência visual irão compartilhar suas histórias de vida. Um biólogo, um músico, um atleta paralímpico e Fábio, professor.

– Eu acredito na inclusão em cadeia, mas tem que começar individualmente. Acredito muito na lei da semeadura. Jesus nunca falou de plantinhas. Ele falava de árvores: videiras, figueiras. Eu planto, mas muita gente se beneficia. Essa é a ideia do “Todos juntos pela Inclusão”.

Agora, ele já não entende seu caminho em trajetos separados.

– Não consigo mais pensar o professor sem o projeto e nem o projeto sem o professor. Pretendo continuar dando aula, mas, acima de tudo, sendo uma pessoa boa para o mundo.

Acredita que é preciso compreender a pessoa com deficiência, em primeiro lugar, como uma pessoa. Apenas.

– A deficiência não é uma coisa romântica. Não gosto disso: ‘Usou a cegueira como trampolim’. Foi necessário seguir. Mas é realista, não apaixonante. É matar um leão por dia. Mas jamais foi motivo para revolta, e sim reviravolta.

Mata seus leões, sem queixas. Além do trabalho na escola, dá aulas particulares de informática, reabilitação (para pessoas com algum tipo de deficiência) e música (para pessoas de todo tipo). Há 10 anos, ocupa cadeiras no Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência. E, agora, compartilha essas muitas vivências no projeto “Todos juntos pela Inclusão”.

– Eu não me contenho em mim.

Ilimitado: conceitua em palavras e trajetória.

 

*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/

 

 

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