França e sua escaleta dão o ritmo do chorinho em Ribeirão

20 março 2018 | Gente que inspira

França já era França antes de nascer. Veio com apelido de fábrica.

Conta que “naquela época” era comum as famílias homenagearem os parentes nos nomes dos filhos. Em homenagem à irmã do pai, que era Francisca, ficou certo que o nome seria Francisco José Musse.

A mãe, porém, não queria o apelido de Chico.

– Ela, então, decidiu me chamar de França. Já nasci França.

Pensa que também já nasceu músico. Porque tudo o que diz de si vem com um toque musical.

Fala da música e dos músicos com um quê de enciclopédia. Como quem passou a vida a estudar o que tanto ama.

Hoje, ele é um dos raros músicos que tocam escaleta em Ribeirão Preto – instrumento de sopro e teclas. Aprendeu sozinho, como a percussão. Dos 10 aos 16 anos, pôde fazer aulas de acordeão com um maestro: foi a base para prosseguir sozinho.

É também um dos representantes do chorinho na cidade. Difícil quem nunca tenha lhe ouvido tocar em um barzinho de Ribeirão Preto. Desde que começou a aprender música, nunca mais parou. Hoje, aos 75, soma 65 anos fazendo música com bandas, trios, grupos.

O chorinho, ele não nega, é o estilo preferido. Ganhou até música com seu nome. Diz que a composição de “França no Choro” é do maestro Horvildes Simões. E guarda a partitura, de folha já amarelada pelo tempo, junto com a escaleta.

– A música me emociona muito. Eu chego a derrubar lágrimas escutando uma boa música.

É tão contagiante que até o cachorro da casa, Dentinho, entra no ritmo. Quando França começa a tocar a escaleta, Dentinho se aproxima e, em uivos, parece cantar.

 – A música é universal. Os povos se entendem e se emocionam através da música.

Dentinho mostra que a emoção chega, até mesmo, ao mundo animal.

França nasceu em Minas Gerais, mas está em Ribeirão desde os três anos de vida.

Veio com os pais e os irmãos. Na época, eram em cinco filhos. Ele foi caçula por 10 anos, até nascer a “rapa do tacho”.

Conta que, por aqui, a família viveu em cortiços. Não tinham geladeira, o fogão era de lenha e o tanque era dividido com outras seis famílias.

Mesmo assim, a mãe trabalhava como lavadeira e ninguém reclamava.

– Meus pais formaram os filhos e nos deram condições de sermos alguém. Todos venceram na vida. Muito ou pouco: isso não importa.

Quando França já estava com 10 anos, o pai se tornou construtor de uma companhia, onde também trabalhava um italiano que era maestro. O pai não teve dúvidas.

Quando jovem, havia tocado baixo tuba na banda de Alfenas, cidade onde vivia. A mãe de França sabia tocar bandolim. A música, então, veio de herança.

França e o irmão passaram a estudar música com o maestro. O irmão aprendeu sax e ele acordeão. Estudou até os 16 anos, quando o professor se mudou para São Paulo, e avisou:

– Ele disse para o meu pai que já havia passado para mim tudo o que sabia.

França estava pronto para sair por aí a tocar. E não demorou a fazê-lo.

Com o irmão, que já estava com 18 anos, a banda estava formada: “Irmãos Musse e seu conjunto”. A empreitada durou dois anos. França fez 18 foi para o exército.

Voltou, no entanto, ainda mais empenhado a tocar.

Projeto Choro da Casa Ribeirão Preto História do Dia

Quando fez 22 anos, montou o conjunto Capri, que na época, década de 60, ficou conhecido por Ribeirão, região e até cidades de outros estados, onde faziam shows.

No pôster de divulgação, que ele tem em detalhes na memória, não teve falsa modéstia: “Garantia de sucesso para o seu baile”. Havia como resistir?

Foram seis meses de ensaio antes de lançarem o conjunto. O primeiro baile que fizeram no Dante Alighieri – França não esconde – teve o prestígio de apenas dois casais. Os oito músicos, trajando smoking no tão esperado show, não pararam de tocar.

– Tocamos como se a casa estivesse lotada.

Prenúncio do que iria ocorrer menos de um mês depois.

– Na quarta semana de show, a casa estava cheia. Ficamos um ano e meio tocando lá com a casa assim! Muita gente ainda lembra… muitos casais se conheceram lá, se casaram!

O Capri durou, mais ou menos, sete anos.

Aos 29, França recebeu uma boa proposta de emprego em uma multinacional de produtos farmacêuticos e começou a viajar para vendas. Ficou 14 anos no emprego.

A música continuava, mas aos finais de semana. Na estrada, porém, não faltaram trilhas sonoras. Foi o cenário para uma das suas principais histórias com a música.

Conta que rodava de cinco a seis mil quilômetros por mês em um Fusca, acompanhado do toca fitas.

– Quando Elis Regina gravou “Fascinação”, em 1975, com arranjo de Cesar Camargo Mariano, foi um negócio fantástico!

O encantamento foi tanto que França gravou o lado inteiro de uma fita cassete com a música.

– Era meia hora ouvindo só Fascinação.

O caminho ficou – bem – mais fascinante!

Depois que deixou a multinacional, abriu restaurante, lanchonete, carrinho de lanche. Nos horários livres, continuou fazendo seu choro.

Um dos grandes parceiros de roda foi o músico Caburé, que, para ele, é “o último boêmio de Ribeirão”.

Como os negócios não deram certo, França voltou para as vendas. Viajava o Brasil todo com representante de uma revista.

Só se aposentou 10 anos atrás, com 65. E pôde, então, se dedicar inteiramente à sua grande paixão, como nos dias de outrora.

Participou de um projeto de samba no Sesc, intensificou as cantorias nos bares de Ribeirão e passou a integrar bandas e grupos de chorinho.

Recentemente, passou a compor o Quinteto Atemporal, que não toca só choro, mas não deixa faltar o ritmo no repertório. Integra também o grupo “Os chorões” e, toda segunda-feira, é músico de prestígio no Projeto Choro da Casa, que leva chorinho à praça XV.

Na semana passada, participou do tributo de 100 anos de Jacob do Bandolim, no teatro Pedro II. Eu mesma não consegui conter a emoção com o choro de sua escaleta.

– O chorinho traduz muito da capacidade musical do brasileiro. É um tipo de música que exige um conhecimento musical muito grande. Foi difundido no mundo todo. É aquele orgulho que a gente tem de ser brasileiro e entender de música!

Fala, então, sobre a criação do chorinho, os maiores “chorões” do Brasil, dando o pódio para Pixinguinha, e cita os representantes do choro na atualidade.

Diz que quando está tocando não se deixa transportar para lugar algum.

– Eu procuro fazer o melhor possível. Então, fico muito ligado no que os músicos estão fazendo.

Hoje, seu instrumento principal é a escaleta. Que aprendeu a driblar.

– Eu tenho a mão muito grande e o teclado da escaleta é pequeno. Mas acabo dando um jeito!

Não nega, porém. O instrumento preferido ainda é o acordeão lá do início.

Depois que o conjunto Capri acabou e os instrumentos foram vendidos, ele não teve mais um acordeão só seu. A escaleta e a percussão, então, são as formas de continuar fazendo a música que ama.

Aos 75, aliás, não cogita parar.

 – Até quando vou tocar? Ah, até quando eu estiver por aqui.

O cachorro Dentinho foi adotado por ele e pela esposa há cinco anos.

Chovia e o cão, pequenino, estava perdido debaixo de um carro. Colocaram para dentro e buscaram alguém para adotá-lo, mas ninguém apareceu.

– Ficamos com ele!

Hoje, os uivos do cachorro são parte do ensaio.

Ninguém – mesmo – resiste a um bom chorinho!

 

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Projeto Choro da Casa Ribeirão Preto História do Dia

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1 Comentário

  1. Júlia Musse

    Orgulho em ser filha do França! Obrigada por registrar essa bela história de vida. Gratidão!

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